quinta-feira, 31 de outubro de 2013

Geração copofone

Depois de muita complicação e chateação por causa da greve dos Correios, finalmente recebi meu exemplar de Impérios Da Comunicação, do professor Tim Wu, canadense naturalizado americano, de pai chinês e mãe britânica. Mal passei da página 60 e já posso afirmar com segurança que é uma das minhas grandes leituras do ano. No site da editora Zahar tem um pedaço do início do livro, trecho que conta um episódio da época da geração copofone. Aí vão algumas partes.


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No dia 7 de março de 1916, Theodore Vail chegou ao New Willard Hotel, em Washington, para um banquete em homenagem às suas realizações no sistema Bell. Organizados pela National Geographic Society, os festejos eram de um nível e de uma grandiosidade dignos da visão de futuro que a American Telephone and Telegraph (AT&T) tinha do país.

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O tema do banquete da Bell era "A voz viaja". Seria uma empolgante demonstração de que a AT&T planejava interligar os Estados Unidos e o mundo como nunca antes, usando uma maravilha tecnológica que agora achamos normal: chamadas telefônicas a longa distância.

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A plateia estava visivelmente atônita. "Era um milagre da modernidade", relatou uma publicação. "A voz humana viajava de oceano a oceano, agitando as ondas elétricas de uma ponta a outra do país."

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Pode parecer um pouco incongruente começar um livro cuja preocupação essencial é o futuro da informação com um retrato de Theodore Vail, o maior monopolista da história da indústria desse setor, concentrando as glórias da mais vital rede de comunicações do país sob um controle absoluto. Afinal, aqueles eram tempos bem diferentes. Nossa rede mais importante hoje, a internet, parece a antítese do sistema da Bell sob o comando de Vail: a primeira é organizada de forma difusa - até caótica -, ao passo que o segundo era um sistema centralizado; ela é aberta a todos os usuários e conteúdos (voz, dados, vídeos etc.), enquanto ele limitava-se a chamadas telefônicas exclusivas para clientes da Bell; propriedade de ninguém versus sistema pertencente a uma empresa privada.

Na verdade, graças a essa característica da internet, no início do século XXI, tornou-se lugar-comum dizer que nossa época não tem precedentes em toda a história, em termos de cultura e comunicação. Hoje a informação circula pelo país e ao redor do globo à velocidade da luz, mais ou menos ao sabor do desejo de quem quiser enviá-la. Como algo se mantém igual depois da revolução da internet? Numa época como a nossa, déspotas da informação como Vail parecem antediluvianos.

No entanto, se olharmos com atenção o século XX, logo descobriremos que a internet não foi a primeira tecnologia da informação a mudar tudo para sempre. Na verdade, houve uma sucessão de mídias abertas e otimistas, mas cada qual, na devida época, tornou-se fechada e controlada por indústrias como a de Vail. Nos últimos cem anos, muitas vezes a mudança radical prometida por novas formas de receber a informação parecia ainda mais drástica que a de hoje. Graças ao rádio, previu em 1929 Nikola Tesla, um dos pais da eletricidade comercial, "o planeta inteiro será convertido num enorme cérebro, por assim dizer, capaz de responder de todos os lugares". A invenção do filme, escreveu D.W. Griffith nos anos 1920, significa que "crianças em escolas públicas aprenderão quase tudo com imagens em movimento. Sem dúvida nunca mais serão obrigadas a ler livros de história outra vez." Em 1970, um relatório da Sloan Foundation comparou o advento da televisão a cabo com os tipos móveis: "A revolução agora à vista pode ser nada menos ... pode ser muito mais." Como observa um personagem de A Invenção do Amor, de Tom Stoppard, passado em 1876: "Todos os períodos acham que são a era moderna, mas o nosso é de verdade."

Em sua época, cada uma dessas invenções - que deveriam ser o ápice de todas as demais - passou por uma fase de novidade revolucionária e utopismo juvenil: todas iriam mudar nossas vidas, sem dúvida, mas não a natureza de nossa existência. Seja qual for a transformação social que qualquer uma delas possa ter causado, no fim, todas ocuparam seu devido lugar na manutenção da estrutura social em que vivemos, desde a Revolução Industrial. Ou seja, todas se tornaram uma nova indústria altamente centralizada e integrada. Sem exceção, as admiráveis novas tecnologias do século XX - que partiam de uma proposta de uso livre, para o bem de novas invenções e da expressão individual - acabaram se transformando em monstrengos industriais, nos gigantes da "antiga mídia" do século XX que controlariam o fluxo e a natureza dos conteúdos por razões estritamente comerciais.

A história mostra uma progressão característica das tecnologias da informação: de um simples passatempo à formação de uma indústria; de engenhocas improvisadas a produtos maravilhosos; de canal de acesso livre a meio controlado por um só cartel ou corporação - do sistema aberto para o fechado. Trata-se de uma progressão comum e inevitável, embora essa tendência mal estivesse sugerida na alvorada de qualquer das tecnologias transformadoras do século passado, fosse ela telefonia, rádio, televisão ou cinema. A história mostra também que qualquer sistema fechado por um longo período torna-se maduro para um surto de criatividade: com o tempo, uma indústria fechada pode se abrir e se renovar, fazendo com que novas possibilidades técnicas e formas de expressão se integrem ao meio antes que o empenho para fechar o sistema também comece a atuar. 

 
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Por mera curiosidade, fui fazer umas pesquisas no YouTube e descobri no canal da AT&T uma série chamada Archives. Que material fascinante e estranho essas apresentações para divulgação de ultrapassadas novidades. Como raios eu vivi tanto tempo sem conhecer isso? Um filme - provavelmente dirigido pela mão certeira de Ridley Scott - que pretendesse investir pesado na atmosfera "techno retrô" dificilmente conseguiria provocar em mim o mesmo efeito alcançado por esses anacrônicos e quase burocráticos vídeos promocionais.