sexta-feira, 30 de novembro de 2012

Sobre a elipse

Sobre a elipse A elipse é um conjunto de pontos que, supondo-o fora da origem O (0, 0) do plano cartesiano, com os focos paralelos ao eixo das abscissas e de centro C (x0, y0), é definido pela equação:

(x - x0 + (y - y0 = 1

De um artigo da nossa volúvel Wikipédia:

"A elipse tem a propriedade de que a bissetriz do ângulo formado pelos dois focos e por um ponto qualquer da elipse (como vértice) é perpendicular à tangente à elipse nesse ponto.

Como consequência, qualquer raio luminoso ou onda sonora, que parta de um dos focos, será refletido pela elipse na direção do outro foco.

[...] No Capitólio dos Estados Unidos há uma sala elíptica onde a propriedade refletora teria sido usada pelo presidente John Quincy Adams para escutar conversas que decorriam do outro lado da sala."

Mas não é dessa elipse que quero falar, a da geometria. E sim da figura de estilo. O subentendido. A omissão trabalhada. A supressão criativa. A lacuna que instiga o espectador.

Topamos diariamente com criaturas e assuntos que nos incomodam por seu teor explícito, sua crueza, indiscrição e falta de modos. Discussões exaltadas sobre saneamento básico ou reforma tributária, os desocupados do Occupy e sua fúria sólida que se desmancha no ar, as gravatas de Silas Malafaia, o cabelo pedreiro hipster do Neymar, tráfego congestionado às 07:30 da manhã, documentários sobre a Libéria ou o massacre de Srebrenica, dialetos bárbaros como juridiquês e economês, socialite de nome Valdirene. E chega.

É em oposição a essa overdose de realidade que chamo atenção agora para: a insinuação, a sugestão, a indireta, a abordagem oblíqua, o vago, as entrelinhas, o ambíguo. A habilidade de dizer sem dizer. Foi pensando nisso que reuni aqui exemplos de uso dos vários tipos de discurso elíptico. Vamos a eles.

I) O dramaturgo grego Aristófanes (446-386) era o rei da sátira, o original troll. Debochava dos moralistas e dos libertinos, dos pacifistas e dos belicosos, dos críticos e da plateia. Há uma peça dele, A Assembleia Das Mulheres, que se destaca pelo visionário caráter distópico. Trata-se de uma história sobre as trapalhadas e os impasses advindos da tentativa de implantação de uma quimera igualitária, ideias de jerico que buscavam eliminar diversas formas de desigualdade. Alguns trechos:

"Não esqueçam nossa combinação: não devemos deixar os homens perceberem nada de feminino em nós, principalmente qualquer parte de nosso corpo! Estaríamos fritas se, no meio de tanto homem, alguma de nós cruzasse graciosamente as pernas, mostrando a... diferença!"

"- As mulheres serão comuns a todos os homens; cada um poderá ir com qualquer uma e ter filhos com quem quiser.
- E qual o meio de evitar que todos os homens queiram a mais bonita e tentem papá-la?
- As feias e mal acabadas ficarão ao lado das mais bonitas e quem quiser as bonitonas terá que satisfazer primeiro as feiosas.
- (com ar desconsolado) E nós, os velhotes, como nos arranjaremos? Se tivermos de 'traçar' primeiro as feias o nosso... entusiasmo murchará e como é que vamos dar conta das bonitonas?"

"De acordo com o decreto, os primeiros a provar os brotinhos serão os velhotes e feiosos; enquanto nós executamos o trabalho com os brotos vocês ficarão de mão no... queixo, esperando pacientemente".

"Um Rapaz - (suspirando aliviado, dirigindo-se à moça) Muito obrigado! Você me prestou um valioso serviço! Você terá todo o meu reconhecimento, que não é pequeno!"


II) The Dean Martin Show - título depois mudado para The Dean Martin Celebrity Roast - era um programa exibido pela rede NBC. Gravado em um salão de buffet em Las Vegas, cidade proibida, resultava numa legítima arena da comédia de insulto. Na edição de 18 de outubro de 1973, a vítim, er, homenageada foi a grande Bette Davis, que tomou alfinetadas certeiras de amigos da onça como Vincent Price e Henry Fonda. Algumas das pérolas:

"After several meetings he [Jack Warner] sent Bette for her first test. The result was positive and they named the kid Jack Junior."

"You know, Bette has always suffered in every picture she has ever made. When I appeared with her in 'Elizabeth And Essex' she gave up her beauty. In 'Dark Victory' she gave up her eyesight. And in 'The Virgin Queen'..."

"But there's still a very bright future for Miss Davis. Because with the advent of television a whole new field of unemployment is opening up for her."

"Here's a telegram I forgot to read before. It's from the National Association of Tobacco Manufacturers: 'Dear Miss Davis, we want to thank you for promoting the use of cigarettes in your films. No other actress swings her butt the way you do.'"
[trocadilho intraduzível entre butt = "bituca; cigarro" e butt = "bunda"]

"A star is a lady who gets some million dollars for doing on the screen - as you well know, Dean - what certain other ladies get only 20 dollars."

O curioso é que no final do evento o saco de panc, ops, convidado ia ao púlpito e devolvia as farpas. Na inesquecível e imponente voz com sotaque de Massachusetts, ela declarou o seguinte de um dos participantes da mesa, o humorista negro Nipsey Russell:

"I want to thank Nipsey Russell for being here. Nipsey is one of our great civil rights leaders. As a matter of fact, Stepin Fetchit once called Nipsey an 'Uncle Tom'."

III) Este vídeo. E me refiro estritamente às imagens. Experimentem assistir com o som desligado. É praticamente um herdeiro da escola Tex Avery de innuendo sacana desenhado.


IV) Um colega meu da época da faculdade, um dos sujeitos mais inteligentes e engraçados que conheço, estava numa fase barra pesada do mestrado e resolveu desabafar, meio em tom de piada, com o orientador:

- Não dá mais, Lino, é muita pressão. Vou largar tudo e montar uma barraquinha de comida típica.

- Que situação difícil, rapaz. Isso vai ser chato para sua família. Já tem aquela sua irmã que é atriz de teatro, né?


* * *

E concluo deixando a modesta proposta: da próxima vez que escreverem algo, deem uma chance à elipse.