domingo, 29 de novembro de 2015

A era dos impérios

Trechos de A Era Dos Impérios (1987), de Eric Hobsbawm.


Não são apenas os poucos indivíduos ainda vivos com uma vinculação direta aos anos anteriores a 1914 que enfrentam o problema de como olhar a paisagem de sua zona nebulosa particular, mas também, de modo mais impessoal, todos os que vivem no mundo da década de 1980, na medida em que sua forma foi moldada pela era que nos levou à Primeira Guerra Mundial. Não quero dizer que o passado mais remoto não tenha significado para nós, mas que suas relações conosco são diferentes.

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A necessidade de algum tipo de perspectiva histórica é ainda mais urgente pelo fato de as pessoas do final do século XX ainda estarem, de fato, apaixonadamente envolvidas com o período que se encerrou em 1914, provavelmente porque agosto de 1914 é uma das "rupturas naturais" mais inegáveis da história. Foi sentido como o fim de uma era em seu tempo, e ainda o é. É bem possível rebater essa opinião insistindo-se na continuidade e nas situações inconclusas que se prolongaram através dos anos da Primeira Guerra Mundial. Afinal, a história não é como uma linha de ônibus em que todos - passageiros, motorista e cobrador - são substituídos quando chega ao ponto final. Não obstante, se há datas que obedecem a algo mais que à necessidade de periodização, agosto de 1914 é uma delas: foi considerada o marco do fim do mundo feito por e para a burguesia. Assinala o fim do "longo século XIX" com o qual os historiadores aprenderam a trabalhar.

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[...] autores ainda mais nostálgicos, porém intelectualmente mais sofisticados, que esperam provar que o paraíso perdido poderia não ter sido perdido, se não fosse por erros evitáveis ou acidentes impossíveis de prever, sem os quais não teria havido Guerra Mundial, Revolução Russa ou qualquer dos acontecimentos considerados responsáveis pela perda do mundo anterior a 1914.

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De meados dos anos 1890 à Grande Guerra, a orquestra econômica mundial tocou no tom maior da prosperidade, ao invés de, como até então, no tom menor da depressão. A afluência, baseada no boom econômico, constituía o pano de fundo do que ainda é conhecido no continente europeu como "a bela época" (belle époque).

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As economias modernas amplamente controladas, organizadas e dominadas pelo Estado foram produto da Primeira Guerra Mundial. Entre 1875 e 1914, a parcela dos crescentes produtos nacionais que os gastos públicos consumiam na maioria dos países líderes tendeu a se reduzir: e isto apesar do acentuado aumento dos gastos com os preparativos para a guerra.

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Deflagrada a guerra de 1914, o ministro do Interior francês nem se deu ao trabalho de mandar prender os revolucionários (principalmente anarquistas e anarcosindicalistas) e subversivos antimilitaristas tidos como perigosos para o Estado, embora a polícia houvesse, desde longa data, compilado uma lista precisamente com essa finalidade.

Se, contudo, a sociedade burguesa como um todo não se sentia ainda imediata e gravemente ameaçada (contrariamente ao que sucedeu nas décadas subsequentes a 1917), tampouco seus valores do século XIX e suas expectativas históricas haviam sido irremediavelmente solapados. Esperava-se que o comportamento civilizado, o império da lei e as instituições liberais levassem avante seu progresso secular. Restava ainda muita barbárie, especialmente (segundo os "respeitáveis") entre as ordens inferiores e, é claro, entre povos "não civilizados", mas felizmente já colonizados. Havia ainda Estados, mesmo na Europa, como o Império Otomano e o Czarista, onde bruxuleavam ou nem mesmo se acendiam as velas da razão. Todavia, os próprios escândalos que convulsionavam a opinião nacional e internacional indicavam quanto eram elevadas as expectativas de civilidade, no mundo burguês, em tempos de paz: Dreyfus; Ferrer; Zabern. Nós, situados em finais do século XX, podemos apenas considerar com melancólica incredulidade um período em que massacres, tais como os que diariamente ocorrem no mundo atual, eram tidos como monopólio de turcos e tribos selvagens.

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Embora os contemporâneos não soubessem o que viria depois, sentiam frequentemente, nesses últimos tempos que precederam a guerra, a sensação de que a terra tremia como sob os choques sísmicos que precedem os terremotos. Esses foram anos em que, sobre os hotéis Ritz e as casas de campo, pairavam no ar prenúncios de violência. Sublinhavam a instabilidade e a fragilidade da ordem política da belle époque.

Não os superestimemos tampouco. No que diz respeito aos países do âmago da sociedade burguesa, o que destruiu a estabilidade da belle époque, inclusive a sua paz, foi a situação da Rússia, do Império Habsburgo e dos Bálcãs, e não a da Europa ocidental ou mesmo a da Alemanha.

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É absolutamente inegável que a guerra de 1914, ao ser deflagrada, produziu explosões genuínas, embora curtas, de patriotismo de massas, nos principais países beligerantes. E nos Estados multinacionais, os movimentos operários organizados em toda a extensão do Estado lutaram e foram derrotados, numa ação de retaguarda contra a própria desintegração em movimentos separados, baseada nos operários de cada uma das nacionalidades. O movimento trabalhista e socialista do Império Habsburgo, portanto, desmoronou antes que o próprio império o fizesse.

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A propaganda doméstica de todos os beligerantes, com respeito à política de massas, demonstra em 1914 que o assunto a ser sublinhado não era a glória nem a conquista, mas o de "nós" sermos vítimas de agressão, ou de política agressiva, o de "eles" representarem uma ameaça mortal aos valores da liberdade e da civilização que "nós" representamos.

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As massas alemãs, francesas e inglesas, ao marchar para a guerra em 1914, o fizeram não como guerreiros e aventureiros, mas como cidadãos e civis. E este mesmo fato que, para governos que operam em sociedades democráticas, demonstra a necessidade do patriotismo e igualmente a sua força. Apenas o sentimento de que a causa do Estado era genuinamente a sua, poderia mobilizar com eficácia as massas: e em 1914 os ingleses, franceses e alemães sentiam isso. As massas permaneceram mobilizadas até que três anos de massacres sem paralelos e o exemplo da revolução na Rússia lhes ensinaram que haviam estado enganadas.

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Antes de 1914 a paz era o quadro normal e esperado das vidas europeias. Desde 1815 não houvera nenhuma guerra envolvendo as potências europeias. Desde 1871, nenhuma nação europeia ordenara a seus homens em armas que atirassem nos de qualquer outra nação similar. As grandes potências escolhiam suas vítimas no mundo fraco e não-europeu, embora às vezes calculassem mal a resistência de seus adversários: os boers deram aos britânicos muito mais trabalho que o esperado e os japoneses conquistaram seu lugar entre as grandes nações ao derrotar a Rússia em 1904-1905, surpreendentemente com poucos transtornos.

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A possibilidade de uma guerra generalizada na Europa fora, é claro, prevista, e preocupava não apenas os governos e as administrações, como também um público mais amplo. A partir do início da década de 1870, a ficção e a futurologia produziram, sobretudo na Grã-Bretanha e na França, sketches, geralmente não realistas, sobre uma futura guerra. Na década de 1880, Friedrich Engels já analisava as probabilidades de uma guerra mundial, enquanto o filósofo Nietzsche, louca porém profeticamente, saudou a militarização crescente da Europa e predisse uma guerra que "diria sim ao animal bárbaro, ou mesmo selvagem, que existe entre nós".

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E contudo sua deflagração não era realmente esperada. Nem durante os últimos dias da crise internacional - já irreversível - de julho de 1914, os estadistas, dando os passos fatais, acreditavam que realmente estivessem dando início a uma guerra mundial. Uma fórmula seria com certeza encontrada, como tantas vezes no passado. Os que se opunham à guerra também não podiam acreditar que a catástrofe há tanto tempo predita por eles chegara.

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Após a catástrofe maciça de 1914 e cada vez mais, os métodos da barbárie se tornaram parte integrante e esperada do mundo civilizado, tanto que encobriram os avanços contínuos e notáveis da tecnologia e da capacidade humana de produzir e inclusive as inegáveis melhorias na organização social humana em muitos lugares do mundo [...]. Mesmo se europeus morreram e fugiram aos milhões, os sobreviventes estavam se tornando mais numerosos, mais altos, mais sadios e viviam mais tempo. A maioria vivia melhor. Mas os motivos por que perdemos o hábito de pensar em nossa história como progresso são óbvios.

domingo, 22 de novembro de 2015

Desilusão

Trechos de A Desilusão Causada Pela Guerra (1915), de Sigmund Freud.


Apanhados no torvelinho desse tempo de guerra, informados de maneira unilateral, sem distanciamento das grandes mudanças que já ocorreram ou estão para ocorrer e sem noção do futuro que se configura, ficamos nós mesmos perdidos quanto ao significado das impressões que se abalam sobre nós e quanto ao valor dos julgamentos que formamos. Quer nos parecer que jamais um acontecimento destruiu tantos bens preciosos da humanidade, jamais confundiu tantas inteligências das mais lúcidas e degradou tão radicalmente o que era elevado. Até mesmo a ciência perdeu sua desapaixonada imparcialidade; profundamente exasperados, seus servidores buscam extrair-lhe armas, para dar contribuição à luta contra os inimigos. O antropólogo tem que declarar o adversário um ser inferior e degenerado, o psiquiatra tem que diagnosticar nele uma perturbação espiritual ou psíquica. Mas provavelmente sentimos o mal desse tempo com intensidade desmedida, não tendo o direito de compará-lo com aquele de tempos que não vivenciamos.

O indivíduo que não se tornou um combatente e, portanto, uma partícula da enorme máquina da guerra, sente-se perplexo quanto à sua orientação e inibido em sua capacidade de realização.

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Entre os fatores responsáveis pela miséria psíquica dos não combatentes, contra os quais é tão difícil eles lutarem, gostaria de destacar dois e de abordá-los aqui. Eles são: a desilusão provocada pela guerra e a diferente atitude ante a morte, à qual ela - como todas as guerras - nos obrigou.

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Estávamos então preparados para ver que ainda por longo tempo a humanidade estaria às voltas com guerras entre os povos primitivos e os civilizados, entre as raças que estão separadas pela cor da pele, e mesmo guerras contra ou em meio a nacionalidades europeias que pouco se desenvolveram ou que retrocederam culturalmente. Mas nós nos permitíamos outras esperanças. Esperávamos, das nações de raça branca que dominam o mundo, às quais coube a condução do gênero humano, sabidamente empenhadas no cultivo de interesses mundiais, e cujas criações incluem tanto os progressos técnicos no domínio da natureza como os valores culturais artísticos e científicos, desses povos esperávamos que soubessem resolver por outras vias as desinteligências e os conflitos de interesses. No interior de cada uma dessas nações haviam se estabelecido elevadas normas morais para o indivíduo, segundo as quais ele devia conformar sua vida, se quisesse fazer parte da comunidade civilizada. Tais prescrições, frequentemente severas demais, exigiam muito dele, uma enorme restrição de si mesmo, uma larga renúncia da satisfação instintual.

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Mesmo os grandes povos, podia-se pensar, haviam adquirido tamanha compreensão pelo que tinham em comum, e tanta tolerância por suas diferenças, que "estrangeiro" e "inimigo" não mais se fundiam numa única noção, como ainda ocorria na Antiguidade clássica.

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Não nos esqueçamos também que todo cidadão civilizado do mundo havia criado para si um "Parnaso" e uma "Escola de Atenas" especiais. Entre os grandes pensadores, poetas e artistas de todas as nações ele havia escolhido aqueles aos quais acreditava dever o melhor que obtivera em termos de fruição e compreensão da vida, e em sua veneração os havia posto junto aos antigos imortais e aos familiares mestres de sua própria língua.

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A fruição da comunidade civilizada era ocasionalmente perturbada por vozes que advertiam que graças a antigas, tradicionais diferenças eram inevitáveis as guerras também entre os membros de tal comunidade. Não queríamos crer nisso, mas como imaginar uma guerra assim, caso ela viesse a ocorrer? Como uma oportunidade para mostrar o progresso no sentimento comunitário dos homens desde a época em que as anfictionias gregas proibiram que qualquer dos Estados pertencentes à liga fosse destruído, que suas oliveiras fossem abatidas e seu suprimento de água cortado. Como um prélio de cavaleiros, que se limitaria a estabelecer a superioridade de uma das partes, evitando ao máximo os sofrimentos maiores, que em nada contribuiriam para a decisão, poupando inteiramente os feridos, que deveriam deixar a luta, e os médicos e enfermeiros dedicados à recuperação daqueles. Naturalmente haveria respeito com a parcela não combatente da população.

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Uma tal guerra ainda comportaria bastantes horrores e coisas difíceis de suportar, mas não perturbaria o desenvolvimento das relações éticas entre esses grandes indivíduos da humanidade, os povos e Estados.

A guerra na qual não queríamos acreditar irrompeu, e trouxe... desilusão. Não é apenas mais sangrenta e devastadora do que guerras anteriores, devido ao poderoso aperfeiçoamento das armas de ataque e de defesa, mas pelo menos tão cruel, amargurada e impiedosa quanto qualquer uma que a precedeu. Ela transgride todos os limites que nos impusemos em tempos de paz, que havíamos chamado de Direito Internacional, não reconhece as prerrogativas dos feridos e dos médicos, a distinção entre a parte pacífica e a parte lutadora da população, nem os direitos de propriedade. Ela derruba o que se interpõe no seu caminho, em fúria cega, como se depois dela não devesse existir nem futuro nem paz entre os homens. Ela destrói todos os laços comunitários entre os povos que combatem uns aos outros, e ameaça deixar um legado de amargura que por longo tempo tornará impossível o restabelecimento dos mesmos.

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E até mesmo uma das grandes nações cultas é universalmente tão pouco estimada que se pode tentar excluí-la da comunidade civilizada por ser "bárbara", embora há muito tenha demonstrado sua valia, por contribuições das mais formidáveis. Vivemos na esperança de que uma historiografia imparcial venha trazer a prova de que justamente essa nação, em cuja língua escrevemos, e para cuja vitória combatem os seres que amamos, tenha sido aquela que menos infringiu as leis da moralidade humana; mas quem pode, em tempos como esses, arvorar-se em juiz da própria causa?

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O cidadão individual pode verificar com horror, nessa guerra, o que eventualmente já lhe ocorria em tempo de paz: que o Estado proíbe ao indivíduo a prática da injustiça, não porque deseje acabar com ela, mas sim monopolizá-la, como fez com o sal e o tabaco.

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Tampouco é de surpreender que o afrouxamento das relações morais entre os "grandes indivíduos" da humanidade tenha tido repercussão na moralidade do indivíduo, pois nossa consciência não é o juiz inflexível pelo qual a têm os mestres da ética, é em sua origem "medo social" e nada mais. Quando a comunidade suspende a recriminação, também cessa a repressão dos apetites maus, e as pessoas cometem atos de crueldade, perfídia, traição e rudeza que pareceriam impossíveis, devido à incompatibilidade com seu grau de civilização.

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Na realidade não existe nenhuma "extirpação" do mal. A investigação psicológica - em sentido mais rigoroso, a psicanalítica - mostra, isto sim, que a essência mais profunda do homem consiste em impulsos instintuais de natureza elementar, que são iguais em todos os indivíduos e que objetivam a satisfação de certas necessidades originais.

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Das discussões precedentes retiramos o consolo de que era injustificada nossa amargura e dolorosa desilusão pela conduta incivilizada de nossos concidadãos do mundo nesta guerra. Fundava-se numa ilusão a que nos havíamos entregado. Na realidade eles não desceram tão baixo como receávamos, porque não tinham se elevado tanto como acreditávamos. O fato de os "grandes indivíduos" humanos, os povos e Estados, terem abandonado entre si as limitações morais, tornou-se para eles uma compreensível instigação a subtrair-se por um momento à duradoura pressão da cultura e permitir temporariamente satisfação a seus instintos refreados.

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A cegueira lógica que essa guerra, como que por magia, produziu justamente em muitos de nossos melhores cidadãos, é portanto um fenômeno secundário, uma consequência da excitação de afetos, destinada, assim esperamos, a desaparecer com ela.

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Tínhamos esperança, é verdade, de que a grande comunidade de interesses gerada pelo comércio e a produção representasse o início de uma tal coação, mas no momento os povos parecem obedecer muito mais a suas paixões do que a seus interesses. No máximo, utilizam-se dos interesses para racionalizar as paixões; colocam à frente os interesses para justificar a satisfação das paixões. Por que os povos-indivíduos de fato se menosprezam, se odeiam, se execram, e isso também em períodos de paz, cada nação fazendo o mesmo, é algo certamente enigmático. Eu não sei o que dizer sobre isso. É como se todas as conquistas morais do indivíduo se apagassem quando se junta um bom número ou mesmo milhões de pessoas, e restassem apenas as atitudes mais primitivas, mais antigas e cruas. Talvez apenas desenvolvimentos por vir possam mudar algo nesse lamentável estado de coisas.


Mais:
http://docs.google.com/file/d/0BxwrrqPyqsnIMVRmQ2dOTXBuemM

domingo, 8 de novembro de 2015

Fighting France

Trechos de Fighting France: From Dunkerque To Belfort (1915), de Edith Wharton.


On the 30th of July, 1914, motoring north from Poitiers, we had lunched somewhere by the roadside under apple-trees on the edge of a field.

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It was sunset when we reached the gates of Paris. Under the heights of St. Cloud and Suresnes the reaches of the Seine trembled with the blue-pink lustre of an early Monet. The Bois lay about us in the stillness of a holiday evening, and the lawns of Bagatelle were as fresh as June.

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The great city, so made for peace and art and all humanest graces, seemed to lie by her river-side like a princess guarded by the watchful giant of the Eiffel Tower.

The next day the air was thundery with rumours. Nobody believed them, everybody repeated them. War? Of course there couldn't be war! The Cabinets, like naughty children, were again dangling their feet over the edge; but the whole incalculable weight of things-as-they-were, of the daily necessary business of living, continued calmly and convincingly to assert itself against the bandying of diplomatic words. Paris went on steadily about her mid-summer business of feeding, dressing, and amusing the great army of tourists who were the only invaders she had seen for nearly half a century.

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[We don't want war] But if war had to come, the country, and every heart in it, was ready.

At the dressmaker's, the next morning, the tired fitters were preparing to leave for their usual holiday. They looked pale and anxious - decidedly, there was a new weight of apprehension in the air. And in the rue Royale, at the corner of the Place de la Concorde, a few people had stopped to look at a little strip of white paper against the wall of the Ministere de la Marine. 'General mobilization' they read - and an armed nation knows what that means. But the group about the paper was small and quiet. Passers by read the notice and went on. There were no cheers, no gesticulations: the dramatic sense of the race had already told them that the event was too great to be dramatized. Like a monstrous landslide it had fallen across the path of an orderly laborious nation, disrupting its routine, annihilating its industries, rending families apart, and burying under a heap of senseless ruin the patiently and painfully wrought machinery of civilization...

That evening, in a restaurant of the rue Royale, we sat at a table in one of the open windows, abreast with the street, and saw the strange new crowds stream by. In an instant we were being shown what mobilization was - a huge break in the normal flow of traffic, like the sudden rupture of a dyke. The street was flooded by the torrent of people sweeping past us to the various railway stations. All were on foot, and carrying their luggage; for since dawn every cab and taxi and motor-omnibus had disappeared. The War Office had thrown out its drag-net and caught them all in. The crowd that passed our window was chiefly composed of conscripts, the mobilisables of the first day, who were on the way to the station accompanied by their families and friends; but among them were little clusters of bewildered tourists, labouring along with bags and bundles, and watching their luggage pushed before them on hand-carts - puzzled inarticulate waifs caught in the cross-tides racing to a maelstrom.

In the restaurant, the befrogged and red-coated band poured out patriotic music, and the intervals between the courses that so few waiters were left to serve were broken by the ever-recurring obligation to stand up for the Marseillaise, to stand up for God Save the King, to stand up for the Russian National Anthem, to stand up again for the Marseillaise. 'Et dire que ce sont des Hongrois qui jouent tout cela!' a humourist remarked from the pavement.

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Meanwhile it was strange to watch the gradual paralysis of the city. As the motors, taxis, cabs and vans had vanished from the streets, so the lively little steamers had left the Seine. The canal-boats too were gone, or lay motionless: loading and unloading had ceased. Every great architectural opening framed an emptiness; all the endless avenues stretched away to desert distances. In the parks and gardens no one raked the paths or trimmed the borders. The fountains slept in their basins, the worried sparrows fluttered unfed, and vague dogs, shaken out of their daily habits, roamed unquietly, looking for familiar eyes. Paris, so intensely conscious yet so strangely entranced, seemed to have had curare injected into all her veins.

The next day - the 2nd of August - from the terrace of the Hôtel de Crillon one looked down on a first faint stir of returning life. Now and then a taxi-cab or a private motor crossed the Place de la Concorde, carrying soldiers to the stations. Other conscripts, in detachments, tramped by on foot with bags and banners. One detachment stopped before the black-veiled statue of Strasbourg and laid a garland at her feet. In ordinary times this demonstration would at once have attracted a crowd; but at the very moment when it might have been expected to provoke a patriotic outburst it excited no more attention than if one of the soldiers had turned aside to give a penny to a beggar. The people crossing the square did not even stop to look. The meaning of this apparent indifference was obvious. When an armed nation mobilizes, everybody is busy, and busy in a definite and pressing way. It is not only the fighters that mobilize: those who stay behind must do the same. For each French household, for each individual man or woman in France, war means a complete reorganization of life. The detachment of conscripts, unnoticed, paid their tribute to the Cause and passed on...

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Italian, Roumanian, South American, North American, each [volunteer] headed by its national flag and hailed with cheering as it passed.

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Yet it was a mixed throng, made up of every class, from the scum of the Exterior Boulevards to the cream of the fashionable restaurants. These people, only two days ago, had been leading a thousand different lives, in indifference or in antagonism to each other, as alien as enemies across a frontier.

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[Martial law] In the first place, foreigners could not remain in France without satisfying the authorities as to their nationality and antecedents; and to do this necessitated repeated ineffective visits to chanceries, consulates and police stations, each too densely thronged with flustered applicants to permit the entrance of one more.

Meanwhile one's money was probable running short, and one must cable or telegraph for more. Ah - but cables and telegrams must be vises too - and even when they were, one got no guarantee that they would be sent!

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Within the first week over two thirds of the shops had closed - the greater number bearing on their shuttered windows the notice 'Pour cause de mobilisation,' which showed that the 'patron' and staff were at the front. But enough remained open to satisfy every ordinary want, and the closing of the others served to prove how much one could do without. Provisions were as cheap and plentiful as ever, though for a while it was easier to buy food than to have it cooked. The restaurants were closing rapidly, and one often had to wander a long way for a meal, and wait a longer time to get it. A few hotels still carried on a halting life, galvanized by an occasional inrush of travel from Belgium and Germany; but most of them had closed or were being hastily transformed into hospitals.

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War, the shrieking fury, had announced herself by a great wave of stillness. Never was desert hush more complete: the silence of a street is always so much deeper than the silence of wood or field.

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Such, after six months of war, are the nights of Paris; the days are less remarkable and less romantic.

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Many shops have reopened, a few theatres are tentatively producing patriotic drama or mixed programmes seasonal with sentiment and mirth, and the cinema again unrolls its eventful kilometres.

For a while, in September and October, the streets were made picturesque by the coming and going of English soldiery, and the aggressive flourish of British military motors. Then the fresh faces and smart uniforms disappeared.

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Men and women with sordid bundles on their backs, shuffling along hesitatingly in their tattered shoes, children dragging at their hands and tired-out babies pressed against their shoulders: the great army of the Refugees.

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What are the Parisians doing meanwhile? For one thing - and the sign is a good one - they are refilling the shops, and especially, of course, the great 'department stores.'

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Day by day the limping figures grow more numerous on the pavement, the pale bandaged heads more frequent in passing carriages. In the stalls at the theatres and concerts there are many uniforms; and their wearers usually have to wait till the hall is emptied before they hobble out on a supporting arm.

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The permission to visit a few ambulances and evacuation hospitals behind the lines gave me, at the end of February, my first sight of War.

At every bridge and railway-crossing a sentinel, standing in the middle of the road with lifted rifle, stopped the motor and examined our papers.

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Along the white road rippling away eastward over the dimpled country the army motors were pouring by in endless lines, broken now and then by the dark mass of a tramping regiment or the clatter of a train of artillery. In the intervals between these waves of military traffic we had the road to ourselves, except for the flashing past of despatch-bearers on motor-cycles and of hideously hooting little motors carrying goggled officers in goatskins and woollen helmets.

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The continual coming and going of alert and busy messengers, the riding up of officers (for some still ride!), the arrival of much-decorated military personages in luxurious motors, the hurrying to and fro of orderlies, the perpetual depleting and refilling of the long rows of grey vans across the square, the movements of Red Cross ambulances and the passing of detachments for the front, all these are sights that the pacific stranger could forever gape at.

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[emblems] The aviator's wings, the motorist's wheel, and many of the newer symbols, are easily recognizable - but there are all the other arms, and the doctors and the stretcher-bearers, the sappers and miners, and heaven knows how many more ramifications of this great host which is really all the nation.

We passed through more deserted villages, with soldiers lounging in the doors where old women should have sat with their distaffs, soldiers watering their horses in the village pond, soldiers cooking over gypsy fires in the farm-yards. In the patches of woodland along the road we came upon more soldiers, cutting down pine saplings, chopping them into even lengths and loading them on hand-carts, with the green boughs piled on top.

The country between Marne and Meuse is one of the regions on which German fury spent itself most bestially during the abominable September days. Half way between Chalons and Sainte Menehould we came on the first evidence of the invasion: the lamentable ruins of the village of Auve.

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We listened for a while to the jingle of telephones, the rat-tat of typewriters, the steady hum of dictation and the coming and going of hurried despatch-bearers and orderlies.

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The cannon were booming without a pause, and seemingly so near that it was bewildering to look out across empty fields at a hillside that seemed like any other. But luckily somebody had a field-glass, and with its help a little corner of the battle of Vauquois was suddenly brought close to us - the rush of French infantry up the slopes, the feathery drift of French gunsmoke lower down, and, high up, on the wooded crest along the sky, the red lightnings and white puffs of the German artillery. Rap, rap, rap, went the answering guns, as the troops swept up and disappeared into the fire-tongued wood; and we stood there dumbfounded at the accident of having stumbled on this visible episode of the great subterranean struggle.

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An orderly went to find the medecin-chef, and we waded after him through the mud to one after another of the cottages in which, with admirable ingenuity, he had managed to create out of next to nothing the indispensable requirements of a second-line ambulance: sterilizing and disinfecting appliances, a bandage-room, a pharmacy, a well-filled wood-shed, and a clean kitchen in which 'tisanes' were brewing over a cheerful fire.

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The church was without aisles, and down the nave stood four rows of wooden cots with brown blankets. In almost every one lay a soldier - the doctor's 'worst cases' - few of them wounded, the greater number stricken with fever, bronchitis, frost-bite, pleurisy, or some other form of trench-sickness too severe to permit of their being carried farther from the front.

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For a while the long Latin cadences sounded on through the church; but presently the cure took up in French the Canticle of the Sacred Heart, composed during the war of 1870, and the little congregation joined their trembling voices in the refrain:

Sauvez, sauvez la France,
Ne l'abandonnez pas!


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Every mile of the struggle has left its ghastly traces. The fields are full of wooden crosses which the ploughshare makes a circuit to avoid.

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Only one conical hill close by showed an odd artificial patterning, like the work of huge ants who had scarred it with criss-cross ridges. We were told that these were French trenches, but they looked much more like the harmless traces of a prehistoric camp.

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The chapel is also a war museum, and everything in it has something to do with the battle that took place among the wheat-fields. The candelabra on the altar are made of 'Seventy-five' shells, the Virgin's halo is composed of radiating bayonets, the walls are intricately adorned with German trophies and French relics, and on the ceiling the cure has had painted a kind of zodiacal chart of the whole region, in which Menil-sur-Belvitte's handful of houses figures as the central orb of the system, and Verdun, Nancy, Metz, and Belfort as its humble satellites.

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We heard the unmistakable Gr-r-r of an aeroplane and saw a Bird of Evil high up against the blue. Snap, snap, snap barked the mitrailleuse on the hill, the soldiers jumped from their wine and strained their eyes through the trees, and the Taube, finding itself the centre of so much attention, turned grey tail and swished away to the concealing clouds.

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Standing up in the car and looking back, we watched the river of war wind toward us. Cavalry, artillery, lancers, infantry, sappers and miners, trench-diggers, roadmakers, stretcher-bearers, they swept on as smoothly as if in holiday order.

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He [Admiral Ronarc'h] had just been distributing decorations to his fusiliers and territorials, and they were marching past him, flags flying and bugles playing.

domingo, 1 de novembro de 2015

A Cripta dos Capuchinhos

Trechos de A Cripta Dos Capuchinhos (1938), de Joseph Roth.


Estávamos nas vésperas da Grande Guerra e dominava então uma onda de arrogância desdenhosa, um reconhecimento frívolo da chamada "decadência", um cansaço um tanto teatral e exagerado, um tédio sem razão. Nessa atmosfera vivi os melhores anos da minha vida.

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Só muito mais tarde, muito tempo depois da Grande Guerra, chamada "Guerra Mundial", justificadamente na minha opinião: e na verdade não por ter sido combatida por todo o mundo, mas por nós todos em consequência dela termos perdido um mundo, o nosso mundo. Só muito mais tarde, portanto, eu veria que até mesmo paisagens, campos, nações, raças, choupanas, cafés, de diferentes espécies e de diferentes proveniências devem se submeter à lei perfeitamente natural de um espírito forte, capaz de trazer o distante para perto, tornar o estrangeiro um parente e unir o que aparentemente se acha disperso.

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Meu primo Joseph Branco e seu amigo o cocheiro Manes Reisiger eram ambos soldados da reserva. Eles também teriam que se alistar. Na noite daquela sexta-feira em que o manifesto do Imperador fora afixado às paredes fui, como de hábito, ao cassino para jantar com os meus amigos do Nono dos Dragões. Não podia compreender o apetite deles, a habitual animação, nem a tola indiferença diante da ordem de marchar para Radziwillow, a nordeste da fronteira russa.

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Vai ser uma grande guerra, longa, e quem de nós três voltará, ninguém pode saber. Pela última vez sento-me aqui ao lado da minha mulher, diante da mesa da ceia de sexta-feira, diante das velas do sabat. Façamos uma digna despedida, meus amigos; tu, Branco, e o senhor! - E para uma despedida realmente digna decidimos, os três, ir ao bar do Jadlowker da fronteira.

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Eu me sentia então igualmente feliz na contemplação da doença que se anunciava pelo mundo, isto é, a Guerra Mundial. Podia também ao mesmo tempo dar curso livre a todos os meus sonhos febris que de outro modo teria reprimido.

Sentia-me tão liberado quanto ameaçado.

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- Agora é a guerra, mamãe - respondi eu - e vim para me despedir de você... E também para me casar com Elisabeth antes de partir.

- Para que casar - perguntou minha mãe -, já que de qualquer modo você tem que partir para a guerra?


Aqui também ela falava como as mães falam. Se ela tinha que deixar o seu filho, seu único filho ainda por cima, ir ao encontro da morte, pelo menos que fosse ela sozinha a entregá-lo à morte. Não queria repartir nem a posse, nem a perda com outra mulher.

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A colorida animação da cidade real, capital do país e sede do governo alimentava-se bem claramente - tantas vezes meu pai dissera isso - do trágico amor das regiões da Coroa pela Áustria: trágico, porque eternamente não correspondido. Os ciganos, os huzulos subcarpáticos, os cocheiros judeus da Galícia, os meus próprios parentes, os vendedores de castanhas assadas de Sipolje, os plantadores de tabaco suábios de Bacska, os criadores de cavalos das estepes, os otomanos de Sibersna, os da Bósnia e Herzegovina, os mercadores de cavalos de Hanakei na Morávia, os tecelões de Erzgebirg, os moleiros e negociantes de corais de Podólia.

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Apresentei-lhe logo o meu problema. Tentei também explicar por que queria ir para o Trinta e Cinco.

- Se ainda o encontrares! - disse Stellmacher. - Más notícias! Dois regimentos quase totalmente aniquilados em retirada catastrófica. Nossos chefes superidiotas nos prepararam bem! Mas tudo bem! Vai para lá, vê se encontras o teu Trinta e Cinco. Compra para ti duas estrelinhas. És transferido como tenente. Servus! Retirar! - Estendeu-me a mão sobre a escrivaninha.

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Numa madrugada, os russos caíram em cima de nós. E já não tínhamos tempo de nos entrincheirar.

Esta foi a histórica batalha de Krasne-Busk, na qual um terço do nosso regimento foi aniquilado e um segundo terço aprisionado.

Tornamo-nos assim também prisioneiros Joseph Branco, Manes Reisiger e eu. Desta forma, tão ingloriamente terminou nossa primeira batalha.

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Na véspera de Natal de 1918, eu estava de volta. O relógio da Estação Oeste indicava onze horas. Tomei a rua Maria Hilfe, uma chuva granulosa, neve gorada e triste, irmã do granizo caía obliquamente de um céu inclemente. O meu capote estava nu, tinham-lhe tirado as insígnias, a minha gola estava nua, tinham-lhe arrancado as estrelas. Eu mesmo estava nu. As pedras estavam nuas, os muros e os telhados também. Nus estavam os poucos lampiões. A chuva granulosa batia nos seus vidros foscos, como se o céu mandasse grãos de areia contra grandes bolas de gude miseráveis. Os capotes dos guardas diante dos edifícios públicos abanavam ao vento e as suas abas se enfunavam apesar de molhadas. As baionetas caladas não pareciam de verdade, e as espingardas pendiam oblíquas dos ombros dos soldados. Parecia que as espingardas quisessem se deitar para dormir, cansadas como nós de quatro anos de tiros. Não fiquei de modo algum espantado que os soldados não me saudassem; meu capote nu, a gola nua da minha túnica não obrigavam ninguém a isso. Não me rebelava. Era apenas deplorável. Era o fim. Pensei no velho sonho do meu pai, o de uma monarquia tríplice, sonho que ele me destinara a tornar real um dia. Meu pai jazia no Cemitério de Hietzinger e o Imperador Francisco José, de quem ele fora fiel desertor, na Cripta dos Capuchinhos.

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- Vá dormir! Boa-noite.

Beijei-lhe a mão, ela beijou-me a testa. Sim, essa era a minha mãe! Era como se nada tivesse acontecido, como se eu não estivesse acabando de chegar da guerra, como se o mundo não estivesse em ruínas, a Monarquia destruída, como se a nossa velha pátria com suas leis, costumes, usos, tendências, hábitos, virtudes, vícios múltiplos, incompreensíveis, mas inamovíveis, ainda existisse.

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- Do que é que você quer viver? O que você sabe fazer, aliás? Antes da guerra você era um jovem rico, de boa sociedade, isto é, daquela sociedade a que pertencia o meu Bubi. - Bubi era o meu cunhado, que eu não podia suportar. Tinha-me esquecido dele totalmente.

- Onde está ele? - perguntei.

- Morto! - Respondeu meu sogro. Ficou calado, e de um só trago esvaziou o copo. - Caiu em 1916 - acrescentou. Pela primeira vez ele me pareceu próximo e íntimo. - Portanto - continuou ele -, você nada possui e não tem profissão. Eu próprio sou conselheiro comercial e até ganhei título de nobreza. Mas agora isso nada significa. A intendência do exército ainda me deve muitos milhares. Não vai me pagar. Tenho apenas crédito e um pouco de dinheiro no banco.

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Ele virava-se para nós, deixava os cavalos trotarem à vontade por alguns minutos e contava toda espécie de histórias. O filho dele era estudante; voltara da guerra ativista comunista.

- Meu filho diz - falava o Senhor Xavier - que o capitalismo já passou. Já não me chama de pai. Chama-me Vossa Senhoria! Tem boa cabeça. Sabe tudo que ele quer. Dos meus cavalos nada entende.

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No outono recebemos uma visita inesperada: meu primo Joseph Branco. Veio pela manhã, exatamente como da primeira vez que nos encontramos e como se nada tivesse acontecido entrementes, como se não tivéssemos suportado uma guerra mundial, como se ele não tivesse estado com Manes e eu prisioneiros, junto a Baranovitsch e depois no campo; como se agora a nossa terra não estivesse aniquilada. Assim chegou ele, meu primo, o vendedor de castanhas assadas com suas castanhas, sua mula, de rosto queimado, no entanto, brilhando dourado como um sol. Como todos os anos, como se nada tivesse acontecido, chegara Joseph Branco para vender suas castanhas.

Tinha a barba grisalha emaranhada. Parecia o inverno representado nos primitivos livros de contos de fadas.

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Também naquela noite fui ao Café Lindhammer, e fiz de conta que não estava tão excitado como os outros. Pois eu me via há muito tempo, desde que voltara da guerra, como uma pessoa sem direito à vida. Tinha me habituado há muito tempo a contemplar nos jornais os acontecimentos chamados históricos com o olhar imparcial de alguém que já não pertencesse a esse mundo. Fora há multo tempo licenciado pela morte por prazo ilimitado! E ela, a morte, podia a qualquer momento interromper a minha licença. No que podiam me interessar ainda as coisas deste mundo?...

No entanto elas me preocupavam, especialmente naquela sexta-feira.