domingo, 24 de abril de 2016

Divisões suíças

SWISS INFO
27 de junho de 2014

O atentado de Sarajevo, revelador das divisões suíças

(Olivier Pauchard)

Há cem anos nacionalistas sérvios assassinavam o arquiduque austríaco Franz Ferdinand em Sarajevo. A imprensa suíça comentou em larga escala esse atentado, elemento desencadeador da I. Guerra Mundial. A leitura dos jornais mostra as divisões que marcaram o país durante todo o conflito.

Em 28 de junho de 1914, o arquiduque Francisco Fernando, herdeiro do trono do Império Austro-húngaro, sofre um atentado por parte de jovens nacionalistas sérvios. No dia seguinte os jornais helvéticos davam ampla cobertura ao episódio.

As mídias mais clarividentes pressentiam mesmo que esse ataque poderia ter consequências incalculáveis. "É um desses eventos que vira tudo de cabeça para baixo, anulam por um instante as conjecturas, apagam os prazos temidos, mas dão origem a perguntas agonizantes que ninguém havia previsto", escreveu o jornal Tribune de Genebra, por exemplo.

ONDA DE SIMPATIA

Primeiramente o atentado suscitou uma vaga de simpatia para o Império Austro-Húngaro e, mais particularmente, seu imperador Francisco José, tio de Francisco Fernando. "Todas as simpatias vão ao venerado imperador. Sua carreira, já tão trágica, se tornou sombria no domingo graças a mais uma tragédia", escreveu o mesmo jornal, em referência aos dramas familiares que marcaram a vida do soberano, especialmente o assassinato da esposa Isabel da Áustria (também conhecida como "Sissi") e o suicídio do filho Rodolfo.

A morte do casal em Sarajevo, que vivia em um casamento por amor - algo incomum para a época - e que deixava para trás três órfãos, emocionou até os jornalistas. Mesmo o Berner Tagwacht, órgão do Partido Socialista da Suíça e pouco inclinado a ter piedade das cabeças coroadas, não escondeu sua compaixão.

Todavia, além do drama, continuava o olhar voltado ao herdeiro do trono. E nesse caso, as opiniões divergiam. A imprensa católica se lançou em um verdadeiro panegírico, enquanto que o Berner Tagwacht se mostrava muito mais crítico. Para os socialistas, Francisco Fernando era "a encarnação dessa política austríaca que conduz o povo às margens do precipício" e "o representante do militarismo, do imperialismo e do clericalismo".

A maior parte dos comentaristas, no entanto, acreditava que o herdeiro do trono não era um inimigo dos eslavos. "Longe de desejar que um dos povos do império seja oprimido por outro, Francisco Fernando era um partidário determinado da emancipação das nacionalidades. Princip (o nome do autor do atentado) calunia sua vítima ao afirmar que havia assassinado o opressor dos sérvios. Ele matou aquele a quem o serbismo temia precisamente, pois via que ele iria juntar os eslavos à monarquia pelos laços do coração", escreveu na época o jornal católico La Liberté.

A constatação é praticamente a mesma na imprensa liberal. "A aberração do atentado se vê, sobretudo, no fato de que o arquiduque Francisco Fernando era justamente considerado como um amigo dos eslavos. Chegamos até mesmo a achar que ele teria podido se satisfazer com a ideia de um terceiro Estado (ao lado da Áustria e da Hungria) dentro da monarquia", comentou o Der Bund.

DIVISÃO SUÍÇA

Durante as quatro semanas que seguiram o atentado, o Império Austro-Húngaro aumentou a pressão sobre seu vizinho sérvio, indo até o ponto de fixar um ultimato inaceitável em uma nota datada de 23 de julho. Por isso, devido ao jogo de alianças, o espectro guerra parecia cada vez mais inevitável. Mas a imprensa suíça está dividida sobre a questão de quem é verdadeiramente o belicista.

Essa divisão não poupa a Suíça. "Apesar do sentimento público se simpatizar por um lado ou outro, a nossa imprensa dá ao exterior o espetáculo de uma diversidade de opinião que demonstra uma falta absoluta de direção", julgou esse jornal editado em Genebra. Durante todo o conflito, um fosso permanecerá entre a parte latina do país, próxima dos aliados, e a parte germanófona, que não escondia sua simpatia pelos impérios centrais.

A imprensa católica apoia fortemente a política austríaca. "O Império Austro-Húngaro analisou e constatou o perigo que o ameaçava. Ele não quer tardar um minuto para descartá-lo", publicou o La Liberté.

Esses sentimentos pró-austríacos se cristalizam em uma hostilidade constante à Rússia. "Se o conflito geral ocorrer, a culpa será da Rússia, pois ela não deveria se intrometer na disputa entre a Áustria e a Sérvia. Suas ligações com a Sérvia são apenas uma simpatia criada para a religião cismática. Ela não foi ferida de nenhuma forma e deve manter a calma", escreveu o jornal católico de Friburgo. "O governo russo foi até ao limite extremo dos limites que uma nação se permitiria para evitar uma guerra", julgou, por outro lado, o Tribune de Genève.

Esse alinhamento de católicos sobre a posição do Império Austro-Húngaro também escandalizou os socialistas. "Se pegamos nas mãos um jornal católico, é atualmente difícil de saber se ainda estamos lidando, ou não, com uma publicação republicana", considerou o Berner Tagwacht.

No entanto, deve notar-se que a filiação religiosa ou política não é tudo. O sentimento de proximidade cultural com um grande país vizinho também desempenha um papel. Foi assim que o Corriere del Ticino, portanto muito próximo do partido católico-conservador local, era muito mais crítico em relação à Áustria. Um sinal de simpatia no cantão italófono em relação ao irredentismo italiano frente às minorias italófonas do império. "Lembramos que a política austríaca em relação à Sérvia sempre foi uma política de opressão e de repressão", declarou o jornal, para quem a propaganda sérvia era apenas "uma reação natural a uma repressão policial que, comparativamente, é muito maior do que aquela que ocorre contra as minorias italianas em Trieste".

O "MESTRE DA HORA"

Dentre os jornais próximos dos meios liberais, as opiniões são divididas. Geralmente a tendência é de culpar a Áustria pelo conflito. "Se a catástrofe que tememos vier a ocorrer, a responsabilidade cairá inteiramente sobre o Império Austro-húngaro, sobre seu soberano, sobre seu governo, sobre o partido militar especialmente, que se dedicou com um ardor detestável a provocar o temido conflito atual", julga o La Suisse.

Essa opinião é exprimida igualmente na parte germanófona do país. "O fato que, na sua nota, a Áustria não se declare estar disposta a participar de novas negociações, mostra que ela queria a guerra", afirmou o Neue Zürcher Zeitung.

Continua a posição da Alemanha e do seu imperador, Guilherme II. Para a Tribuna de Genebra, "o futuro da Europa e da civilização está em suas mãos". Quanto ao La Suisse, o jornal escreveu: "Nessas horas de tempestade, o mundo inteiro tem seus olhos voltados para o soberano que lhe parecia como lhe aparece como o mestre do tempo e que seria suficiente um gesto enérgico para apaziguar as paixões desencadeadas, para pôr fim aos excessos do partido militar austríaco e interromper o rearmamento que seguem febrilmente seu curso das margens do Atlântico até as fronteiras da Ásia."

Mas esse "gesto enérgico" nunca ocorreu.


Fonte:
http://www.swissinfo.ch/por/o-atentado-de-sarajevo--revelador-das-divisoes-suicas/40474098

Mais:
http://www.swissinfo.ch/eng/in-depth/world-war-one
http://www.armaria.com.br/suicos.htm
http://www.youtube.com/watch?v=LDplfsZxrbg

domingo, 17 de abril de 2016

The enemy's house divided

Prefácio de The Enemy's House Divided (1924), de Charles de Gaulle.


"Every kingdom divided against itself is laid waste, and no city or house divided against itself will stand." (Gospel of Matthew, 12:25)

The German defeat cannot deter French opinion from rendering our enemies the homage they earned, by the energy of their leaders and the efforts of those who carried out their orders. But the exceptional extent of the warlike qualities they demonstrated, from one end of the drama to the other, better enables us to measure the errors that they committed.

We can do so all the more easily because almost all the German personages who played a role of the first rank in the conduct of the struggle have now published their memoirs. And, while it would not be fitting to make use of these writings without very seriously weighing the spirit of self-justification in which they were written, it is possible by comparing them one with another, by counterpoising the theses they maintain, and by grouping their affirmations and negations to discern more or less the principal reversals, and to form a judgment about the action of these personalities.

Among the multiple acts of this drama, the present study is concerned with the episodes that appear to be most freighted with consequences for the course and outcome of the war. Moreover, these seem to be most characteristic of the spirit and conduct of the personalities who were involved in them. It also happens as is easily explained - that the memoirs of the actors are particularly expansive and impassioned in regard to these events.

The five chapters to follow thus have for their subjects, respectively,

- The indiscipline of von Kluck, who from the 2nd to the 5th of September 1914, created the conditions favorable to our offensive at the Marne and called forth our victory;

- The unremitting struggle waged by Grand Admiral Tirpitz against Chancellor Bethmann-Hollweg from 1914 to 1919, to compel him to declare unlimited submarine warfare, which he by no means wished to do, and which induced the Americans to take up arms;

- The inability of Germany to establish a unified command in the coalition of central states, even though all the circumstances combined to offer it to them;

- The governmental crisis, thenceforth incurable, provoked at Berlin in 1917 by the intrigue of Ludendorff, who was resolved to seize de facto dictatorial power and did not hesitate, in order to achieve this, to overthrow Chancellor Bethmann, compelling the Kaiser's will, rousing up political parties, and creating a fatal agitation in public opinion;

- Finally, beginning on July 18, 1918, the abrupt and complete moral collapse of a valiant people, a degradation all the more grandiose because this people had, until then, been able to muster a collective will to conquer, an obstinacy in staying the course, a capacity for suffering that deserved the admiration and astonishment of its enemies from the first day of the war, and will assuredly secure the homage of history.

The German military leaders, whose task it was to guide and coordinate such immense efforts, gave proof of an audacity, of a spirit of enterprise, of a will to succeed, of a vigor in handling resources, whose reverberations have not been stilled by their ultimate defeat. Perhaps this study - or, more precisely, the disclosure of the events that are its object may make evident the defects common to these eminent men: the characteristic taste for immoderate undertakings; the passion to expand their personal power at any cost; the contempt for the limits marked out by human experience, common sense, and the law.

Perhaps reading this will cause the reader to reflect that the German leaders, far from combatting these excesses in themselves, or at least concealing them as defects, considered them instead as forces, and erected them into a system; and that this error bore down with a crushing weight at the decisive moments of the war. One may perhaps find in their conduct the imprint of Nietzsche's theories of the elite and the Overman, adopted by the military generation that was to conduct the recent hostilities and which had come to maturity and definitively fixed its philosophy around the turn of the century.

The Overman with his exceptional character, his will to power, his taste for risk, his contempt for others who want to see him as Zarathustra - appeared to these impassioned men of ambition as the ideal that they should attain. They voluntarily resolved to be part of that formidable Nietzschean elite who are convinced that, in pursuing their own glory, they are serving the general interest; who exercise compulsion on "the mass of slaves," holding them in contempt; and who do not hesitate in the face of human suffering, except to hail it as necessary and desirable.

Perhaps, finally, in meditating upon these events, one may wish to measure with what dignity we should clothe that superior philosophy of war which animated these leaders and which could at one time render futile the harshest efforts of a great people and at another constitute the most universal and surest guarantee of the destinies of the fatherland.

This study will have attained its object if it helps in a modest way to induce our military leaders of tomorrow, following the example of their victorious models in the recent war, to shape their minds and mold their characters according to the rules of classical order. It is from those rules that they may draw that sense of balance, of what is possible, of measure, which alone renders the works of energy durable and fecund.

In the classical French garden, no tree seeks to stifle the others by overshadowing them; the plants accommodate themselves to being geometrically arranged; the pond does not aspire to be a waterfall; the statues do not vie to obtrude themselves upon the admiring spectator. A noble melancholy comes over us, from time to time. Perhaps it comes from our feeling that each element, in isolation, might have been more radiantly brilliant. But that would be to the detriment of the whole; and the observer takes delight in the rule that impresses on the garden its magnificent harmony.


Mais:
http://www.lefigaro.fr/livres/2013/11/06/ARTFIG00536-de-gaulle-avant-de-gaulle.php
http://docs.google.com/file/d/0BxwrrqPyqsnITUZiU2NMLU1IMGc

domingo, 10 de abril de 2016

Romani

Battle of Romani

BACKGROUND

In December 1915 there was a change of plan on the British side as far as the Egyptian theatre was concerned (see the Defence of the Suez Canal). A Commission under Major-General Sir Henry Horne recommended that the defensive line should be moved forward from the west bank on to the east, and far enough away from the canal for it to be beyond the range of the enemy's heaviest guns. Three new defensive lines were constructed and the supply railways from Cairo doubled in capacity. This construction effort was largely undertaken by locally-recruited workers, organised as the Egyptian Labour Corps. It was stated that 12 Divisions would be required to defend the canal from the quarter of a million Turks believed to be massing in Palestine (although this proved to be a gross over-estimate: the railways and water supplies in Palestine could not support that size of a force). The Egyptian theatre was placed under the command of Lieut-General Sir Archibald Murray, recently arrived after being Chief of General Staff to Sir John French on the Western Front. Murray proposed to the War Office to undertake limited offensive action to be able to control the area of El Arish. While it would require major construction of railways and water supplies, this would effectively prohibit the Turks from the coastal route to the canal, and also put British troops in striking distance of the central route, well away from the canal. CIGS Sir William Robertson gave a cautious approval in March 1916. As the British pressed forward along the coast in April 1916, the Turks made a strong raid at Oghratina and Katia and scored a notable tactical success. It was not followed up, giving Murray vital time to build his force and consolidate at Katia.

BRITISH BECOME AWARE OF TURK BUILD-UP IN SINAI

A strong force consisting of the Turkish 3rd (Anatolian) Division and "Pasha 1", a German group including five machine gun companies, two trench mortar companies, plus heavy and anti-aircraft artillery, left the Beersheba area on 9 July 1916, crossed the Sinai and reached Oghratina and Bir el Abd ten days later. The British took steps to strengthen its own forces in the Katia area, ready to meet this threat. The Turk intentions were obvious. Unable to attack along the coast, they would try to cut off Romani from the south - and that would take them into a most difficult area of waterless soft sand dunes.

BRITISH ORDER OF BATTLE

The British forces in the Katia/Romani area were under command of No. 3 Section of the Suez Canal defences, commanded by Major-General the Hon. Sir Herbert Lawrence. He was headquartered at Kantara.

The ANZAC Mounted Division was formed in Egypt under Major-General Harry Chauvel in March 1916 and given the responsibility of patrolling the dunes area to cover the continued railway construction work as the British pushed on eastwards. Its units were spread between Romani, Hill 70 east of Kantara, and Ballybunion Station.

The 52nd (Lowland) Division, recovering from its efforts at Gallipoli, moved to Romani once the railway reached that place. By the time the Turks were ready to make another effort, it had been joined by a brigade of 53rd (Welsh) Division.

The 42nd (East Lancashire) Division was also placed under orders of Lawrence on 24 July 1916. It moved into position along the railway from Kantara to Gilban Station.

LAWRENCE PLANS HIS MOVE

Lawrence decided to wait until the Turkish troops advanced. Knowing the Turkish infantry would struggle in the dunes, he would make a frontal counter attack in the centre and swoop round the Turkish left with his mounted forces. There was a chance he could annihilate the attacking units. By 24 July the Turks had moved to within 10 miles but Romani, but they then halted for ten days. It was no longer clear what their intentions were, and Sir Archibald Murray ordered Lawrence to make his own offensive preparations. If the Turks had not moved by 13 April, Lawrence was to attack them.

TURKISH ATTACK DEVELOPS

Late on 3 August 1916, Turkish units carefully followed the 2nd Australian Light Horse Brigade as it withdrew from its daily routine of shadowing the Turkish positions. It intended to get up onto Wellington Ridge, south west of Romani and despite efforts during the night and next day, were held off by fire from the 1st and 2nd Australian Light Horse Brigades. In the centre, the Turks shelled the British positions but made no major effort at a direct attack. The New Zealand and 5th Mounted Brigades, pushing up from Hill 70, steadily drove the Turkish left back beyond Mount Royston. By the end of 4 April, the main Turkish force was committed and exhausted in the dunes, just as had been predicted.

BRITISH FAIL TO DESTROY THE TURKISH FORCE

The British force at Romani did not seize the opportunity to destroy the Turkish forces. 42nd (East Lancashire) Division, ordered up from reserve, was slow to arrive; 52nd (Lowland) Division in Romani was not committed to attack speedily enough. Although efforts were made on 5 August, the greater part of the Turkish force escaped. Over the next two days further British probing was beaten off and on 9 August an attack by the ANZAC Mounted Division against Bir el Abd was repulsed. After this, the Turkish troops withdrew to El Arish.

CASUALTIES AND LESSONS

British casualties in this action were c. 1100, mostly in the mounted units of ANZAC Mounted Division. Turkish losses included 4000 prisoners and are generally reckoned to amount to c. 8000. For the British, lessons were learned: HQ had been too far from the front to be able to react quickly and seize opportunities; there were too few aeroplanes for reconnaissance; the British Territorial infantry could not move as quickly in desert conditions as their Turkish counterparts. But it was an important victory, at a time when the British sorely needed good news in the Middle East. Romani could be said to be the point at which British strategy in Egypt ceased to be about defending the Suez Canal and started to be about the defeat of the Turkish armies in the field.

HARRY CHAUVEL: OUTSTANDING MILITARY LEADER

The defeat of the Turkish attack at Romani was partly due to the clumsy tactical choices made by their German commander Kress von Kressenstein and partly due to the excellent performance of the British mounted force. This was ably commanded by New South Wales-born Henry 'Harry' Chauvel. Aged 51 at the time of the battle, he had served in the Queensland permanent army forces since 1896 and also had some military and police experience before that. Chauvel continued his good work throughout the Palestine campaign and is generally thought to be among the more able commanders of the Great War. Romani was his first serious action.


Fonte:
http://www.1914-1918.net/romani.html

Mais:
Egypt during WW1
http://en.wikipedia.org/wiki/Sinai_and_Palestine_Campaign

domingo, 3 de abril de 2016

Verdun


Verdun 1916: Quando a morte se fartou

(Fabricio Gustavo Dillenburg)

Erich von Falkenhayn, comandante do Estado-Maior alemão, como seu adversário francês, também almejava um rompimento com a guerra de posições, livrando-se da maldição da guerra estática que impedia manobras, fundamentais para garantir, novamente, a iniciativa. De fato, o início de 1916 dava claros indícios, para os alemães, de que o inimigo agiria com mais vigor, principalmente porque, como tudo levava a crer, os britânicos seriam incorporados às ações com maior amplitude de coordenação.

- - -
Segundo suas memórias, Falkenhayn estudou laboriosamente o terreno, buscando um objetivo no qual fosse possível colocar os franceses em uma armadilha mortal. Desejava encontrar um ponto no qual os franceses se vissem obrigados a alocar todos os recursos disponíveis, forçando uma luta desesperada que consumisse a sua capacidade de resistência. Seu conceito de guerra, segundo suas próprias palavras, era esvair a nação inimiga, sangrando suas melhores tropas.

- - -
Uma decisão, entre os comandantes alemães, foi tomada: a fortaleza de Verdun seria o alvo e, o instrumento, o V Exército - orgulhoso representante das mais duras tradições prussianas - sob o comando do príncipe herdeiro Guilherme e do General Schmidt von Knobelsdorf. Partindo do pressuposto de que as intenções de Falkenhayn eram verdadeiras, o propósito não seria, necessariamente, tomar o local, mas prover uma área de extermínio, na qual a artilharia e a infantaria alemãs pudessem agir com maciço poder de destruição.

- - -
A tensão sobre a França, entrementes, se fazia sentir, quase ao ponto da ruptura, e não havia um aliado próximo - com exceção dos próprios ingleses - para lhe socorrer. A pressão pontual poderia fazer com que o exército francês, já debilitado, se esvaísse em recursos, sem chance de retraimento, sob pena de perder o próprio país. Para Falkenhayn, que queria evitar, num primeiro momento, "a melhor espada inglesa", não restava dúvidas: o sul do Somme (Belfort ou Verdun) - setor que manteria a Grã-Bretanha fora do combate imediato - deveria ser o túmulo das forças francesas.

- - -
Verdun era um antigo ponto forte, dividido ao meio pelo rio Meuse (Mosa), considerado a porta de entrada para o centro do país. No centro da área havia uma cidadela, erguida no século XVII e reforçada no século XIX, que contava com instalações subterrâneas para as tropas. Além de seus muros, distante, aproximadamente, oito quilômetros, construiu-se um anel reforçado por cerca de trinta pontos-fortes, sendo quase dois terços protegidos sob a terra. Torres móveis, com canhões de 75 a 155mm, serviam como defesa ativa. Mas, infelizmente para os franceses, não havia coesão entre os fortes, construídos em dureza, armamento e posicionamento variáveis.

- - -
Com seus grandes espaços arborizados e suas bucólicas colinas, sem artilharia, Verdun foi recheada com trincheiras, solução paliativa às suas torres desnudadas. No momento crucial, quando o ataque alemão foi iniciado, menos de trezentas armas, carentes de munição, estavam disponíveis.

O inimigo estava ciente das dificuldades da França em socorrer Verdun com tropas oriundas da retaguarda, devido ao precário sistema de transporte na área, algo que os alemães poderiam compensar muito bem, pois administravam uma estrada de ferro a menos de vinte quilômetros da cidadela. Além disso, era evidente a importância de Verdun para os franceses, sobretudo por seu caráter psicológico.

- - -
Linhas telefônicas não haviam sido completamente instaladas, a comunicação entre as trincheiras era medonha e abrigos contra ataques de artilharia eram raros e esparsos. Quando o General Philippe Pétain foi designado para substituir Herr, poucos dias antes do ataque alemão, mostrou-se indignado com o estado das coisas.

- - -
Em 12 de fevereiro de 1916, as forças alemãs já haviam deslocado 1.400 peças de artilharia e pelo menos nove divisões, dispostas em uma frente estabelecida a leste do Meuse, contra duas divisões francesas e, comparativamente, apenas um quarto do número de canhões. Faziam parte das forças germânicas, inclusive, o monstruoso morteiro Grosse Bertha, de 420 mm, apoiado por morteiros austríacos de 305 mm e canhões navais e 380 mm, além dos novíssimos lança-chamas. Uma repentina queda de neve, contudo, seguida de forte neblina, impediu que o ataque iniciasse na data marcada, favorecendo um pouco a defesa, que corria contra o tempo para melhorar suas posições.

- - -
A situação, bastante desfavorável à França, era reforçada pela total segurança logística germânica, cujas tropas estavam servidas por nada menos do que uma dúzia de linhas ferroviárias, a maioria de bitola larga, além de disporem de três pontes e considerável apoio aéreo. Comparativamente, os franceses possuíam apenas uma ferrovia de bitola estreita e uma estrada. Outras duas vias de acesso estavam inacessíveis: uma havia sido capturada, a outra podia ser bloqueada pelo fogo da artilharia alemã.

A ofensiva, que teve início sob a palavra-chave Gericht (tribunal), deu-se em 21 de fevereiro de 1916. Embora tenha enfurecido o comando alemão, a semana e meia de atraso, devido ao tempo ruim, representou para os franceses um auxílio impagável para reforçar Verdun com tropas, alimentos, munição e equipamento (insuficientes, apesar da percepção geral de que haveria, ali, um ataque). Às 7h15min da manhã, afinal, esgotou-se o seu tempo e o inferno se abriu às margens do Meuse. O primeiro tiro foi dado por um canhão Krupp de 380 mm, que atingiu a catedral de Verdun, distante 32 km. Nas horas que se seguiram, mais de dois milhões de obuses caíram sobre a cidadela, matando 20 mil franceses, literalmente engolidos pela terra em convulsão. Povoados, bosques, aldeias foram aplainados pelo fogo da artilharia.

A ideia do príncipe herdeiro Guilherme era, simplesmente, usar os canhões para abrir um rombo nas defesas e lançar, por ele, sua infantaria em carga. O plano foi aceito por Falkenhayn mas, com receio de que Verdun fosse tomada muito rapidamente - eliminando a possibilidade de uma batalha prolongada capaz de destruir as forças francesas - as reservas que deveriam estar disponíveis para o V Exército, no caso de sucesso no rompimento, foram seguras pelo Comando.

Aplicando seu planejamento à risca, com um ótimo sistema de observação - e, apesar do bombardeio sistemático - os alemães verificaram que muitas posições francesas permaneciam guarnecidas. Renovou-se, portanto, a carga de artilharia, desta vez com o auxílio de morteiros, buscando os pontos que permaneciam como ameaça. Cautelosas, patrulhas de combate varreram, então, à frente, em busca de lacunas nas defesas, e encontraram o inimigo aturdido e desorganizado. Comunicado, o Comando agiu.

A investida foi devastadora, embora não definitiva. Um impressionante bombardeio de área prenunciou o deslocamento de 140 mil alemães, contra-atacados por incursões francesas audaciosas, mas pouco efetivas.

- - -
A fortaleza de Douaumont foi uma das primeiras a cair, tomada em total surpresa: a grande maioria dos 63 homens da guarnição, num daqueles momentos surreais da guerra, assistia a uma palestra quando chegou uma patrulha de dez alemães. A plateia foi trancada na sala por um sargento do 24º Regimento de Brandenburgo que penetrara no forte, aparentemente sem ser incomodado. Somente um dos canhões chegou a dar combate, mas logo silenciou. Foi um desastre humilhante para os franceses, já que abriu um importante espaço de penetração para o exército inimigo.

- - -
O início da primavera trouxe muita lama, transformando a região em um colossal atoleiro, enquanto os franceses lançavam tudo que tinham contra os alemães, tentando segurá-los. A situação continuava desesperadora, mas pelo menos uma relativa equivalência numérica foi obtida em artilharia e aviação, enquanto os fortes que ainda restavam eram rearmados, às pressas, com o que havia disponível.

- - -
Em março e abril, Falkenhayn deu ímpeto a duas outras ofensivas, dando vazão a avanços e recuos visando os flancos, entre colinas bombardeadas incessantemente por ambas as artilharias. As trincheiras foram soterradas e os buracos abertos pelos obuses passaram a servir de abrigo aos combatentes. Faziam-lhes companhia, nesses espaços, restos de corpos semienterrados na lama.

- - -
Se o objetivo germânico, de sangrar as tropas francesas até seu limite, estava sendo um sucesso, os alemães também mergulhavam no mesmo destino. Não havia dúvidas de que, se o ritmo da carnificina continuasse, logo não haveria mais quaisquer reservas, e a operação toda se tornaria um desastre total.

- - -
[Falkenhayn] buscou promover um assalto decisivo às defesas e tomar, de uma vez por todas, Verdun. No início de junho, avançou sobre Thiaumont, Vaux e Souville, sob o fogo de sua artilharia, equipada com obuses carregados com gás fosgênio (dicloreto de carbonila).

- - -
Nos sanguinários embates que se seguiram, Fort Vaux destacou-se pela resistência. A fortaleza foi martelada incessantemente, até que o avanço conquistou a área superior. Nos túneis que ocupavam os subterrâneos, a luta se estendeu até o início de junho, num mortal jogo de gato e rato no qual os combates aconteciam, frequentemente, corpo-a-corpo. Enfraquecidos, os franceses foram, mais uma vez, derrotados.

- - -
Pétain solicitou a Joffre para abandonar o setor, o que lhe foi negado. Para os franceses, Verdun se tornara o que Ypres fora para os britânicos, e a retirada estava fora de questão. Restava-lhe resistir, o que foi feito usando todos os meios disponíveis e, em desespero, a artilharia, principalmente nos arredores de Souville. A paisagem tornou-se lunar.

- - -
Mas Falkenhayn também se via em apuros. Começou a se dar conta da armadilha em que se metera, e metera seus homens. Não havia mais como retroceder, e não possuía forças suficientes para um golpe final.

Em 1º de Julho, com a abertura da planejada Batalha do Somme, as coisas começaram a complicar para os alemães. Tropas tiveram que ser deslocadas para cobrir contra-ataques, e o ímpeto alemão arrefeceu, salvando Verdun da derrota.

Na frente oriental, o General Alexei Brusilov comandou um ataque aos austríacos, desestruturando suas defesas e obrigando os alemães a voltarem seus esforços para impedir o desmantelamento da frente. Falkenhayn viu-se obrigado a deslocar três divisões, interrompendo o processo já penoso de manter terreno e enterrando, definitivamente, os planos de conquista da área. Pela falha em concluir a tomada do objetivo, ele foi substituído pelo Marechal Paul von Hindenburg.

Fracionada em duas frentes, as forças alemãs perderam a força concentrada necessária para decidir a batalha. Em outubro, pregando a teoria de Foch, sobre o poder da artilharia, os franceses iniciaram uma série de contra-ataques no perímetro de Verdun. Com intenso uso de bombardeio, a infantaria francesa conseguiu fincar pé no terreno. Os Fortes de Douaumont e Vaux foram retomados em outubro e novembro; em dezembro, os germânicos estavam sendo empurrados às suas linhas originais. Logo, estavam na defensiva, lutando para sustentar suas posições. Sua moral nunca mais voltou a ser a mesma.

Batalha de atrito sem igual, Verdun passou a representar a vontade de defesa do solo pátrio, acima de quaisquer sacrifícios. Do ponto de vista humano, foi a mais longa e sangrenta batalha da História.

- - -
A batalha foi cruel ao extremo, de certa forma despropositada em seus objetivos, uma mostra do que comandos inflexíveis podem provocar a um exército, e sem verdadeiros vencedores. Contudo, não foi somente uma chacina. Como parte de um todo bastante complexo, Verdun serviu para que as táticas de combate fossem exploradas e melhoradas, principalmente no que diz respeito ao uso da artilharia como apoio imprescindível ao avanço da infantaria, o que seria, posteriormente, estendido ao uso primitivo da aviação. A flexibilidade tática tornar-se-ia uma necessidade, com as percepções derivadas dos sangrentos (e muitas vezes inúteis) combates, e ficou absolutamente claro que a principal qualidade desejável ao soldado era a resistência, sob condições que seriam, sob outras circunstâncias, intoleráveis ao ser humano.


Fonte:
http://www.nucleomilitarblog.com/2014/03/batalha-de-verdun.html (PDF)

Mais:
http://www.dailymotion.com/video/x19p9kv
http://gottmituns.net/2013/03/18/german-veterans-of-verdun-video-interviews
http://www.youtube.com/watch?v=Bj3n02CQJiU