domingo, 13 de janeiro de 2019

Espaço


Trechos de Sete Breves Lições De Física (2014), de Carlo Rovelli.



A ARQUITETURA DO COSMO

Na primeira metade do século XX, Einstein descreveu a trama do espaço e do tempo com a teoria da relatividade, enquanto Bohr e seus jovens amigos capturaram em equações a estranha natureza quântica da matéria. Na segunda metade do século XX, os físicos trabalharam a partir desses fundamentos, aplicando as duas novas teorias aos mais variados domínios da natureza: do macrocosmo da estrutura do universo ao microcosmo das partículas elementares.

Representação do cosmo como foi concebido durante milênios: embaixo a Terra, em cima o Céu. A primeira grande revolução científica, realizada 26 séculos atrás por Anaximandro, que tentou compreender como é possível que o Sol, a Lua e as estrelas girem ao nosso redor, substitui essa imagem do cosmo por esta outra:

Agora o Céu está totalmente ao redor da Terra, não somente acima, e a Terra é um grande seixo que flutua suspenso no espaço, sem cair. Alguém (talvez Parmênides, talvez Pitágoras) não demora a perceber que a forma mais razoável para esta Terra que voa, para a qual todas as direções são iguais, é uma esfera, e Aristóteles descreve argumentos científicos convincentes para confirmar a esfericidade da Terra e dos céus em torno da Terra, nos quais correm os astros celestes.

[...] É o cosmo descrito por Aristóteles em seu livro Sobre o Céu, e a imagem do mundo que permanecerá característica das civilizações em torno do Mediterrâneo, até o fim da Idade Média. É essa imagem do mundo que Dante estuda na escola.

O salto seguinte é dado por Copérnico, inaugurando aquela que é chamada a grande revolução científica. O mundo de Copérnico não é muito diferente do de Aristóteles.

Mas há uma diferença fundamental: retomando uma ideia já considerada na Antiguidade [por Aristarco de Samos], e depois abandonada, Copérnico compreende e mostra que nossa Terra não está no centro da dança de planetas, e sim o Sol. Nosso planeta se torna um como os outros. Gira em grande velocidade sobre si mesmo e em torno do Sol.

O avanço do conhecimento não se detém. Nossos instrumentos logo se aperfeiçoam, e aprendemos que o sistema solar não é senão um entre muitíssimos, e que nosso Sol é simplesmente uma estrela como as outras. Um grãozinho infinitesimal em uma imensa nuvem de estrelas, formada por 100 bilhões de estrelas, a Via Láctea.

Mas, por volta dos anos 1930, as medições precisas feitas pelos astrônomos das distâncias de nebulosas espirais - nuvenzinhas esbranquiçadas entre as estrelas - mostram que também a Via Láctea, por sua vez, não é mais do que um grão de poeira em uma imensa nuvem de galáxias, centenas de bilhões de galáxias, que se estendem a perder de vista até onde os mais potentes dos nossos telescópios conseguem alcançar. Agora o mundo se tornou uma extensão uniforme e ilimitada. A figura que se segue não é um desenho: é uma fotografia tirada pelo telescópio Hubble, em órbita da Terra, que mostra a imagem do céu mais profundo que conseguimos ver com o mais potente dos nossos telescópios. A olho nu, seria um pedacinho extremamente pequeno de um céu onde nada parece existir. Ao telescópio, parece uma poeira de galáxias muito distantes. Cada pontinho e mancha nessa imagem é uma galáxia com cerca de 100 bilhões de sóis semelhantes ao nosso. Há poucos anos, vimos que a maior parte desses sóis têm planetas ao seu redor. Portanto, no universo existem milhares de bilhões de bilhões de planetas como a Terra.

Mas essa uniformidade ilimitada, por sua vez, é apenas aparente. Como ilustrei na primeira lição, o espaço não é plano, é curvo. A própria trama do universo, salpicada de galáxias, devemos imaginá-la movida por ondas semelhantes às ondas do mar, às vezes tão agitadas a ponto de criar os vazios que são os buracos negros. Voltemos então às imagens desenhadas, para representar este universo sulcado por grandes ondas.

E, por fim, hoje sabemos que este cosmo imenso, elástico e constelado de galáxias cresceu por 13,7 bilhões de anos, emergindo de um ponto muito quente e denso. Para representar essa visão, já não devemos desenhar o universo, e sim desenhar a história inteira do universo.

O universo nasce como uma bolinha e depois se expande até suas atuais dimensões cósmicas.

Há mais alguma coisa? Havia algo antes? Talvez sim. Existem outros universos semelhantes, ou diferentes? Não sabemos.

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Que lugar temos nós, seres humanos que percebem, decidem, riem e choram, neste grande afresco do mundo que a física contemporânea oferece? Se o mundo é um pulular de efêmeros quanta de espaço e de matéria, um imenso jogo de encaixe de espaço e partículas elementares, o que somos nós? Também somos feitos apenas de quanta e de partículas? Mas, então, de onde vem aquela sensação de existir singularmente e em primeira pessoa, que cada um de nós experimenta? Então o que são os nossos valores, os nossos sonhos, as nossas emoções, o nosso próprio saber? O que somos nós, neste mundo imenso e rutilante?

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"Nós", seres humanos, somos antes de mais nada o sujeito que observa este mundo, e autores, coletivamente, desta fotografia da realidade que tentei compor. Somos laços de uma rede de trocas, da qual este livro é uma pecinha, em que nos transmitimos imagens, instrumentos, informações e conhecimento. Mas, do mundo que vemos, somos também parte integrante, não somos observadores externos. Estamos situados nele. Nossa perspectiva dele se origina de dentro. Somos feitos dos mesmos átomos e dos mesmos sinais de luz trocados entre os pinheiros nas montanhas e as estrelas nas galáxias.

À medida que nosso conhecimento cresceu, fomos aprendendo cada vez mais esta noção de sermos parte, e pequena parte, do universo. Isso aconteceu já nos séculos passados, mas cada vez mais no último século. Pensávamos estar sobre o planeta no centro do cosmo, e não estamos. Pensávamos ser uma raça à parte, na família dos animais e das plantas, e descobrimos que somos descendentes dos mesmos genitores de que descende qualquer outro ser vivo ao nosso redor. Temos tataravós em comum com as borboletas e com os pinheiros. Somos como um filho único que cresce e aprende que o mundo não gira somente ao seu redor, como ele pensava quando era pequeno. Ele deve aceitar ser um entre os outros. Ao nos espelharmos nos outros e nas outras coisas, aprendemos quem somos.

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No mar imenso de galáxias e de estrelas, somos um infinitesimal cantinho perdido; entre os infinitos arabescos de formas que compõem o real, não somos mais do que um rabisco entre muitos outros.

As imagens que construímos do universo vivem dentro de nós, no espaço dos nossos pensamentos. Entre essas imagens - entre aquilo que conseguimos reconstruir e compreender com nossos meios limitados - e a realidade da qual somos parte existem filtros incontáveis: nossa ignorância, a limitação dos nossos sentidos e da nossa inteligência, as próprias condições que nossa natureza de sujeitos, e sujeitos particulares, submete à experiência. [...] Aquilo que aprendemos a conhecer, embora devagar e tateando, é o mundo real de que somos parte. As imagens que construímos do universo vivem dentro de nós, no espaço dos nossos pensamentos, mas descrevem mais ou menos bem o mundo real do qual somos parte.

Quando falamos do Big Bang ou da estrutura do espaço-tempo, o que estamos fazendo não é a continuação dos relatos livres e fantásticos que os homens contavam em torno da fogueira nas noites de centenas de milênios atrás. É a continuação de outra coisa: do olhar daqueles mesmos homens, às primeiras luzes da alvorada, buscando em meio à poeira da savana os rastros de um antílope - observar os detalhes da realidade para deduzir deles aquilo que não vemos diretamente, mas cujos indícios podemos seguir.

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A imagem científica do mundo, que descrevi nestas páginas, não está, portanto, em contradição com o nosso sentir a nós mesmos. Não está em contradição com o nosso pensar em termos morais, psicológicos, com nossas emoções e nosso sentimento. O mundo é complexo, nós o capturamos com linguagens diversas, apropriadas para os diversos processos que o compõem.

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Nossos valores morais, nossas emoções, nossos amores não são menos verdadeiros pelo fato de fazerem parte da natureza, de serem compartilhados com o mundo animal ou por haverem crescido e terem sido determinados ao longo dos milhões de anos da evolução de nossa espécie. Ao contrário, são mais verdadeiros por isto: são reais. São a complexa realidade de que somos feitos. Nossa realidade são o pranto e o riso, a gratidão e o altruísmo, a fidelidade e as traições, o passado que nos persegue e a serenidade. Nossa realidade é constituída pelas nossas sociedades, pela emoção da música, pelas ricas redes entrelaçadas do nosso saber comum, que construímos juntos. Tudo isso é parte daquela mesma natureza que descrevemos. Somos parte integrante da natureza, somos natureza, em uma de suas inumeráveis e variadíssimas expressões. É isso que nosso conhecimento crescente das coisas do mundo nos ensina.

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Quem sabe quantas e quais outras extraordinárias complexidades, em formas que talvez até nem possamos imaginar, existem nos ilimitados espaços do cosmo... Há tanto espaço lá em cima, que é pueril pensar que neste cantinho periférico de uma galáxia das mais banais exista algo especial. A vida na Terra é apenas uma amostra do que pode suceder no universo. Nossa alma não é senão outra amostra.

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Nascemos e morremos como nascem e morrem as estrelas, tanto individual quanto coletivamente. Essa é nossa realidade. Para nós, justamente por sua natureza efêmera, a vida é preciosa. Porque, como escreve Tito Lucrécio, "nosso apetite de vida é voraz, nossa sede de vida, insaciável" (De Rerum Natura, III, 1084).

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Somos feitos da mesma poeira de estrelas de que são feitas as coisas, e quer quando estamos imersos na dor, quer quando rimos e a alegria resplandece, não fazemos mais do que ser aquilo que não podemos deixar de ser: uma parte do nosso mundo.

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À beira daquilo que sabemos, em contato com o oceano do desconhecido, reluzem o mistério e a beleza do mundo.


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