domingo, 9 de fevereiro de 2014

Tempos modernos

Trechos de Tempos Modernos (1984), do historiador Paul Johnson.


O que matou a ideia de um progresso ordenado, em oposição a um anárquico, foi uma enorme quantidade de arbitrariedades perpetradas por uma Europa civilizada durante os quatro anos anteriores. Não havia dúvidas de que tivesse havido uma degeneração moral inimaginável e sem precedentes para quem quer que analisasse os fatos.

- - -
No começo da guerra, cada beligerante perscrutava seus oponentes e aliados, com a esperança de poder imitar certos aspectos da administração governamental e da intervenção na economia da guerra. Os setores capitalistas não fizeram objeção alguma a isso, tranquilizados por lucros altíssimos e também inspirados, sem dúvida, pelo sentimento de patriotismo. O resultado foi uma expansão qualitativa e quantitativa do papel do Estado, que nunca foi revertida totalmente - porque, embora disposições de guerra fossem algumas vezes abandonadas no período de paz, em quase todos os casos elas eram adotadas novamente, às vezes para sempre.

- - -
A velocidade impressionante com que o Estado moderno podia se expandir, o apetite inesgotável que, consequentemente, desenvolveu, não só para a destruição dos inimigos mas também para o exercício do poder despótico sobre seus cidadãos, foram evidenciados pela guerra. Com o término desta, havia um grande número de homens sensíveis que compreendera a gravidade desses acontecimentos.

- - -
Não passa de um mito a afirmação de que a juventude europeia foi cruelmente sacrificada por uma era cínica e egoísta. [...]

E, na verdade, o que a juventude queria era a guerra. A primeira "geração jovem" mimada dirigiu-se cheia de entusiasmo para uma guerra aceita com horror ou com desespero fatalista pelos seus pais. Entre a juventude articulada da classe média, essa era a guerra mais popular da história, pelo menos no princípio. [...]

Mas já no inverno de 1916-17, a volúpia da guerra havia se esgotado. Como a luta se prolongasse indefinidamente, a juventude ensanguentada e desiludida virou-se contra os mais velhos com desprezo e ódio. Em todas as trincheiras se falava em acertar as contas com "políticos culpados", com a "velha gangue". Em 1917 e mais ainda em 1918 todos os regimes beligerantes (exceto somente os Estados Unidos) sentiram-se encurralados quase à destruição, o que explica o crescente desespero e a selvageria com que combateram.

- - -
Muitas das promessas feitas na guerra eram incompatíveis mutuamente, além de contradizerem os tratados secretos ainda em vigor. Durante os dois últimos anos de luta desesperada, os britânicos e os franceses, inconsequentemente, doaram propriedades que ultrapassavam suas disponibilidades, e essas doações não poderiam de maneira alguma ser honradas na hora da paz. Alguns desses cheques pré-datados foram escandalosamente devolvidos por falta de fundos.

- - -
Há verdade na observação do historiador Fritz Stern de que a Grande Guerra marcou o início de um período de violência sem precedentes e começou com efeito uma Guerra dos Trinta Anos, com 1919 significando a continuação da guerra por diferentes meios. É claro que, em certo sentido, as calamidades da época eram globais, e não continentais. A cepa de vírus da gripe de 1918-1919, uma pandemia que matou quarenta milhões de pessoas na Europa, Ásia e América, não se limitou às áreas de guerra, embora tenha sido mais difícil para elas.

- - -
O Tratado de Versalhes, procurando englobar os princípios de autodeterminação, na verdade criou mais minorias inflamadas (muitas eram de alemães ou húngaros), equipadas com mágoas genuínas.

- - -
Era de se esperar as perturbações na Europa e no mundo após o choque sísmico da Grande Guerra e de sua paz insatisfatória. A antiga ordem desapareceu. E não poderia ser restaurada, talvez jamais. Uma nova ordem teria de surgir. Mas seria uma "ordem" no sentido compreendido pelo pré-1914?