quarta-feira, 14 de fevereiro de 2018

Hollywood

Trechos de Hollywood (1990), de Gore Vidal.


Enquanto Hearst acomodava-se numa poltrona de couro que parecia uma fortaleza, Blaise pegou o assim chamado "telegrama Zimmermann". Recebera uma cópia de fonte segura na Casa Branca, assim como Hearst, aparentemente. O telegrama fora transmitido secretamente de Londres para o Presidente Wilson no sábado, 24 de fevereiro de 1917. Se autêntico, o telegrama do ministro do Exterior alemão, Arthur Zimmermann, para o embaixador alemão no México, um país havia algum tempo mais ou menos em guerra com os Estados Unidos, acabaria de uma vez por todas com a neutralidade dos Estados Unidos. Blaise suspeitava de que o telegrama fosse obra do Ministério do Exterior britânico. O tom ousado era o tipo de coisa que apenas um país desesperado, perdendo uma guerra, engendraria para assustar os Estados Unidos e fazê-los vir em seu socorro.

- Meus espiões dizem que o telegrama estava de molho em Londres desde o mês passado, o que significa que foi escrito lá, se é que não começou primeiro aqui. - Hearst tirou sua cópia de um bolso e leu em sua voz alta e fina: - "Pretendemos começar em 1º de fevereiro uma guerra submarina irrestrita." - Ergueu os olhos. - Bom, esta parte é verdade, os alemães estão realmente nos martelando, afundando todos os navios que encontram entre os Estados Unidos e a Europa. Burrice deles, sabe? A maioria dos americanos não deseja a guerra. Eu não quero a guerra. Sabia que Bernstorff foi amante da Sra. Wilson?

O Chefe tinha o desconcertante hábito de mudar de um assunto a outro sem qualquer ligação perceptível; no entanto, com frequência havia algum elo misterioso juntando suas divagações desencontradas. Blaise realmente ouvira o boato de que o embaixador alemão e a viúva Sra. Galt, como a Sra. Wilson era conhecida um ano antes, tinham sido amantes. Mas Washington não era apenas a "cidade das conversas" de Henry James, mas a cidade dos mexericos fantásticos de Hearst.

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O Presidente recebera o apoio inesperado de seus secretários da Guerra e da Marinha; ambos declararam que os Estados Unidos deveriam deixar que a Alemanha se apoderasse da Europa e então, no futuro, toda a raça branca unir-se-ia contra as hostes amarelas, lideradas pelo Japão.

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Hearst inclinou a cabeça, e Trimble disse:

- Acabamos de receber um relatório sobre o que o Presidente vai dizer ao Congresso...

- Guerra? - Hearst endireitou-se na cadeira.

- Não, senhor. Mas ele vai pedir neutralidade armada...

- Estado de alerta... - suspirou Hearst. - Paz sem vitória. Uma liga mundial das nações com o Sr. Wilson na Presidência. Autodeterminação para todos.

- Bom, ele não fala isto tudo neste discurso - fez Trimble, antes de retirar-se.

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Blaise sabia; todos sabiam. Hearst preparava-se para concorrer novamente ao governo do estado de Nova York, ou à prefeitura da cidade de Nova York, ou à Presidência em 1920. Ainda tinha um número imenso de seguidores, principalmente entre os assim chamados de dupla nacionalidade: germano-americanos e irlandeses-americanos, inimigos da Inglaterra e de seus aliados.

- Viu Os Perigos de Pauline? - perguntou.

- Vi vários episódios. Ela é muito bonita, a Srta. Pearl White, e sempre em ação.

- É por isso que eles são chamados de imagens em movimento. - Hearst mostrava-se professoral. - Ela tem que ficar fugindo do perigo, senão a plateia vai começar a fugir do cinema. Sabe, neste negócio de guerra, sou a favor de ficarmos de fora, tanto quanto você é a favor de entrarmos. Mas vou dizer uma coisa: se o povo realmente quiser a guerra, então vou concordar. Afinal, é o povo que vai ter que lutar nela, não eu. Vou pedir um plebiscito nacional, fazer todo mundo votar, sabe como é? Querem lutar pela Inglaterra e pela França contra seu próprio povo, os alemães e os irlandeses?

Blaise riu.

- Acho que não vão deixar você colocar a pergunta assim.

Hearst grunhiu.

- Bom, sabe o que quero dizer. Não existe um apoio de verdade. Sei disso muito bem: tenho oito jornais, da Califórnia a Nova York. Mas claro que é tarde demais. A coisa já foi muito longe. Vamos mesmo entrar na guerra. Então a Inglaterra vai desmoronar. Depois os alemães virão aqui, ou tentarão. Já pensou nas bandeiras?

Hearst extraiu de seu enorme bolso lateral um exemplar do New York American. Na primeira página havia bandeiras em vermelho-branco-azul, assim como várias estrofes do hino nacional.

- Bonito, não é?

- Muito patriótico.

- A ideia é essa mesma. Estou ficando cansado de ser chamado de pró-Alemanha. De qualquer maneira, estou prestes a começar uma empresa de cinematógrafo, e gostaria que você entrasse comigo.

Blaise adaptou-se a essa nova mudança com admirável sangue-frio, segundo ele próprio achou.

- Mas não entendo nada de filmes.

- Ninguém entende. Isto é que é maravilhoso.

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- Seu tio, o Rei Theodore, como Henry Adam o chama, clama pela guerra.

- Tio Ted é, às vezes, enfático demais, até mesmo para nós.

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- Ah, ele pode fazer isso se quiser. Pode chamar de "necessidade militar", como Lincoln fez.

- Lincoln! Guerra! - A Sra. Bingham estava nas nuvens. - Eu ainda não era nascida, é claro - mentiu. - Mas sempre quis viver uma guerra. Estou falando de uma guerra de verdade, não aquela bobagem espanhola.

- Acho que é só isto que todos querem. - Caroline não estava alegre. - Viver numa guerra.

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Burden impressionou-se com a tranquilidade da Casa Branca. Não havia sinal de qualquer emergência. Viam-se alguns políticos mostrando os aposentos oficiais a amigos. Naturalmente os escritórios da administração ficavam em outra ala, no lado oeste, e embora nos escritórios os telefones nunca parassem de tocar, não havia, até então, aquela tensão que ele recordava dos tempos de McKinley e da guerra espanhola.

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- Sempre achei que o senhor perdeu a oportunidade, se é a guerra que deseja, quando os alemães afundaram o Lusitania e tantas vidas americanas se perderam. Naquele dia o público estava preparado para isso.

- Porém - Wilson foi frio - eu não estava. Era cedo demais. Não estávamos, não estamos preparados.

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- Chegou a hora. O senhor não pode esperar muito tempo mais. A imprensa está agindo: a pequena e corajosa Bélgica, as freiras estupradas, as criancinhas devoradas. O boche é o demônio. Se deve haver guerra, preparados ou não, a hora é esta.

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- Tentei... creio que com absoluta sinceridade, mas quem pode conhecer o coração humano, principalmente o seu próprio? Tentei ficar fora desta guerra incrivelmente estúpida e desnecessária, que nos tornou de repente, graças à falência da Inglaterra, a nação mais rica do planeta. Uma vez armados, nenhum poder poderá nos segurar. Mas, uma vez armados, será que algum dia nos desarmaremos? Você entende o meu... dilema, ou o que era um dilema até o kaiser me aprontar esta.

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- Eu tinha três anos de idade quando Lincoln foi eleito e a Guerra Civil começou - disse finalmente. Minha família sofreu muito pouco. Mas o que víamos em volta de nós, a amargura dos que perderam a guerra e a brutalidade dos vencedores... bem, nada disso me escapou.

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- Então, se a guerra for longa, e nos enfraquecermos, há o verdadeiro inimigo esperando por nós no Oriente: as raças amarelas, lideradas pelo Japão, prontas para nos dominar pela própria força dos números...

Edith Wilson entrou no quarto e acendeu as luzes, dissipando o ambiente apocalíptico. Ao levantar-se, Burden percebeu algumas obras de arte chinesas arrumadas em mesas e estantes, sem dúvida um lembrete bem a calhar das hordas de terror da Ásia.

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O pajé-guerreiro soltava agora seu feitiço definitivo: - É uma coisa terrível levar este povo grandioso e pacífico à guerra, à mais terrível e trágica de todas as guerras, em que a própria civilização parece estar em jogo. Mas o direito é mais precioso que a paz, e lutaremos pelas coisas que sempre trouxemos em nossos corações...

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- Imagino que vão diplomar todos os alunos de West Point e Annapolis um ano antes, por causa da guerra.

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- Estamos em guerra, Sr. Presidente. Lincoln suspendeu o habeas corpus, fechou jornais, e teremos que fazer o mesmo...

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- Se me permite dizer, acho um pouco cedo demais para falar como se já tivéssemos ganho a guerra, quando os alemães vêm destroçando os ingleses e ainda não fizemos muita coisa. Quero dizer, no campo de batalha.

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- Eu tinha a impressão de que a guerra agora é mais popular para o americano médio do que para mim. Apesar de todas as más notícias da França.

- Vai faltar carvão? - Burden fora convencido a fazer essa pergunta por vários senadores dos estados mineradores. - E o senhor vai... tomar alguma providência?

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Havia ainda no Congresso alguns populistas antiquados que acreditavam implicitamente na acusação de Trotski de que os Estados Unidos entraram na guerra para proteger os empréstimos de J. P. Morgan aos Aliados. O próprio Burden, em seus dias de demagogia, inclinava-se a essa opinião simples e brilhante.


Mais:
Woodrow Wilson (American Experience)
http://www.youtube.com/watch?v=Kkr3n3QF9yo
http://en.wikipedia.org/wiki/United_States_campaigns_in_World_War_I