domingo, 1 de outubro de 2017

O terror

Adeus às Armas Trechos de O Terror (1917), de Arthur Machen.


Depois de dois anos, voltamo-nos mais uma vez para as notícias matutinas com uma sensação de apetite e alegre expectativa. Houve emoções no início da guerra; a emoção do horror e de um destino que parecia ao mesmo tempo inacreditável e certo. Isso se deu quando Namur sucumbiu e as hostes alemãs invadiram como cheia os campos franceses e se acercaram muito perto dos muros de Paris. Depois sentimos a emoção do júbilo quando chegou a boa notícia de que a medonha maré havia recuado, que Paris e o mundo estavam salvos, ao menos por algum tempo.

Assim, durante dias, aguardamos outras notícias tão boas como essa, ou melhores. Foi o general von Kluck cercado? Hoje não, talvez amanhã sim. No entanto, os dias se tornaram em semanas, as semanas se prolongaram em meses; a batalha do Ocidente parecia paralisada. De vez em quando, faziam-se coisas que pareciam esperançosas, com a promessa de acontecimentos ainda melhores. Mas Neuve Chapelle e Loos se reduziram a desapontamentos à medida que se contavam histórias a seu respeito; as formações em linha no Ocidente permaneceram, para todos os propósitos práticos de vitória, imobilizadas. Nada parecia acontecer, nada havia para ler, exceto o registro das operações, que eram claramente fúteis e insignificantes. As pessoas se perguntavam qual era o motivo dessa inação. Os esperançosos diziam que Joseph Joffre tinha um plano, que ele estava "cauteloso"; outros declaravam que estávamos sem munição; outros, mais uma vez, que os novos recrutas ainda não estavam prontos para a batalha. De modo que os meses passaram, e quase dois anos de guerra se haviam completado quando a inerte linha de frente inglesa começou a se mexer e estremecer como se despertasse de um longo sono, e começou a avançar, esmagando o inimigo.

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O segredo da longa inação do exército britânico foi bem mantido. De um lado, foi rigorosamente protegido pela censura, que severa, e às vezes severa a ponto da absurdidade - "o capitão e os (...) partem", por exemplo -, tornou-se, em especial nesse aspecto, feroz.

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Devo ter dado a entender que o antigo ofício do boato não existe mais. A mim me farão lembrar da estranha lenda dos "russos" e da mitologia dos "anjos de Mons". Mas gostaria de observar, em primeiro lugar, que a ampla divulgação desses dois disparates dependeu dos jornais. Se não existissem jornais ou revistas, russos e anjos teriam feito apenas uma breve e vaga aparição das mais obscuras - alguns poucos teriam sabido deles, nem tantos desses poucos teriam acreditado neles, deles se teriam falado por uma ou duas semanas e, desse modo, teriam desaparecido.

E depois, mais uma vez, o próprio fato de que por um tempo se acreditou nesses boatos fúteis e nessas histórias fantásticas foi fatal para a credibilidade de qualquer rumor que tivesse se espalhado pelo país. As pessoas botaram fé duas vezes; viram indivíduos sérios, homens de boa reputação, pregar e preconizar os notáveis procedimentos que haviam salvado o exército britânico em Mons, ou testemunharam trens, repletos de russos de casacos cinzas, atravessarem o país a altas horas da noite; e agora havia um sinal de algo mais espantoso do que qualquer uma das lendas desacreditadas. Mas dessa vez não havia uma palavra sequer de confirmação nos jornais diários ou semanários, ou nas revistas paroquiais, de modo que os poucos que souberam riram-se ou, sendo sérios, foram para casa e fizeram algumas anotações para ensaios sobre "A psicologia do tempo de guerra: delírios coletivos".

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Minha curiosidade havia, de algum modo, sido despertada por um determinado parágrafo relativo a um "Acidente fatal com conhecido piloto-aviador". A hélice do avião havia sido despedaçada, aparentemente numa colisão com um bando de pombos. As pás haviam sido quebradas e o motor caíra como chumbo na terra. E, logo após ter lido essa notícia, tomei conhecimento de algumas circunstâncias bastante estranhas relacionadas a uma explosão numa grande fábrica de munições num condado do centro da Inglaterra. Pensei na possibilidade de haver uma conexão entre os dois diferentes acontecimentos.

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Sem dúvida, as pessoas pensavam, as restrições e as proibições do governo só podiam se referir à guerra, a um grande perigo relacionado à guerra. E, sendo assim, resultava que as atrocidades, que deveriam permanecer em segredo, eram obra do inimigo, ou seja, de agentes alemães disfarçados.

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Bem, eu disse que as pessoas desse distante condado ocidental se deram conta não só de que a morte se espalhava por todas as suas tranquilas veredas e sobre suas colinas serenas mas também de que, por algum motivo, tinha de ser mantida em segredo. Os jornais não publicavam qualquer notícia a respeito, os próprios jurados encarregados de investigá-la não estavam autorizados a realizar qualquer investigação. Desse modo, concluiu-se que este véu de segredo devia estar, de algum modo, relacionado à guerra; e, a partir dessa posição, não se estava muito longe de fazer mais uma inferência: a de que os assassinos de homens e mulheres inocentes eram alemães ou agentes da Alemanha. Era típico dos alemães, todos concordavam, cogitar tal plano diabólico; e eles sempre cogitaram planos com antecipação. Esperavam tomar Paris em poucas semanas, mas, quando foram derrotados no Marne, já estavam preparados para abrir trincheiras no Aisne: tudo havia sido pensado anos antes da guerra. E portanto, sem dúvida, conceberam esse terrível plano contra a Inglaterra, para o caso de não conseguirem derrotar os ingleses em combates abertos: havia pessoas preparadas, muito provavelmente em todo o país, dispostas a matar e destruir em toda parte assim que recebessem a notícia. Dessa maneira os alemães tinham a intenção de semear o terror em todo o território inglês e encher nossos corações de pânico e desalento, na esperança de assim enfraquecer o inimigo no próprio país para que perdesse toda a disposição de lutar na guerra no exterior. Era a ideia do Zepelim, sob outra forma; cometiam essas atrocidades horríveis e misteriosas pensando em nos apavorar até chegarmos à loucura completa.

Tudo parecia bastante plausível. A Alemanha havia, nessa época, perpetrado tantos horrores e havia se sobressaído de tal maneira em engenhosidades diabólicas que nenhuma abominação parecia demasiado abominável para ser improvável, ou demasiado perversa para estar além da desonesta malignidade dos alemães. Mas, então, surgiram as questões de quem seriam os agentes desse terrível plano, de onde teriam vindo, de como conseguiriam se movimentar despercebidos de um campo para outro, de uma vereda para outra.

Fizeram-se tentativas de todos os tipos para esclarecer essas questões, mas pressentia-se que permaneciam não esclarecidas. Alguns sugeriram que os assassinos chegaram de submarino, ou voaram de esconderijos na costa oeste da Irlanda, chegando e partindo à noite. Havia, porém, impossibilidades flagrantes nessas duas sugestões. Todos concordavam que os atos malignos eram, sem dúvida, obra da Alemanha, mas ninguém era capaz de ter uma ideia de como foram perpetrados. Alguém no clube perguntou a Remnant qual era sua teoria.

- A minha teoria - disse essa pessoa sincera - é que o progresso humano é apenas uma longa marcha de uma coisa inconcebível a outra. Veja, por exemplo, aquele nosso avião que sobrevoou Porth ontem: dez anos atrás, esta seria uma visão inconcebível. Tome, como exemplo, a máquina a vapor, a impressão, a teoria da gravidade: eram todas inconcebíveis até que alguém pensou nelas. De modo que é, sem dúvida, dessa trapaçaria infernal que estamos falando: os alemães a encontraram, e nós não; aí é que está. Não conseguimos conceber como as pobres dessas pessoas foram assassinadas, porque para nós o método é inconcebível.

O clube ouviu este elevado argumento com uma certa estupefação. Depois que Remnant se retirou, um membro disse:

- Eis um homem extraordinário.

- Sim - retrucou o dr. Lewis. - Perguntaram-lhe se ele sabia de alguma coisa. E a resposta dele de fato se resumiu a: - Não, não sei. Mas nunca ouvi isso ser tão bem colocado.

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- Estamos vivendo sob um reino de terror. Chega a este ponto.

- Mas o que é que você quer dizer com isso?

- Bom, acho que para você eu posso contar, sei disso. Não é muita coisa. Achei que era melhor nem escrever. Mas você sabe que em toda fábrica de munições, em Midlingham, e nas cercanias de todas elas, há uma guarda de soldados com baionetas e rifles carregados dia e noite? Homens com bombas também. E metralhadoras nas fábricas maiores.

- Espiões alemães?

- Lewis, ninguém usa armas para lutar contra espiões. Nem bombas. Nem um pelotão de homens. Acordei ontem de noite. Era a metralhadora na fábrica de veículos militares de Benington. Disparando como fúria. E depois bangue! Bangue! Eram as granadas.

- Mas contra o quê?

- Ninguém sabe.

- Ninguém sabe o que está acontecendo - Merritt repetiu, e prosseguiu descrevendo a perplexidade e o terror que pairavam como nuvens sobre a grande cidade industrial no centro da Inglaterra, de que modo o sentimento de encobrimento, de algum intolerável perigo secreto que não deveria ser nomeado, era o que havia de pior. - Um sujeito jovem que conheço - disse ele - tinha recebido uma breve dispensa da frente de combate e passou o período de licença com os familiares em Belmont, que fica a uns seis quilômetros de Midlingham, como você sabe. Ele me disse: "Graças a Deus que estou voltando amanhã. É tolice dizer que as linhas de entrincheiramento de Wipers são agradáveis, porque não são. Mas é uma vista melhor do que esta aqui. Na frente de batalha pelo menos você sabe contra o que está lutando." Em Midlingham todo mundo tem a sensação de que está contra uma coisa horrível mas não sabe o que é. É isso que faz as pessoas se disporem ao boato. Há terror no ar.

Merritt traçou uma espécie de retrato da grande cidade se encolhendo de medo de um perigo desconhecido.

- As pessoas têm medo de sair sozinhas à noite nos arredores. Reúnem-se em grupos nas estações para ir para casa juntas, se já está escuro ou se há trechos desolados no caminho.

- Mas por quê? Não entendo. Do que é que têm medo?

- Bom, eu lhe contei que acordei uma noite com os disparos das metralhadoras na fábrica de veículos militares, e com as bombas explodindo e fazendo um barulho terrível. Esse tipo de coisa assusta a gente, você sabe. É uma coisa natural.

- De fato, deve ser assustador. Você quer dizer então que há uma atmosfera de nervosismo geral, uma vaga espécie de apreensão que leva as pessoas a se juntarem?

- Tem isso, e tem mais. Tem gente que partiu e nunca mais voltou.

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As pessoas que acham que Llandudno é superpovoada e que Colwyn Bay é demasiado selvagem, vermelha e nova, vêm, ano após ano, à plácida cidade velha no sudoeste e apreciam sua tranquilidade. E, como digo, ali se divertiram da mesma forma no verão de 1915. De vez em quando, davam-se conta, assim como o sr. Merritt se deu conta, de que não podiam perambular tal como no passado costumavam fazê-lo. Mas aceitavam as sentinelas, os guardas costeiros, as pessoas que educadamente salientavam as vantagens de ver uma vista deste e não daquele lugar, como consequências necessárias da horrenda guerra em curso. Mais ainda, como disse um homem de Manchester, depois de ter sido impedido de realizar seu passeio preferido até Castell Coch, era confortador pensar que fossem tão bem protegidos.

- Tanto quanto percebo - acrescentou -, não há nada que impeça a presença de um submarino perto de Ynys Sant e o desembarque de meia dúzia de homens num barco desmontável em qualquer uma dessas pequenas enseadas. E faríamos papel de bobos, não é mesmo, ao cair com a garganta cortada em cima da areia; ou ao ser transportados para a Alemanha no submarino? - Deu ao guarda costeiro meia coroa. - Está certo, camarada - disse -, você nos dá o palpite.

Agora, eis algo estranho. O homem do norte da Inglaterra pensava em submarinos e incursores alemães ardilosos; o guarda costeiro tinha simplesmente recebido instruções para manter as pessoas longe dos campos de Castell Coch, sem um motivo alegado. E não há dúvida de que as próprias autoridades, embora tivessem demarcado os campos como uma "zona de terror", deram as ordens no escuro e elas mesmas se achavam profundamente no escuro quanto à forma da matança lá ocorrida. Pois, se tivessem compreendido o que acontecera, teriam compreendido também que as restrições eram inúteis.

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O cabo deu rispidamente uma ordem por cima do ombro e o ruído metálico tilintou quando os homens encaixaram as baionetas e num instante se transformaram em assustadores concessionários da morte, em lugar dos inofensivos sujeitos que apreciavam uma cerveja.

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Não seria prudente, mesmo agora, descrever com minúcias as terríveis cenas que se viram nas áreas de munição do norte e do centro do país durante os meses sinistros do terror. Das fábricas saíam, na escura meia-noite, os cadáveres amortalhados em caixões, e seus próprios familiares não sabiam de que modo tinham morrido. Em todas as cidades, inúmeras casas observavam luto, inúmeras casas ressoavam rumores lúgubres e terríveis. Inacreditável, como a inacreditável realidade. Houve coisas feitas e sofridas que talvez jamais venham à luz, cujas recordações e tradições secretas serão murmuradas em famílias, transmitidas de pai para filho, tornando-se mais fantásticas com a passagem dos anos, mas nunca mais fantásticas do que a verdade.

Basta dizer que a causa dos aliados esteve, por algum tempo, em perigo mortal. Os homens na frente de batalha, no extremo da adversidade, pediam armas e bombas. Ninguém lhes contou o que estava ocorrendo nos lugares em que essas munições eram fabricadas. No princípio, a situação era simplesmente desesperadora. Homens em altos postos estavam quase propensos a gritar "misericórdia" para o inimigo. Após o pânico inicial, porém, tomaram-se medidas, como as descritas por Merritt em seu relato sobre o caso. Os operários estavam de posse de armas especiais, guardas estavam a postos, metralhadoras foram colocadas estrategicamente, bombas e líquidos inflamáveis estavam prontos para ser lançados contra as obscenas hordas inimigas, e as "nuvens ardentes" se defrontaram com um fogo mais feroz do que o delas mesmas. Muitas mortes ocorreram entre os pilotos-aviadores. Mas também eles dispunham de armas especiais, armas que disseminavam chumbo de modo a afastar os voos sinistros que ameaçavam os aviões.

E então, no inverno de 1915-1916, o terror cessou tão subitamente quanto começou.


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Gustav Meyrink
H.P. Lovecraft
http://www.youtube.com/watch?v=G0KQYHJ6K_s