domingo, 20 de janeiro de 2019

Tempo


Trechos de O Tempo Que O Tempo Tem (2008), de Alexandre Cherman e Fernando Vieira.



O Tempo existe?

Filosofa-se muito sobre o Tempo, assim grafado em maiúscula em reconhecimento à sua natureza única. Filosofa-se bastante a respeito do Tempo, sobretudo nos recônditos da filosofia, é claro. Mas filosofa-se muito acerca do Tempo também na física, na astronomia, na fisiologia e na psicologia.

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O Tempo existe. Esta é nossa hipótese de trabalho. Estamos tão certos disso que prometemos ao leitor um novo livro caso um dia se prove, pelo método científico e de maneira inequívoca, que ele não existe.

(É claro que, se isso acontecer, será no futuro. E isso por si só deveria ser prova suficiente de que o Tempo existe! Mas, insistimos, são argumentos leigos de astrônomos apaixonados pelo tema, mas distantes de qualquer treinamento filosófico.)

Por fim, vamos tirá-lo deste falso pedestal. Falaremos do tempo, agora com letra minúscula, substantivo comum, que o dicionário define como "a sucessão dos anos, dos dias, das horas etc., que envolve, para o homem, a noção de presente, passado e futuro". Ao longo deste livro, vamos medi-lo, qualificá-lo e quantificá-lo. E faremos isso de forma objetiva, pois partimos do pressuposto de que ele é real. O tempo existe. Esta é a nossa hipótese de trabalho.

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O tempo sempre existiu?

Na teoria do Big Bang como originalmente proposta [por George Gamow], o próprio espaço-tempo aparece com o surgimento do Universo.

Fred Hoyle, contemporâneo de Gamow, foi o grande detrator dessa ideia. Não só a achava deselegante, por trazer uma assimetria clara para a história do Universo (um ponto no tempo completamente diverso dos demais), como a considerava perigosa, por aproximar a recém-nascida cosmologia aos conceitos religiosos prescritos pela tradição judaico-cristã.

Hoyle trabalhava com o princípio cosmológico estendido. Este princípio nos diz que não há lugar preferencial no Universo. Todos os pontos são equivalentes entre si. De forma sucinta, nos diz que o Universo é homogêneo e isotrópico (igual em todos os pontos e direções). Hoyle acreditava que essa premissa deveria valer também para os pontos no tempo (os instantes), e não apenas para os pontos no espaço.

O princípio cosmológico estendido diz que o Universo também é homogêneo em termos temporais. Isso quer dizer que em qualquer momento em que observássemos o Universo, deveríamos ver basicamente as mesmas coisas. Muito diferente da visão de Gamow, que defendia que o Universo no passado era intrinsecamente distinto do que é hoje.

Para Hoyle, o Universo sempre existiu. Portanto, o tempo também. Para Gamow, tanto o tempo como o Universo tiveram um começo.

Hoje há um certo compromisso entre estas duas visões diferentes. É sabido que o Universo passou a se expandir há cerca de 14 bilhões de anos. Começou muito pequeno e completamente diverso do que é hoje. Mas já não podemos afirmar se o início da expansão é, de fato, o início do Universo.

Podemos admitir que nosso Universo vive uma fase de expansão, que teve um início evidente. Se esta fase é a única ou se é apenas uma de várias (ou infinitas), isso não sabemos dizer.

Importante é saber que o nosso tempo como o conhecemos começou ao mesmo tempo que a expansão do Universo. Se havia outro tempo antes disso, não podemos saber.

Ou, como Santo Agostinho colocava de maneira magistral: "O que havia antes da Criação? O Inferno, para lá jogar as pessoas que fazem esta pergunta."

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O tempo tem fim?

A pergunta seguinte é irmã gêmea da anterior. Se o tempo tem um início (pelo menos o nosso tempo como o conhecemos), teria também um fim?

Não necessariamente. É fácil pensar em algo que tem começo mas não tem fim. Os números naturais, por exemplo. Começam no zero e vão crescendo, de um em um, até o infinito. Apresentam um começo claro, o zero, mas não têm fim.

A pergunta, do ponto de vista prático, deveria ser: o Universo vai acabar um dia? Se o tempo como o conhecemos começou com o Universo, no início da expansão, então seria natural pensar que se, e quando, o Universo deixar de existir, este tempo sobre o qual tanto falamos deixará de existir também.

O que o futuro nos reserva, então?

Logo que a expansão do Universo se tornou o paradigma científico da cosmologia, uma das perguntas mais pertinentes era: vai se expandir para sempre? A única força que então se conhecia capaz de agir em grandes distâncias era a força da gravidade (as forças eletromagnéticas, por seu caráter bipolar, tendem a se anular no Universo como um todo). E, sendo a gravidade sempre atrativa, ela funcionaria como um freio constante para a expansão do Universo.

O Universo deveria, em algum momento, parar de se expandir. E, claro, com a força da gravidade sempre atuante, querendo o tempo todo aproximar os corpos, o Universo passaria a sofrer um colapso. O fim do Universo aconteceria com uma grande implosão, um desabamento sobre si próprio. O Big Crunch. Com o fim do Universo, acabaria também o tempo como o conhecemos.

(Se o Big Crunch pode dar origem a um novo Big Bang é uma pergunta válida e legítima, que nos leva a um modelo de Universo conhecido como Universo Cíclico ou Eterno. De nosso maior interesse seria a seguinte pergunta: o que aconteceria com o tempo? Ele seguiria correndo sem problemas ou a cada novo ciclo ele começaria de novo? Novamente, esta questão reside mais na área filosófica do que no campo da astronomia.)

Mas e se vivêssemos em um Universo essencialmente vazio? Um Universo com pouca matéria teria uma gravidade geral muito fraca. Tal força não seria suficiente para deter a expansão e o Universo continuaria a crescer e a se tornar cada vez maior.

Neste cenário, o Universo vive para sempre e o tempo não teria fim. Os componentes do Universo, porém, possuiriam um tempo de vida limitado e, depois de um longo período, todas as estrelas deixariam de brilhar. O Universo continuaria a se expandir, o tempo continuaria a passar, mas não haveria mais nada acontecendo no espaço. O Universo se tornaria um lugar frio e inerte. Este cenário desolador é chamado de Big Chill, o "grande frio".

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O Universo se expande cada vez mais rapidamente. Se considerarmos o espaço-tempo como um 'tecido', veremos que esta expansão acelerada rasgará tanto o espaço quanto o tempo. O tempo como o conhecemos terá um fim...

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Este diminuto intervalo de tempo [10-43 segundos], que sequer podemos imaginar, é conhecido como "tempo de Planck", uma justa homenagem a Max Planck, um dos fundadores da mecânica quântica. Um nome menos usado é "crônon", a partícula temporal.

O valor de um crônon em segundos é deduzido a partir de algumas constantes universais: a constante de gravitação de Newton, a velocidade da luz e a constante de Planck.

[...] Para efeitos práticos, o tempo é uma grandeza discreta, pois não faz sentido físico pensar num intervalo de tempo menor que um crônon.

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Relativo ou absoluto?

Muitas vezes se compara o passar do tempo com o fluir de um rio. Fazia-se isso na época de Newton, defendendo-se o tempo absoluto. Independentemente do que se faz no rio, sua correnteza continua constante, da nascente à foz, do passado para o futuro.

Mas não é difícil pensarmos em obstáculos, naturais ou não, que alterem o fluxo do rio. Corredeiras, cachoeiras, barragens e bifurcações alteram não só a velocidade com que a água flui, mas por vezes até sua direção. Se compararmos o rio ao tempo, será que podemos ter o tempo fluindo com taxas variáveis?

Por incrível que pareça, sim!

A teoria da relatividade (especial, de 1905, e geral, de 1915) mostrou, sem sombra de dúvidas, que o tempo é relativo. O próprio Einstein costumava brincar ao explicar sua teoria: "Um minuto ao lado de uma bela mulher passa muito mais rápido."

(Apesar do nome, "teoria da relatividade", e da conclusão que o tempo - e também o espaço - é relativo, Einstein jamais disse que "tudo é relativo". Justamente o contrário. Tal teoria se baseia num conceito absoluto: a velocidade da luz. Como a velocidade da luz é absoluta, imutável e igual para todos os observadores, todo o resto - espaço e tempo - é relativo.)

Velocidades altas e campos gravitacionais fortes funcionam como barreiras num rio, retardando a passagem do tempo. Há soluções teóricas que mostram que se pode até chegar ao passado indo sempre em direção ao futuro (em nosso exemplo geográfico, seria como se parte do rio se bifurcasse e, por questões orogênicas, voltasse ao rio original em um ponto anterior à bifurcação. Para um navegante distraído, ele estaria indo sempre em direção à foz, mas acabaria chegando mais próximo à nascente!). Tais soluções teóricas são chamadas de CTC, sigla em inglês que significa "curva de tempo fechada".

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O tempo é a quarta dimensão?

[...] chegamos aos sólidos. Objetos que têm comprimento, largura e altura. Três números são necessários para medi-los; logo, são objetos tridimensionais.

Mas o leitor há de concordar que ponto, linha, plano ou objeto, todos possuem uma duração. Por isso podemos dizer que o tempo também é uma dimensão. Uma caixa de sapatos, por exemplo, tem largura, comprimento, altura e uma duração (por melhor que seja a caixa, ela não vai durar para sempre!).

Então, admitindo que o tempo é uma dimensão, o ponto geométrico como pensado por Euclides deixa de ser adimensional e passa a ter uma dimensão: a dimensão temporal. Tudo à nossa volta tem, portanto, quatro dimensões: três espaciais e uma temporal.

Em uma abordagem distinta, podemos definir "dimensão" como um grau de liberdade. Um ponto qualquer do espaço pode ser alcançado por meio de uma sequência finita de movimentos retilíneos, alternando-se as seguintes escolhas: direita-esquerda; em cima-embaixo; frente-atrás. Três graus de liberdade, três dimensões. Ah, claro, não podemos esquecer a dimensão temporal: passado-futuro.

(Não, não estamos dizendo que alguém pode escolher ir em direção ao passado. Neste caminho, há uma barreira que parece intransponível. Mas a existência de um muro não quer dizer que não exista o outro lado.)

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Afinal, o que é o tempo?

O tempo é uma dimensão provavelmente discreta e com certeza relativa. Como o conhecemos, teve um início e terá um fim. O tempo existe, é real e independe da nossa existência.

O tempo é, sobretudo, mensurável.

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Movimentos da Terra

Afinal, o que é o tempo? Queremos, agora, ser pragmáticos. Não estamos mais preocupados com os conceitos filosóficos a respeito do nosso objeto de estudo. Sabemos que o tempo é mensurável e queremos medi-lo. Mas o que é o tempo?

Tempo é movimento. O vai-e-vem de um pêndulo, o escorrer de grãos de areia, o derreter de uma vela. Medir o tempo é criar padrões confiáveis a partir de movimentos, de preferência cíclicos. Melhor ainda se pudermos observar movimentos que não dependam de nós.

Esta é a deixa perfeita para a entrada da astronomia em nossa história. Onde mais encontraremos movimentos cíclicos, precisos, confiáveis e completamente alheios às nossas vontades?

O Sol, por exemplo, é um imenso ponteiro riscando a face de um relógio cósmico. Seu ciclo diário de nascer e ocaso é um instrumento fantástico para a medição do tempo. Mas este é um ciclo curto e sua contagem serve muito bem para a divisão do dia em pedaços (as horas).

Há um outro ciclo solar que só é percebido ao longo dos meses. Hoje, este outro ciclo talvez passe despercebido por muitos, pois não é óbvio como o ciclo diário. Mas ele é tão importante quanto. Além de um relógio, o Sol é um calendário muito eficiente. Basta saber consultá-lo.


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