sábado, 31 de agosto de 2013

Gillray e Lene em 1996

Amanhã completarei 1 ano de blogspot. Print do último post na antiga casa aqui.

Depois de tanto tempo publicando, é inevitável que surjam perguntas, Quem te inspirou?, Quais são tuas influências?

Vou mencionar uma tremenda influência do mundo das imagens, e não das letras: o grande caricaturista britânico James Gillray (1757-1815).

A obra-prima a seguir, The Zenith Of French Glory - The Pinnacle Of Liberty (cliquem nela com o botão direito e abram uma nova aba):



Vi-a pela primeira vez em um livro de História na biblioteca pública Menezes Pimentel. Eu tinha 13 anos e pensei, Uau!, quando eu crescer quero escrever que nem esse sujeito. Sim, escrever. Expressar com palavras o que aquele inglês gaiato expressava com figuras. Eu estava sob o impacto de um recente fato que me levara a investir seriamente na vaidade autoral.

Para pessoas irritadiças e antipáticas como eu, esse negócio de senso de humor é muito mais que uma ferramenta de linguagem, é questão de sobrevivência, o necessário contrapeso, o paradoxo fundamental. Permitam-me uma divagação. Perto do meu trabalho há um desses performáticos da modalidade estátua viva, o corpo pintado, de sunga, com óculos escuros e coroa de louros de papel alumínio. Funcionários de um comércio próximo apelidaram-no de "o Jean Wyllys prateado". Pois colegas meus do escritório, intrigados com minha fachada diária de impassibilidade, inventaram um papo de que "o Silvio tem um jeito muito frio, parece uma estátua... não, já sei: parece o Jean Wyllys prateado ali da esquina, hihihi". Na verdade, estou quase sempre é no limite da paciência, de sofrer um acesso de fúria no meio do expediente ou do trânsito. É a vocação para fazer piada que me salva de tal desfecho.

Falei que tinha 13 de idade. Foi em 1996. Aconteceu na escola um concurso de redação. O tema, as Olimpíadas de Atlanta. Eu próprio fiquei surpreso quando me anunciaram como vencedor. Por negligência ao longo dos anos, terminou desaparecido o manuscrito desse texto, produção adolescente em que me atrevi a incluir trechos que zombavam do mascote Izzy e da delegação brasileira. Ainda guardo a medalhinha que ganhei, a qual foi entregue a mim em uma cerimônia estapafúrdia ao som de Reach, da cubanita Gloria Estefan. Posei para foto levando na bochecha um beijo tristemente burocrático da linda menina que fora eleita rainha da feira cultural. Foi após esse fato que comecei a investir seriamente no exercício da escrita.

E é impossível, num post que trata de 1996 e de cartoons, que eu não me lembre agora do Waldemar Lene. Por dois motivos, número um porque foi em 1996 que se iniciou nossa amizade, número dois porque ele é um talentoso desenhista. Cursávamos a 7ª série. Ele acabara de se mudar de Recife para Fortaleza. Ele era magro, de barba indecisa, rosto lutando contra acne, sotaque de Alceu Valença e os olhos verdes que dizem ser herança dos holandeses, os invasores que no século XVII desembarcaram com Maurício de Nassau na capital pernambucana. Recordo nossas dilatadas conversas pretensamente nerds, em que palpitávamos sobre assuntos como os sistemas de polias, os mistérios matemáticos do papiro Rhind, a experiência química de misturar Coca-Cola com Mentos hortelã e a origem extraterrestre das mitocôndrias.

O calendário, implacável, continuou sua marcha. O colégio em que estudávamos não existe mais. O Lene se formou em Medicina. Conseguimos a façanha de manter contato até hoje. Ele possui um perfil no deviantART. Visitem o acervo de ilustrações do cara. Ele merece.