domingo, 31 de janeiro de 2010

Imaginação: modo de usar

Lembrei o trecho de uma aventura do Sherlock Holmes em que o arguto detetive falava de um certo uso científico da imaginação.

Pergunto: Que ilusões temos vontade de dinamitar? Que beleza imaginativa estamos dispostos a destruir?

Que bando de cutias esses naturalistas e iconoclastas vulgares, com seu ceticismo de feira de Acari. Que espécie de bicho, ambicionando afetar superioridade, murmura que Ingrid Bergman e Ginger Rogers não eram tudo aquilo? Que elas também tinham que cumprir as obrigações malcheirosas no banheiro, que a frescura e a pose delas - o que os alienados pela mídia chamam de glamour - reduziram-se a meros e lúgubres despojos em cemitérios, zZzZz, que sono. É a mesma laia de energúmeno que se acha o espertalhão por pensar nos anônimos pedreiros de Tebas, a das sete portas. Não vejo graça nisso. Cabeça-de-porongo que leu meia dúzia de resumões do tal Charles Bukowski ou assistiu ao DVD dos Detentos do Rap e já quer sair por aí distribuindo sopapos na cara das convenções, mano, porque ele foi além da cúpula do trovão da rotinazinha do flat e agora saca qual que é a do sistema. Tá ligado que a revolução não será televisionada. O povo do gueto mandou avisar. Tenso. Vocação para Didi Mocó arrancando pedaços de parede e debochando dos cenários de isopor do Projac. É a miragem do realismo de berçário, o engodo do temperamento crítico exacerbado. Mas ganha pontos comigo (grandes bosta) quem estourar o balãozinho vermelho de hélio dos lindos devaneios das utopias igualitárias, incomodando Mafaldinhas e atrapalhando os que pelo menos têm ideais e investem no sonho, né, people. E é esquisito, pois fica a impressão de um esquema trenzinho da alegria relativista, cujo ápice são os breguelhentos Cada um acredita no que quiser e Ninguém é dono da verdade.

Entediados do átomo e sequiosos da ficção de todo o mundo, uni-vos. Continua em franca e atiradora decadência nossa estima por lorotas que divertem, por futilidades lúdicas que podem até ser civilizatórias. Viajar alto observando aquelas formas microscópicas de flocos de neve. Ouvindo o comecinho de Under The Bridge, dos Chili Peppers. Visitando a coleção de carangos do Jay Leno. O hobby de estudar a mecânica das intrigas de um salão vitoriano durante os passos da valsa é mais crucial à condição humana que desembestar engajadamente pela estrada afora para entupir com rolhas king size - eu disse rolHas - o fiofó de vaquinhas e assim evitar que as emissões de bufa das mimosas agravem o aquecimento global.

E vou vivendo, tem gente que é útil e está morrendo. E então, vamos de screwball com o Cary Grant ou de documentário sobre cambalachos da indústria petrolífera? Ou, como diria uma buarquiana, depende do momento?

Arca de Noé, design inteligente, boitatá, perna cabeluda, Área 51, Valhala, Shangri-La, Atlântida, Avalon, gene egoísta, exu Caveira, estigmatas, flogisto, horóscopo, luta de classes, chupa-cabra, Amway, Ganesha, fantasma do Lombardi, teoria unificadora, talismã, pote de ouro no fim do arco-íris, conspiração sionista, malthusianismo, confucionismo, niilismo, estrabismo, Gran Turismo, cartilagem de tubarão, fractais, Uri Geller, Harry Potter, Avatar, baú do pirata Alma Negra, mão invisível do mercado. Devidamente embrulhados para presente. Escolham seu(s) favorito(s).

Símbolos. Muletas. Escapismo. Uma noção de ordem ou uma quebra de norma. Fantasia metódica. Delírio calculado. Nefelibatismo ensaiado. Mentirinhas brancas que apaziguam e entretêm. Credo quia absurdum.

Castelos no ar. Sempre haverá arquitetos para planejá-los. Ei, você: alguns dos que enfeitam sua existência, trazem coisas de magia, sei lá, à sua vida, talvez sejam do tipo que eu adoraria demolir. **CRAS!**. Elementar, meu caro.