domingo, 25 de maio de 2008

Temor e tremor

E continua a onda de tremeliques no solo da Princesinha do Norte. Imagino seu espanto, Princesa. Lá no seu boudoir, só deitada curtindo sua superioridade e seu tédio, de repente a confortável caminha com baldaquino dá uma sacudida, o espelho da penteadeira trinca. Em Sobral agora é assim. A cidadezinha dos habitantes fanfarrões, da curvatura da luz e da terra em transe.

Não é que apareceram notícias de agitação tectônica aqui na capital também?

O que vem é a curiosidade de como ficaria a paisagem se esses fenômenos saíssem da fase fraldinha e atingissem a condição madura e não-eufemismável de terremotos (o que talvez soe completamente abestado; não estou considerando detalhes rigorosos quanto a geologia).

Só sei é que seria um baita golpe em um ponto daquele que é um dos mais estimados e estimulados bovarismos de brasileiros das mais diversas latitudes, ou seja, a lengalenga "O Brasil é um país maravilhoso! Uma pátria abençoada! Por aqui não há terremotos ou tsunamis. Temos um povo alegre, honesto e trabalhador, além de uma natureza fértil e generosa. Só não somos uma nação de Primeiro Mundo devido à corrupção dos políticos."

Já vejo até os moradores de Fortaleza de Nossa Senhora andando paranóicos pelo Centro, que nem um personagem de um dos livros do caduco nobelizado José Saramago:

- Macho, tu viu isso? Sentiu isso?
- Isso o quê, doido?
- ...

O ficcional indivíduo mencionado, e somente ele em toda a historinha, tinha a capacidade de perceber tremores no chão, os quais, como se viu depois, estavam relacionados a um acontecimento inusitado, bla bla bla.

Mas aos grandes humanistas de plantão, aviso que por enquanto não carece de vocês se preocuparem com a gente. Nada ainda envolvendo desabrigados, feridos, desaparecidos, mortos, desabamentos, órfãos, esses itens estilo CNN. Pensem no humorista cearense Chico Anysio. Lembram-se do vampiro Bento Carneiro? Todas as vezes que seu comportamento vacilante e assustadiço frente a situações e a seres sinistros causava estranheza a alguém, surgia a indagação "Mas o senhor não é vampiro?", à qual Bento prontamente respondia com a justificativa "Vampiro brasileiro, pfff". Pois digo: abalo sísmico brasileiro, pfff.

quinta-feira, 22 de maio de 2008

Racionais

Na versão mais conhecida do incidente, Medéia trucidou os filhos em um ato de vingança premeditado e severamente calculado contra um marido infiel.

HAL 9000, o supercomputador do filme 2001: A Space Odissey, usando as frias operações lógico-aritméticas de seu cérebro de silício, bits para lá e para cá, elaborou um plano cheio de detalhes técnicos para eliminar os tripulantes do veículo espacial em que se encontrava.

O austríaco que dias atrás matou a esposa, a filha, o pai, a mãe e o sogro com um machado, no seu raciocínio de peculiar lógica para executar o massacre, parece ter considerado as premissas "estou falido" e "não quero entristecer minha família por causa disso" e concluído "logo, vou assassiná-los e eles nunca sofrerão com isso". Wiener blut. Sangue vienense. No famoso livro - mais comentado que lido, desconfio - do barbudão russo Dostoievski, o amadorzinho protagonista planejou apenas o assassinato de uma megera chinfrim e ainda fez c*g%d$. Mas o machadiano de agora foi metódico e violentamente eficaz na série de homicídios. O procedimento no serviço da chacina talvez esteja relacionado a um equivalente austríaco da tão falada eficiência de seus primos boches, os Siegfrieds e Wolfgangs papa-chucrute. Alguns daqueles primos, os da cruz gamada e dos delírios de Pinky & Cérebro, também deram uma boa amostra do que é o horror sistematizado (e em escala industrial) guiado pela fé na racionalidade bruta. A bitolação gravitando em torno do amoralismo e das teses saídas da manjada torre de marfim. O desejo de atribuir caráter científico a comportamentos passionais.

E observando a morbidez desses crimes recentes na Áustria, lembrei-me de um sujeito que se chamava Thomas Bernhard. Ele cuja acrimônia perambulava pela fatídica cidade de Viena. Ele que tanto escreveu (e que pouquíssimo li) sobre o que há de sombrio. Do mais sombrio e macabro que há no mundo, que é o que fica escondido nessa caixinha artesanal e intrigante que é a alma. Dentro dela, posto à prova, o monopólio da razão tropeça e erra feio. De acordo com a antiga lenda que acabei de inventar, o niilismo desabrido de Bernhard começou a medrar quando ele percebeu que seu nariz era uma triste figura semelhante a um morango. Hipótese verossímil.

segunda-feira, 19 de maio de 2008

Vida pública


De cima para baixo:

- Cicciolina

- Deborah Soft

- Mary Carey

- Milly D'Abbraccio

Todas essas mulheres ficaram famosas trabalhando duro na indústria da pornografia. E todas também, posteriormente, aventuraram-se no ramo da política. O que é um padrão no mínimo curioso. Algumas inclusive foram eleitas.

Quando ouvimos falar em homens públicos, é óbvio que nos lembramos dos engravatados de queixo duplo que compõem o poder legislativo. Já a expressão "mulher pública" é de uma ambigüidade irresistível.

quinta-feira, 15 de maio de 2008

Ignorância esclarecida

Ninguém deve sentir-se na obrigação de já ter lido todos os escritores badalados das rodinhas literárias, desde os clássicos da Grécia até os pós-modernos. Nem de saber quais são os novos autores que estão em evidência.

Ninguém deve sentir-se na obrigação de já ter assistido a todos os filmes do cinema mudo, noir, nouvelle vague, marginal e iraniano. E nem de estar a par do que rola nas estréias do fim de semana ou nos incensados festivais de várias partes do planeta.

Ninguém deve sentir-se na obrigação de conhecer e apreciar todos os compositores da música erudita.

Ninguém deve sentir-se na obrigação de já ter visitado exposições de todos os notáveis da pintura e da escultura.

É bastante comum nos confundirmos e aplicarmos a expressão "vasta cultura" ao que é apenas uma maçaroca de informações desconexas e truncadas. É freqüente, quando começam os vomitórios de referências e tiques nervosos de citações, que alguém fique à deriva e seja atingido por uma espécie de complexo de inferioridade, achar-se deficiente em seus conhecimentos ou sei lá o quê. Daí, aumenta sua vulnerabilidade ao mal de querer estar por dentro de tudo. O que é uma tolice. Nem existe, de fato, tanto material tão bom como vivem dizendo os supostos entendidos, para que valha a pena passarmos momentos lendo-o, vendo-o, escutando-o. Sequer temos tempo suficiente para isso. E não me refiro a horas livres, mas a duração da vida.

Pensem em frases do tipo "Credo! Você nunca leu Søren Kierkegaard?" e "Nossa! Você nunca viu um filme do Yasujiro Ozu?" acompanhadas de um ar entre espantado e desdenhoso.

Pensem também no profissional liberal fã daquela revista semanal. Ele adora a coluna de um sujeito acolá, que disserta com fluência e autoridade sobre uma ampla constelação de assuntos, desde arquitetura do período barroco até física quântica. Apesar do monte de erros, de chavões e de superficialidade, ele fisga o incauto leitor através de sua erudição made in Google, a fatal e sedutora cereja de sabor pretensamente highbrow. (Na verdade, se o escriba for um legítimo CDF rigoroso, tanto faz.) O devoto da publicação, coitado, considera o colunista um herói do pensamento e vai ralar para imitar seu ídolo. Aí me lembro é da garota que viu as fotos da mais recente celebridade instantânea na Playboy e, com inveja das formas e curvas irretocáveis, inicia uma rotina combinando alimentação disciplinada e exercícios, a fim de rivalizar com a musa do ensaio de nudez. Sim, e a cabeça-de-vento não tem a mínima idéia do bombardeio de efeitos Photoshop responsável pela fictícia perfeição da peladona. Assim como o fascinado leitor ali do início do parágrafo não atenta para os truques e falácias do seu jornalista favorito. O que lasca é que a jovenzinha e o senhor classe-média, ambos são guiados por modelos enganosos, que pouco têm a ver com o mundo prático.

A questão principal deveria ser: quero consumir determinado(a) livro/música/filme/whatever por um genuíno interesse ou porque me sinto pressionado pelo lobby de grupelhos que são o sustentáculo da aura cult de alguns comportamentos e produtos do ramo de entretenimento/arte? Siga seu rumo, como diria o casal Pimpinela.

O que há de sobra é gente na arapuca de elogiar a roupa invisível do rei, só para não levar na testa um carimbo de burro ou lerdo.

Recordam-se da época em que enciclopédias popularescas e almanaques de curiosidades, aqueles de banca de jornal ou oferecidos por vendedores de porta em porta, tinham títulos como O Sabe-Tudo?

E não se iludam imaginando que o que escrevi serve de desculpa para manifestações grosseiras de ignorância que há por aí.

domingo, 11 de maio de 2008

A que te pariu

(divagação inspirada pelo Dia das Mães (que é hoje))

Causo engraçado é o que há na Wikipédia sobre o romeno Emil Cioran:

"[...] Em 1935, sua mãe teria dito a ele que, se soubesse que seria tão infeliz, teria-o abortado. [...] Quando a mãe de Cioran lhe falou sobre o aborto, ele admitiu que aquilo não o perturbou, e sim despertou dentro dele uma sensação extraordinária, que o levou a uma visão maior sobre a natureza da existência ('Eu sou apenas um acidente. Por que levar isso tão a sério?' - diria ele mais tarde, ao referir-se a este incidente)."

Ah, as mamães. A minha? É uma figuraça. A memória mais distante que guardo dela é sua expressão chocante de panaca ao perceber que eu havia partido o pescoço do filhotinho de gato siamês, presente de meu 1° aniversário, durante uma desastrada brincadeira. Esse incidente doméstico chacoalhou a cuca agreste da prosaica dona-de-casa fã de novela, mas nada muito tragédia de Sófocles (ele, aliás, autor da antiqüíssima história do sujeito que, entre diversas aventuras, assassinou o próprio pai e fornicava com a própria mãe).

Evento marcante que também recordo foi uma baita sessão de lapadas de cinturão no lombo e mãozadas no pé-do-ouvido por que passei aos 8 anos de idade como punição por ter sido flagrado, pela jovem senhora, folheando uma Penthouse. É uma de minhas ternas lembranças de infância a nova máscara de panaca que substituiu seu rosto dias depois dessa surra. Ela foi à caixa de correio e abriu o envelope de remetente esquisito que continha uma bombinha caseira feita com resistência de chuveiro elétrico (aprendida com os delinqüentes do colégio). Seu terror ante o estrondo da explosão, seus gemidos pungentes, seus gritos excruciantes, seus dedos chamuscados e sangrando, seu tremelique generalizado de pavor foram imagens fantásticas que imitadores de Hieronymus jamais conseguirão pintar. Ser mãe é perecer no paraíso. Ser filho é vingar-se sem aviso.

Sobre o período tempestuoso e cheio de pruridos que é a adolescência, a verdade é que o espaço é curto para narrar os incidentes dignos de nota envolvendo mamã. Joaninhas e escaravelhos na calçola, pó-de-mico no sutiã, pedra de carbureto na privada, percevejos no bidê, massacre de petúnias, trocar o creme Avon por cera Grand Prix, tantas lembranças.

Hoje, acredito que nosso relacionamento tenha poucas diferenças em relação a outras pessoas da classe média. Cubro-a de pancadas se, após uma lavagem de roupas, minha melhor camisa, de brim da Tunísia, aparece com uma nódoa fatal. Se estou puto com estorvos do trabalho, desconto nela, reclamando da catinga de seu perfume cópia barata de almíscar e dizendo que está velha, gorda e que foi burra demais por ter casado com um preto. Se estou de bom humor, bebo Dreher e ameaço largá-la em um asilo decadente que picota idosos para fazer vatapá ou risoto, só para me divertir com as reações dela ao escutar tal despropósito. Quando a bruaca chegar à hora final, pretendo transformá-la em um suntuoso tapete semelhante aos de pele de tigre.

* * *

Ok, terminada essa ficção delirante, digo: valeu, mãe, por me aturar esse tempo todo! E obrigado por não ter me arremessado pela janela do condomínio (até porque nunca moramos em um), como fizeram recentemente por aí. Um abraço.

quinta-feira, 8 de maio de 2008

História regional da infâmia

(divagação inspirada pelo 18° Cine Ceará, ocorrido em abril, cujo tema foi o cangaço)

Aqui pelo NE, é bastante conhecido um culto a abortos e a aleijões da História. Antônio Conselheiro e o arraial de Canudos, cangaço, padre Cícero, José Lourenço e o sítio Caldeirão, dentre outros. Existe toda uma aura mística em torno dos antigos celerados molambentos com o emblemático chapéu em meia-lua e o peito cruzado por cartucheiras. Além dos beatos fanáticos que lideravam hordas de camponeses absurdamente ignorantes e miseráveis pelo sertão afora.

Seqüelas do hype, podemos observar os seguintes estereótipos, propagados com gosto de gás por néscios de vários lugares:

1) A imagem do cabra-macho, que resolve as mais corriqueiras pendências na ponta da peixeira.

2) Uma terra de pobreza extrema e generalizada, com forte tendência a parir insurreições do populacho.

É de se estranhar que a maioria do pessoal de cá identifique estandartes sagrados em tais mazelas.

Num cacoete de universitário bicho-grilo, primatas do pretérito imperfeito nordestino são alçados à condição de heróis e revolucionários, vingadores de um povo sofrido tiranizado por autoridades e riquinhos sádicos. Ainda que não passassem de reles [broncos, famintos, fedidos, desdentados, assassinos, estupradores, bandoleiros, delinqüentes, degoladores] mergulhados em atitudes desesperadas que eram a reação inepta a um meio hostil. Há por aí manifestações, ditas artísticas, de baixíssima estatura que dão o maior valor colocar os mongos do semi-árido em um pedestal, romancear e poetizar seus feitos.

E são ridículos demais os adeptos da idolatria da miséria. Seres da cidade grande, bem nascidos, criados à base de leite Ninho e rodeados pelo asfalto quente e pelas elevações de concreto. Mal termina a fase de queda dos dentes e entram em cena as calças jeans rasgadas, as alpargatas, a falta de asseio e as camisetas com foto do argentino Ernesto Guevara. Os papais, que ralam que só uma pinóia para dar um bom padrão de vida para sua gente, talvez achem bonitinho e coisa da idade as preferências de suas crias alarves. Errado. Prosélitos mais velhos também são vítimas da patologia.

Sim, tranqueira demais que um xexelento com acesso a [internet banda larga, telefonia 3G, LAN houses, boas livrarias e bibliotecas, cinemas multiplex, bons cursos na área de tecnologia, escolas de idiomas] crie uma fixação em simpatizar com o que de mais [retrógrado, caduco, deletério, vulgar, constrangedor, criminoso] nossa terra já teve a desgraça de gerar. E não adianta espernear nem fazer cara de choro, os recursos anteriormente mencionados foram proporcionados pelo desenvolvimento da brincadeirinha de oferta-procura-correr-atrás-de-grana. Comédia é ver que os que renegam e repudiam o atual modelo de organização são os mesmos que usufruem que é uma beleza dos bens produzidos nele. Já aqueles mitos nativos, que eu saiba, nada acrescentaram de bom nem trouxeram avanço a alguém. Até que houve realizações. Prisões, chacinas, traumas. Além da vergonha eterna para uma região onde muitos parecem é encher o peito de orgulho épico de uma herança marginal. Esses fenômenos são a sujeira que é empurrada para debaixo do tapete. Em vão, pois ela insiste em mostrar sua horrenda cara de bunda para as visitas. Pensem numa gastura.

Celebrar a memória de lixos radioativos como Lampião e Corisco é celebrar [a brutalidade, o subdesenvolvimento, o crime, a penúria, a ignorância, o vandalismo] que proliferaram durante nosso passado destrambelhado e vendê-los maquiados de artigos folclóricos do Mercado Central ou de feirinha do interior.

Na verdade, se dermos uma voltinha pelo mundo, veremos o quão é comum a tietagem envolvendo párias, primitivismo, plebe e bandidagem. De jeito nenhum os tolos admiradores de cangaceiros, de beatos e de riscadores de faca são raridades de zoológico. Há sicilianos que amam os códigos e violências dos mafiosos, gaúchos adoradores de rebeldes separatistas barbudos e decapitadores, norte-americanos fascinados por pistoleiros do Oeste com rostos estampados em cartazes de Procurado vivo ou morto, islâmicos que vêem os sórdidos homens-bomba como santos e mártires. O fã-clube de freak shows regionalistas, seu nome é Legião.

terça-feira, 6 de maio de 2008

Labuta

(divagação inspirada pelo recente feriado em 1° de maio)

Morar em bairro lotado de povo humilde e batalhador (cidadania: a gente vê por aqui) é uma estranha experiência. Nos fins de semana, é aquela agitação. Uns rugindo louvores na igreja pentecostal, outros em casa, assistindo a shows de crianças cantoras, outros tricotando fuxicos nas esquinas, outros em botecos, provando a indigesta dobradinha de cachaça com espetinho de carne de procedência duvidosa, pivetes de vocabulário ultrachulo no futebol de rua, os grupinhos de adolescentes em que rolam tremendos queixos em cima das gatinhas (mui felinas, de bigode, peludas, ouvido entupido de cera, corpo hospedando protozoários), outros jogando baralho sinuca dominó, outros torrando boa fração da má renda de motoboy na máquina caça-níqueis ("Na próxima eu ganho!"), outros indo à praia com arsenais de vasilhas tupperware, outros embriagando-se em danceterias fuleiras, até que colegas de longa data, com os cérebros seriamente afetados pelo álcool, comecem a esfaquear-se ou a trocar tiros alegremente, outros - matusaléns com fuça de panqueca amassada - põem uma ancestral vitrola na calçada e permanecem horas na cadeira de balanço ou na espreguiçadeira, a ouvir, em volume estapafúrdio, antologias de forró de duplo sentido.

Minhas anteninhas de vinil já detectam a presença do manjado e pretensamente conciliador aparte, com direito a peculiar ortografia: "Pow véi, kda 1 faz u q quizer da vida neh, mew?!"

Curioso notar que alguns exemplares dessa pitoresca fauna são os mesmos que, durante os dias de labuta (a luta, o serviço ou o trampo, como eles chamam), encarnam a figura do prisioneiro remador de galé. Ofícios insalubres ou apenas medíocres e nada instigantes, com uma carga horária extenuante. Além de ambiente incômodo, condições estressantes, salários irrisórios e forçada convivência com pessoas invariavelmente estúpidas e desagradáveis.

Engraçado que na brechinha que lhes é concedida periodicamente, um intervalo tão curto, fico com a impressão de que existe uma espécie de ímã que os atrai, para preencher os momentos de ócio, às atividades predatórias e/ou autodestrutivas. Vão a festas hediondas com freqüentadores idem, que adoram trocar porradas e criar confusão, passam da conta na pinga e rasgam o ventre de desconhecidos com uma peixeira. Ou, também etilicamente turbinados, saem por aí dirigindo fubicas ou lambretas.

E nem venham com a ladainha de que tenho implicância com a classe social X. As mencionadas atitudes são verificáveis em diversas castas. Esqueçam as origens, se quiserem. É lícito imaginar as situações anteriores para habitantes do topo de uma hierarquia, bla bla bla.

Tal comportamento é bastante revelador de como o ser humano, de subúrbios ou de mansões, é péssimo em lidar com eventual ociosidade, assumindo quase sempre posturas cretinas e inanes, espelho de sua própria futilidade. Seria um desastre se essa farândola - de cabeças mais vazias que estômago de retirante - dispusesse de maiores hiatos na rotina profissional. Rebelião das massas. Eles parecem ter um sério problema com regras e limites.

Um bom sucedâneo para chicote de jegue estradeiro que as sociedades têm, para controlar a fera que há por trás de cada N° de CPF, é o trabalho. Os bichos seguem numa disciplina espartana, com suas tarefas a cumprir ditando os passos. Uma porção deles chega a crer que desempenha funções importantes, mas talvez a única relevância seja manter seus cerebrozinhos de ogro ocupados. O que é grande façanha, sim. Temos amostras do que esse povaréu pode provocar se não estiver eficientemente agrilhoado a obrigações do tipo terminar faxinas, soldar componentes de placa-mãe, digitar valores em planilhas, alcançar meta de vendas, abrir e fechar portões, checar recibos, carregar e descarregar caminhões, fabricar penicos.

Lembrem-se disso quando souberem de catiguria reivindicando redução de jornada.

O controverso barbudo George Bernard Shaw certa vez escreveu: "A escravatura humana atingiu o seu ponto culminante na nossa época sob a forma do trabalho livremente assalariado." Mas o diabo é que concordo, sem ironia, que deve ser assim. [Nós] Os vassalos do capital e seu potencial de baderna merecem tratamento à rédea curta, senão a avacalhação impera. E um emprego é a arma perfeita para a missão.

A quem acha que aproveita a folga do batente em programas, digamos, com menos cara de Regina Casé, desejo boa noite e boa sorte. Na verdade, não dou a ínfima. Agora, sessão auto-ajuda. Sejamos escravos bem-resolvidos e pensemos que trabalhar serve para matar o tempo, fornecer uns trocados e dar a ilusão de sermos úteis.

Encerrando o expediente, breve e ótimo diálogo do filme Duck Soup, dos Irmãos Marx:

- The Department of Labor wishes to report that the workers of Freedonia are demanding shorter hours.
- Very well, we'll give them shorter hours. We'll start by cutting their lunch hour to 20 minutes.

sábado, 3 de maio de 2008

Gênese de grandes amores

(I)
MULHER: - Essa palavra aqui é com "s" ou com "z"?
HOMEM: - É com "s".
MULHER: - Nossa! Como você é inteligente!

(II)
HOMEM: - Você vem muito aqui?
MULHER: - Sim, às vezes.
HOMEM: - Nossa! Como temos hábitos em comum!

(III)
MULHER: - Você gosta de poesia?
HOMEM: - Sim. E não entendo muito de futebol.
MULHER: - Nossa! Como você é diferente!

(IV)
HOMEM: - Olha, não podemos mais ser apenas amigos. Meu coração por ti gela!
MULHER: - Nossa! Como você é romântico!

(V)
MULHER: - Obrigada por me ouvir. Eu precisava muito desabafar sobre o salto alto que quebrei.
HOMEM: - Ah, de nada.
MULHER: - Nossa! Como você é atencioso!

(VI)
MULHER: - Caramba, você também curte essa música do Chico!
HOMEM: - Sim, claro, ele é um gênio!
MULHER: - Nossa! Como você tem bom gosto!

(VII)
HOMEM: - Ei, sabe por que a galinha atravessou a rua?
MULHER: - Nossa! Adoro homens que [têm senso de humor/me fazem rir]!

. . .

Love is a many-splendored thing. Um estúpido cupido com bochechinhas de Richard Nixon adeja a espalhar flores do Jorge Tadeu e a assoviar Mandy, do Barry Manilow, e Princesa, do Amado Batista.

sexta-feira, 2 de maio de 2008

Vespeiro

Risível como pisotear o calo de determinadas idéias arraigadas por aí é que nem perturbar com vara curta uma casa de vespa. O autor da presepada leva ferroada de tudo quanto é lado, de insetinhos indignados por terem mexido em seu estimado vespeiro. Depois de nos acostumarmos, torna-se um esporte dar cutucadas em conceitos, aqueles vistos por uma acachapante maioria como certinhos e do bem. Mais por molecagem que por expor teses. Tipo dar um pedala-Robinho no sujeito e sair correndo. Esse povo nunca vai tomar jeito mesmo. Mais pela pretensão/diversão de ser chato que de ser convincente. E um grande lazer da espécie Chatus emeritus é azedar as festividades em torno de verdades provisórias travestidas de dogmas, instituídas e disseminadas por panelinhas, cada uma de acordo com suas conveniências em um momento específico.

E encomende o crachá de chato e persona non grata e eternamente amaldiçoado nas rodas de conversa guardiãs do bom gosto e da intelectualidade quem já falou que há instituição de caridade que é pilantra. Que educação não é sinônimo de nível de instrução escolar. Que velhice não é sinônimo de sabedoria. Que velhice não é a melhor idade. Que os antigos tempos não eram maravilhosos. Que existe pobre que não é manancial de virtudes. Que existe mulher burra demais. Que gente preta também pode ser incompetente. Que o filho recém-nascido da Zulmira é feio. Que sempre haverá guerras, algumas até razoavelmente justas. Que nada impede que um canalha artista crie obras-primas. Que ler toneladas de livros nada prova. Que apreciar Werner Fassbinder nada prova. Que ser vegetariano nada prova. Que freqüentar o museu do Louvre e o teatro La Scala nada prova. Que votou contra a proibição do comércio de armas de fogo. Que acha passeata invenção de desocupado. Que é o auge do trash ter um site antiEUA hospedado em um servidor norte-americano. Que é simplesmente esculhambação clamar por socialização (faz-me rir) pensando só na propriedade alheia. Que voto de analfabeto é uma tremenda avacalhação. Que é possível consolar outro apenas para afetar superioridade. Que muito filantropo está nessa para dar uma aliviada em sentimento de culpa e/ou fazer auto-promoção. Que trambiqueiros faturam alto no ramo do coitadismo. Que riu de um ceguinho que levou uma topada e caiu no meio da rua. Que já teve vontade de encostar a ponta de um cigarro aceso bem na bochecha de um fedelho malcriado. Que alguns habitantes de paraísos turísticos não são alegres e hospitaleiros. Que brincava de torturar calangos. Que a balada com gente bonita e interessante restringe-se à ficção da propaganda. Que nutria ódio pelo pai e pela mãe quando era adolescente debilóide. Que a expressão "sabedoria popular" às vezes é uma contradição em termos. Que irmãos não têm a missão de gostar uns dos outros. Que idem para vizinhos e funcionários do escritório. Que foi um progresso terem surrupiado as terras dos índios por aqui. Que o período de governo militar foi o que de menos ruim poderia ter acontecido ao Brasil. Que nem todo mundo que curte muita televisão é cretino*. Que aquele bigodudo da União Soviética mandava matar geral**. Que esse papo de liberdade total é atraso de vida. Que falar de amor pode ser uma estratégia para extrair grana de abestados. Que o MST é gangue de caipiras, massa de manobra. Que a igreja a que o beltrano pertence prega asneiras gritantes. Que corremos o risco de não sermos felizes para sempre. Que o adúltero nem sempre é descoberto. Que na África negros vendiam negros inimigos aos brancos na época da escravidão. Que abstêmio não significa boa pessoa. Que é fajuta a obrigação de simpatizar com boiolagem e sapatagem. Que dinheiro traz felicidade.

* Fica a dica: Fazer pouco caso desse e de outros itens pode ser controversamente divertido e desopila o fígado. Experimentem.

** Experimento: Eu adoraria despachar um colega de trabalho, campeão de embromation e de reclamação, para uma temporada no Arquipélago Gulag. Eu assinaria um canal pay-per-view que mostrasse o lazarento o dia inteiro quebrando pedra sob o implacável frio siberiano. Quando chegasse a exaustão, ele cairia no chão e um rottweiler pularia estabanado em cima dele e o devoraria como uma bisteca de segunda. Tudo com a benção do Guia Genial. Sou bonito***?

*** Ei, Nonato, é brincadeira, viu? Não fique bravo. Esqueça isso de gulag. Só o tirinho protocolar na sua nuca já me contentaria.