domingo, 11 de maio de 2008

A que te pariu

(divagação inspirada pelo Dia das Mães (que é hoje))

Causo engraçado é o que há na Wikipédia sobre o romeno Emil Cioran:

"[...] Em 1935, sua mãe teria dito a ele que, se soubesse que seria tão infeliz, teria-o abortado. [...] Quando a mãe de Cioran lhe falou sobre o aborto, ele admitiu que aquilo não o perturbou, e sim despertou dentro dele uma sensação extraordinária, que o levou a uma visão maior sobre a natureza da existência ('Eu sou apenas um acidente. Por que levar isso tão a sério?' - diria ele mais tarde, ao referir-se a este incidente)."

Ah, as mamães. A minha? É uma figuraça. A memória mais distante que guardo dela é sua expressão chocante de panaca ao perceber que eu havia partido o pescoço do filhotinho de gato siamês, presente de meu 1° aniversário, durante uma desastrada brincadeira. Esse incidente doméstico chacoalhou a cuca agreste da prosaica dona-de-casa fã de novela, mas nada muito tragédia de Sófocles (ele, aliás, autor da antiqüíssima história do sujeito que, entre diversas aventuras, assassinou o próprio pai e fornicava com a própria mãe).

Evento marcante que também recordo foi uma baita sessão de lapadas de cinturão no lombo e mãozadas no pé-do-ouvido por que passei aos 8 anos de idade como punição por ter sido flagrado, pela jovem senhora, folheando uma Penthouse. É uma de minhas ternas lembranças de infância a nova máscara de panaca que substituiu seu rosto dias depois dessa surra. Ela foi à caixa de correio e abriu o envelope de remetente esquisito que continha uma bombinha caseira feita com resistência de chuveiro elétrico (aprendida com os delinqüentes do colégio). Seu terror ante o estrondo da explosão, seus gemidos pungentes, seus gritos excruciantes, seus dedos chamuscados e sangrando, seu tremelique generalizado de pavor foram imagens fantásticas que imitadores de Hieronymus jamais conseguirão pintar. Ser mãe é perecer no paraíso. Ser filho é vingar-se sem aviso.

Sobre o período tempestuoso e cheio de pruridos que é a adolescência, a verdade é que o espaço é curto para narrar os incidentes dignos de nota envolvendo mamã. Joaninhas e escaravelhos na calçola, pó-de-mico no sutiã, pedra de carbureto na privada, percevejos no bidê, massacre de petúnias, trocar o creme Avon por cera Grand Prix, tantas lembranças.

Hoje, acredito que nosso relacionamento tenha poucas diferenças em relação a outras pessoas da classe média. Cubro-a de pancadas se, após uma lavagem de roupas, minha melhor camisa, de brim da Tunísia, aparece com uma nódoa fatal. Se estou puto com estorvos do trabalho, desconto nela, reclamando da catinga de seu perfume cópia barata de almíscar e dizendo que está velha, gorda e que foi burra demais por ter casado com um preto. Se estou de bom humor, bebo Dreher e ameaço largá-la em um asilo decadente que picota idosos para fazer vatapá ou risoto, só para me divertir com as reações dela ao escutar tal despropósito. Quando a bruaca chegar à hora final, pretendo transformá-la em um suntuoso tapete semelhante aos de pele de tigre.

* * *

Ok, terminada essa ficção delirante, digo: valeu, mãe, por me aturar esse tempo todo! E obrigado por não ter me arremessado pela janela do condomínio (até porque nunca moramos em um), como fizeram recentemente por aí. Um abraço.