sábado, 22 de novembro de 2008

Esquadrão Supernanny

Há um bairro aqui da cidade, cujo nome não merece ser escrito, em que o bicho tá pegando, a chapa esquentando e a jiripoca piando. Tudo por causa da intensificação de atividades dos businessmen e self-made mendo ramo especializado nos produtos não-legalizados apreciados pela Amy Winehouse, pelo treinador Maradona e pelo ator Fábio Assunção.

Minha vizinhança não é flor que se cheire nem se regue. Mas a mencionada região, que anda fervendo de aventuras, já está virando é uma selva de plantas carnívoras gigantes, aquelas de cine monstro.

Novamente, veio à tona a problemática, ainda sem solucionática, que envolve os moradores mais jovens dessas áreas de risco. A didática e eletrizante matéria:

http://diariodonordeste.globo.com/materia.asp?codigo=580459

(Viram isso? O que esperar de um lugarejo por onde quinquagenárias circulam com blusinha pink da Sapeka =^;^= Modas sem que o Centro de Controle de Zoonozes ou o hospital psiquiátrico Mira y Lopez tome providências? E esse policial fotografado, hein? Parece a babá do desenho dos Muppet Babies. Mas voltando à vaca fria:)

Olho para o registro dessa brutalidade cor vermelho-sangue e penso se ela é um morango aqui doNordeste. O cidadão comum só conta com os folhetos de São Judas Tadeu na carteira e um boné da Apavv para se proteger do Leão da criminalidade. Gosto tanto de você, Leãozinho, que às vezes no silêncio da noite eu fico imaginando nós dois, você esquartejado e eu traçando sua carne com feijão e arroz. Prezada mãezinha, você que chorando estará ao lembrar de um amor que um dia não soube cuidar, caso seja alfabetizada, deixo-lhe um recado amigo. Que em meio a essa crise financeira internacional pelo menos as funerárias aí das redondezas turbinem os negócios.

Em certo momento, de acordo com o jornal, ela diz: "Pelo amor de Deus, façam alguma coisa por nós, mães do S.M. Estamos perdendo nossos filhos!"

Acho que não captei a vossa mensagem. Como assim? Espécimes semelhantes a seu finado rebento nóia, de conduta mais torta que a boca da Patrícia Saboya e criados pelas que os pariram como se fossem peraltinhas trajando calção curto, camisetinha dos Bananas de Pijamas e bonezinho de hélice, e apenas recebendo repreensõezinhas "Ronivalter, seu peste, tu tá usando droga! Não vai ganhar o sorvete de pitomba da sobremesa!"? A senhora é uma fanfarrona, Dona Suburbana. No que dependeu dos próprios que o puseram no mundo, ele converteu-se em outro Pixote que consome crack, prende a fumaça num coito interrompido, depois extravasa, libera e joga tudo pro ar. Tia, dada sua inépcia como tutora, só lhe resta aguardar uma força-tarefa, no melhor estilo Tropa de Elite osso duro de roer, com atribuições de Supernanny. A milícia vai às sarjetas e aos moquiços, dá broncas e conselhos, subtrai os cachimbos, cigarrinhos do capeta e revólveres da molecada. Além de distribuir cartilhas de conscientização protagonizadas pela Turma da Mônica. Lespeite as leglas com o Cebolinha. A ressocialização como prioridade, violência não.

Vou preparar uns slides e o Datashow para ver se me faço entender. Acompanhem o pontinho laser, por favor.

Na minha época de petiz entusiasta de mingau Cremogema, os traquinas não eram tratados a pão-de-ló. Não, senhor. O repertório punitivo para pôr os pirralhos-encrenca nos eixos era eclético. Palmadas, cinturõezadas, cordadas, bordunadas, catiripapos, cascudos, beliscões, chineladas (particularmente insuportáveis durante o período Rider), ajoelhar-se no milho ou nas tampinhas de refrigerante emborcadas, ser trancafiado na despensa ou marcado com ferro em brasa, voadoras (influência dos filmes de kickboxer), telefones, estrangulamento, corredor polonês de chulipas ou de sabacus, choques elétricos. Técnicas sofisticadas consistiam em torturar o pequeno infame mentindo que, na madrugada, o cramulhão do filme A Lenda, a zebrinha do Fantástico, a negrinha da lata de óleo Pajeú ou o Irapuan Lima viria puxar o pé dele na cama, se ele não se comportasse e parasse de malinagem. Crescemos e aprendemos a obedecer a limites através de uma das raras linguagens que nosso gelatinoso cerebrozinho rústico àquela idade compreendia: a pancada. A lição do hematoma. Um pouco como cães de Pavlov. Porém, existia - e existe - o partido da oposição, com fortes críticas a esses métodos corretivos e uma incansável propensão ao perdão. Nessa homeopatia educacional, os pivetes podem dar vazão a seu lirismo, desabafar sobre o que lhes aflige e expressar os sentimentos que os levaram a pichar muro, a destruir patrimônio do colégio, a quebrar vidraça com baladeira, a surrupiar pêra, jambo, kiwi de pomar, a misturar cocaína na Maizena e a amarrar bomba rasga-lata na cauda do gato angorá.

Diante da belicosa situação do desastrado bairro, as autoridades, como de praxe, prometem tomar uma atitude e tomar DanUp. Tão perto das lendas, tão longe do fim. Como dizem as blogueiras adolescentes senis, falar é fácil, extremamente fácil, pra você, e eu e todo mundo cantar junto.

sábado, 15 de novembro de 2008

Bienal do livro

Na quarta-feira, 12 de novembro, começou a 8ª Bienal Internacional do Livro do Ceará, cujo tema é A aventura cultural da mestiçagem. Senta que lá vem história.

Numa idade em que a gente faz rematadas besteiras, tipo se apaixonar por uma coleguinha fã de Zezé di Camargo & Luciano, colocar nome e RG em abaixo-assinados, usar cordão neo-hippie de contas do tamanho das antigas bolinhas de mouse e ler Rachel de Queiroz, eu freqüentava bienais do livro. Mea maxima culpa. Mas poderia ser pior. Pelo menos nunca fui a uma edição do Cine Ceará, ver trocentos filmes sobre jangadeiro e muié rendeira.

A festinha literária do presente ano tem goiabada, marmelada, Teatro Mágico e João Pedro Stedile. De velhos carnavais, lembro que vi a senadora Boca de Sovaco e o governador Pato Rouco sob uma saraivada de flashes e com as mãos abarrotadas de livros recém-comprados, que provavelmente jamais seriam lidos na íntegra, pois eles são bastante ocupados e tal e cousa.Houve o dia da palestra com o fóssil ambulante Ariano Suassuna, em que um pessoal da platéia gritava "Viva a resistência iraquiana!".E, falando no véi armorial, não existe um órgão de defesa do consumidor nesse mundão de Deus que devolva meus momentos gastos com as páginas da bobagenta Pedra Do Reino. Tempo que daria tranqüilo para assistir ao punhado de episódios de Prison Break que tenho na minha fila de pendências. Mas divago. Houve ainda outra palestra, com um chileno bigodudo, gordo e careca, cercado de convidados chiques tomando cappuccino e debatendo a complexidade e a beleza do realismo mágico. Havia também excursões de agitados pimpolhos de escolas públicas, matilhas fardadas de catarrentos ruidosos sem coleira nem focinheira, nos rostos deles eu via futuros frentistas, vendedores de loja do Centro, motoristas de caminhão da Ecofor e alunos da Faculdade Universo do Saber (Facus). Os maiorezinhos mostravam-se deveras interessados. Em paqueras e em trocas de olhares. Houve uma conversa com o prestativo Pasquale Cipro Neto, que aplacou nossas angústias vernáculas ao explicar a diferença entre música e musicista.Houve um sarau com um poeta chamado Chacal (rima involuntária), no qual ele declamava, rodeado por uma fumaça mais suspeita que Opala preto,seus poemas realmente underground e subversivos. A molecada adorou, como de costume. Muitos uhuuu na ocasião. Houve um show de encerramento com o transcedente e hipermoderno Jorge Mautner. Intrigava-me com o nonsense dos cosplayers no espaço RPG. Houve uma horda de metaleiros - coturnos, camisetas de bandas finlandesas, vastas barbas e cabeleiras, tatuagens em panturrilhas - numa roda de discussão sobre livros de wicca. Havia o pavilhão das publicações evangélicas, com adesivos do Smilingüido por todos os lados. E o que há sempre: garotas sem peito e sem bunda de sarongue resvalando pelos calcanhares - estudantes de Letras, de Pedagogia, de História - e que amam dizer o quanto odeiam TV, senhores com óculos fundo-de-garrafa e aspecto de portador de doença mental e grande predileção por biografias, riquinhos de sobrenome famoso trocando sutis cotoveladas e caneladas para ver quem aparece com mais destaque e mais pose de elite culta em foto para a coluna social do Lúcio Brasileiro.

Acertaram e vão ganhar uma ruma de Halls preto aqueles que pensaram na comunidade  orkutiana 'Meu passado me condena'.

Numa das últimas visitas, adquiri um folheto de cordel intitulado O Verdadeiro ABC Dos Cornos. Compartilho-o, verso a verso, aqui.

sexta-feira, 7 de novembro de 2008

MIJO-GR

Outro dia, estava eu numa lanchonete, conversando com a costumeira turma. Em pauta, o remake do seriado Barrados No Baile, mais uma etapa do ensaio para engatar uma volta dos que não foram - versão 90s. O pessoal de maior quilometragem começamos, jocosamente, a exumar tralhas e epidemias induzidas dos early noventa e adjacências. Desfilaram pela mesa de plástico em torno da qual nos reuníamos a Família Dinossauros, o francesinho Jordy, MC Hammer e suas ofuscantes calças, o funk da Paula, o axé do Rala o Pinto, cólera - a peste da moda -, a novelinha mexicana Carrossel, bicicletas Caloi, HQ d'O Pequeno Ninja, competições de desconta-lá ou de carimba no recreio, mola maluca descendo escadaria, vôo de pirocópteros (nome infeliz) no meio da aula de redação, mousse de baunilha ou gelatina do Bocão na merenda, adolescentes sofrendo de paixonite aguda e circunflexa pela cantora Patrícia, garotas com fixação pelo cubano Jon Secada, Olimpíadas de Barcelona, as coletâneas de Miami bass da Turma do Circuito, conflitos na Bósnia, Eco-92, o caso da carecuda Sinéad O'Connor com a foto de João Paulo II, ensandecidas tietes com bandana do Raça Negra, grunges tresandando a mofo, Thelma & Louise, Instinto Selvagem, Sérgio Mallandro e o quadro da Porta dos Desesperados, assistir escondido ao Cocktail, os bate-estaca e as baladinhas de Eurodance, as punhaladas sem dó na Daniela Perez, o confisco do Collor, os caras-pintadas.

E aqui vai um episódio especial sobre a malta jacobina da cara rabiscada. Cuidado com o "especial", pois não é fato que crianças com síndrome de Down também são designadas pelo termo?

Naquela galáxia distante, minha identidade resumia-se à de um pirralho com idade ainda aquém da casa dos dois dígitos. Meu pai trabalhava em um escritório no Centro, ali na rua Liberato Barroso. Às vezes eu o acompanhava, no intuito de brincar em algum computador 486 DX2.

Meu velho deixava a belina azul em um estacionamento e, para chegar ao cenário de labuta, atravessava a praça José de Alencar. Certa feita, íamos Bob Pai & Bob Filho pela praça nossa. Um aglomerado carnavalesco de afetados pela doença da face manchada confraternizava no local. Uma histeria coletiva.

O redondo Winston Churchill, vendo a cavilação de tinta nos rostos bufões, provavelmente repetiria a preciosidade que disparou ao mirar uma pintura de sua bretã carcaça: "Trata-se de um notável exemplo de arte moderna." Na ocasião, não foi exatamente um elogio. Os piolhentos festivos assemelhavam-se às hordas de zumbis de filme do George Romero. Aliás, até a ideologia desses vida de gado é um defunto que não sabe que morreu, roído pelos vermes do equívoco e da superficialidade. Um papo mais furado que o crânio da Eloá. Eles não mancavam tartamudeando "Brain, brain". Pulavam zurrando criativos "Abaixo a corrupção""Fora Collor", reforçados por arsenais sonoros pedestres ou motorizados que explodiam Geraldo Vandré e Olodum. Ao aproximar-me de uma das fontes de vibrações, meu corpo franzino atuou durante uns 20 segundos como uma caixa de ressonância. É a agremiação MIJO-GR: Movimento Infanto-Juvenil Organizado George Romero. Lutando por ideais decrépitos e putrefatos. Preparem o formol que a milícia vem aí.

Já pensaram como deve ter sido a gênese do furacão contestatório (jargão de William Bonner) mascarado de guache que assolou o recente passado do país? Observem o grupinho no shopping, composto por fãs de Barrados No Baile e do Programa Livre. No McDonald's, eles discutem uma questão essencial. Entre bonés virados para trás, moletons amarrados na cintura, jeans estrategicamente rasgados no joelho com facas Ginsu, cravos e espinhas, estouros de bolas de chiclete, goles de Sukita, agendinhas com cadeado, livros de Martelo Enrabens Palha e de Ana Cretina Celsius, camisetas do Nirvana, tênis M2000 ou Regazone e sandálias Melissinha, surge uma indagação excruciante, do calibre do ser-ou-não-ser: "Como curar nosso tédio, pô?" E eles haviam tentado muito. Horas e demoras em lojas de roupa, fumar baseados, esfregar-se nas empregadas domésticas, pegas de Uno Mille, dezenas de fichas torradas no fliperama do Streets Of Rage, radicalizar de skate. Um integrante do bando sugere, não sem acanhamento, que eles lancem um novo conceito (by estilista gay (redundante?)) para as tais passeatas, cujos amontoados de gente lembravam um show do Guns N' Roses. Existiria sempre a possibilidade de conhecer umas gatinhas e de pirar no lança-perfume, além da chance de pôr em prática as dicas do professor de Geografia "não só para a escola, mas para a vida". O resto é História.

Uma das grandes frases que sintetizam o período veio do meu engravatado papai:

"Perdôo esses meninos por serem cachaceiros, maria-vai-com-as-outras, nulidades de melhoria e politicamente analfabetos, mas fica difícil trabalhar sob barulho infernal, P*RR#!"

Dei uma risada, enquanto jogava Winmine.