sábado, 31 de outubro de 2009

God save the Queen

Londres de manhãzinha. Eu trajava um terno de gângster de película do Tarantino. Virara a noite na Brixton Academy, num show do Quim Barreiros, o mestre lusitano da polissemia. Camões é para os fracos. Meti o pé na carreira rumo ao Palácio de Buckingham. Tinha um encontro marcado com a fantástica e insuperável rainha Elizabeth II. Foi um agradável meeting regado a wit & fofoca. Misturamos Funk do Quadrado com Trafalgar Square, abadia de Westminster com bateria do Salgueiro, Thames com rio Cocó. A seguir, compacto dos melhores momentos do colóquio do plebeu com a majestade:

I) Amarrotado, arfante e fedendo a cigarro alheio, tive que improvisar para me recompor. Olha o decoro, meu filho. A Real Senhora cumprimentou-me com sua perene elegância e imponência de leão rampante de brasão. Dirigimo-nos para uma mesa. Um luxuoso desjejum nos esperava, utensílios gravitavam em torno de um bule imperial. A regra de ouro recomendava evitar obviedades do tipo elogiar a porcelana, o chapéu, o vestido de chiffon, o colar de ametista ou a intervenção cirúrgica que extraiu uma papada.

II) Apostei em amenidades. Como foi a última caça a raposa ou partida de whist, se ela ainda se destacava no críquete, na equitação, na esgrima. Baseado na experiência de tanto ler blogs de mequetrefes que acham estiloso poluir as frases com silly English, desviei para uma egotrip e confessei o que sofri, em meus dias de escrevinhador neófito, com a síndrome de Agepê ("Faz de conta que sou o primeiro"). Suava, teclava com violência e pensava, A-ha, enfim vou produzir o texto definitivo sobre ______. A tentação de ser original e desbravador. Nunca usei, porém, sintaxe de bêbado irlandês.

III) Falando nisso, informei-lha que em Pindorama - alcunhada de País do Futuro por um suicida estrangeiro - agora qualquer indigente oriundo de comunidades ribeirinhas ou classe-média com fumos de literato tem um blog. Dei dicas de uns bem ruins e constrangedores que freqüento por diversão. Ela riu quando descrevi uns tão sisudos e esforçados, mantidos por estudantes de Comunicação Social que confundem Lady Di com Lady Kate, musselina com Messalina, Elevador Lacerda com Genival Lacerda. E existem também os que crêem abafar na ironia ferina terminando sentenças com ahahahaus, rsrsrs, kkkkk ou !!!!!. O esquema é relaxar e mandar a turma dos seqüelados cheirar amianto ou plantar batata no Camboja. Ela, apreciadora das gaiatices da revista Punch, entendeu-me perfeitamente. Ser piadista de salão é nossa meta, isso sim.

IV) Citei a terrinha e ela recordou a ocasião da foto ao lado do presidente, o Rei Momo de Garanhuns. Não espalhem, ela me confidenciou que ele exalava um bodum de casca de mexerica. Expliquei que se tratava de um dos orgulhos nacionais, o miasma característico das camadas populares e dos camaradas populistas. Aliás, ela demonstrou guardar referências peculiares da nação-pandeiro. E tome-lhe comentar os quadros de Rugendas e do Debret, Hans Staden, Sir Pelé, biocombustível, licor de jenipapo, fubá, cacique Raoni com o Sting, anaconda, ipê, D. Pedro I, o Gurgel, Ronald Biggs, o filme The Boys From Brazil. À menção de bossa nova, engasguei-me de escárnio com uma torrada.

V) E lembrei uma das visitas dos Sex Pistols à pátria do carnaval. É, aquela bandinha, uma das piores da galáxia e que lançou em 1977 um clássico do punk rock em homenagem à querida Liz. Foi em 1996, eles velhotes e enrugados, como se esculpidos em Vitamilho com queijo parmesão, tirando onda do fato de que estavam ali apenas para garantir uns shillings para a aposentadoria. Como diria o finado jornalista sem diproma, ex-trotskista de bergère e tupiniquim exilado entusiasta da Maggie Thatcher: Waaaal.

VI) Fatal e infelizmente, veio à tona a política, com sua presença amálgama de verdureiro e graduando de Administração de Empresas. Veja, ilustríssima, sei que os bretões já passaram por maus pedaços. Guerra dos Cem Anos, Guerra das Falkland (contra os súditos do Carlos Gardel). Henrique VIII. Os telhados aterrorizados pelos vôos de V-2. A série de atentados em 2005. O incidente com o Jean Charles. As atuais invasões bárbaras. Cada um no seu calvário. Lá debaixo do Equador, a praga da moda, além da gripe H1N1, é o vulgar e muar bolivarianismo, xodó dos marxicólatras (marxistas festivos da escola Xico Sá). Imagine uma versão sul-americana das vuvuzelas. Sinônimo de primitivismo e de barulheira paleolítica. Much ado about nothing. Que vontade de arremessar uma máquina de refrigerantes na cabeça desse povo.

VII) E por falar em gentalha, desculpe, mas que negócio podre que armaram nos ônibus aqui, hein? A cambada da Igreja Universal do Reino de Sagan-Dawkins não tem senso de ridículo. Os que acreditam em elétrons continuam se considerando superiores aos que acreditam em anjos.

VIII) A egrégia dama fuzila: e você é reacionário, anarquista, esquerdista, maratonista, trapezista ou o quê? Essa é a charada de 1 milhão de libras. Sou de investir no que me soa sensato e de preservar o que funciona. Observe que, em outras épocas, os vendilhões do templo é que eram o status quo, em oposição ao subversivo Cristianismo. Escravidão era o cerne de um montão de atividades e de ambições, até aparecer o [michaelmoore]famigerado[/michaelmoore] capitalismo 2.0 com o canto de sereia de expandir mercados consumidores. Se sob as cores da Union Jack costume significa liberalismo e Lord Acton, advirto que na província de onde venho, atrasada e de alarmantes temperaturas, tal conceito degenera no grude indigesto que inclui coronelismo, nanny state e voto de cabresto. Conservadorismo tropicaliente. A longevidade e a difusão de uma prática nada provam. E, sim, às vezes é difícil-de-doer separar alhos e bugalhos de Barbalhos. O que merece permanecer, o que precisa ser reformado.

IX) Esses temas são chatos demais, prezada monarca. Assunto de maior valor é o que não falta. Os belos peitos de suas conterrâneas Lucy Pinder e Sammy Braddy. As aventuras de James Bond e o foguete da morte. Causos de solares mal-assombrados. Detetives lupa-e-cachimbo caminhando pelo fog. Passeios no London Eye. Ou o fenômeno Susan Boyle.

X) A fim de descontrair, perguntei qual era a semelhança entre Tom Selleck, Will Nogueira, professor Girafales, Super Mario, Hercule Poirot, Manuel Zelaya e Betty Friedan. "Torcem para o Manchester United?", chutou a soberana. "Boa tentativa!", menti. Eu disse a resposta e, após o natural delay feminino para compreensão de anedotas, ela começou a gargalhar de maneira nem um pouquinho britânica. Por causa de um chiste meia-boca? Só depois de minutos, ela quase sem ar e apontando para minha mão direita, percebi. Eu segurava, com o dedo mindinho levantado, uma xícara de café. Selva calling. God save the Queen.