domingo, 3 de dezembro de 2017

Brasil

Trechos de História Das Guerras (2006), volume organizado por Demétrio Magnoli.


(Luiz de Alencar Araripe)

Em 1914, os Estados Unidos já eram a maior potência econômica mundial e maior parceiro comercial do Brasil, permanecendo os britânicos como grandes investidores em estradas de ferro, usinas elétricas e indústria manufatureira. O bloqueio britânico redundou na perda da Alemanha como parceiro comercial, e a campanha submarina alemã tornou perigosas as águas da Europa, onde aconteceram quase todos os torpedeamentos de navios brasileiros. Ainda mais a construção de estradas de ferro foi interrompida e a taxa cambial caiu. Como contrapartida, a substituição de importações deu lugar ao nascimento de uma indústria de manufaturados.

As elites brasileiras, como as de toda a América do Sul, buscavam na França a literatura e a formação artística. Da Europa vinham, também, a manteiga e a moda, ternos e camisas feitos em Londres, por intermédio de representantes no Brasil. Na Vila Militar, no Rio de Janeiro, até hoje se podem ver as estruturas de metal e as telhas de ardósia vindas da França. Em Paris, sul-americanos ricos encontravam tudo, principalmente alegrias que nenhuma outra cidade pode dar iguais.

O café respondia por mais de 60% de nossas exportações, seguido de longe por minerais e produtos diversos. A economia brasileira estava bem à retaguarda da argentina. A opinião pública nacional recebeu bem a neutralidade proclamada pelo governo e nos primeiros anos da guerra não mostrou inclinação em favor de qualquer dos contendores. O jornalista Sidney Garambone acompanha a evolução do humor dos jornais do Rio de Janeiro, durante a Grande Guerra: de um neutralismo desinteressado para o alinhamento com os Estados Unidos.

Em 3 de abril de 1917, um navio mercante americano é torpedeado e os Estados Unidos rompem relações diplomáticas com a Alemanha. Nesse mesmo dia, outro navio mercante, este brasileiro, é torpedeado no canal da Mancha. Uma semana depois, o presidente Wenceslau Braz rompeu relações com a Alemanha, em solidariedade aos Estados Unidos e com fundamento na Doutrina de Monroe. Mais navios brasileiros são torpedeados, e em outubro é a vez do Macau, afundado ao largo da costa francesa. A indignação dos jornais e da opinião publica cresce. A 26 de outubro de 1917, o Congresso brasileiro decreta e o presidente sanciona resolução proclamando a existência de um estado de guerra entre o Brasil e o Império Alemão.

Santos Dumont, o Pai da Aviação, vai ao Palácio do Catete, sede do governo, oferecer seus conhecimentos profissionais e serviços. Em 1918, mais dois navios brasileiros são torpedeados nas costas da Europa.

A participação brasileira na guerra, modesta que foi, estendeu-se além da facilitação do uso de nossos portos por embarcações aliadas e a cessão à França de 30 navios alemães apreendidos. A 7 de maio de 1918, zarpou para Gibraltar, onde se reuniria à esquadra britânica, para participar da guerra anti-submarina, a Divisão Naval de Operações de Guerra, composta de dois cruzadores e cinco contratorpedeiros, um navio auxiliar e um rebocador, sob o comando do contra-almirante Pedro Max Fernando de Frontin. A Divisão só chegou a Gibraltar em novembro de 1918, retida que foi na costa africana pela terrível pandemia que foi a gripe espanhola.

Aviadores brasileiros combateram ao lado dos pilotos britânicos e franceses.

Oficiais do Exército serviram na Frente Ocidental, em unidades do Exército Francês.

Um deles, o tenente José Pessoa Cavalcanti de Albuquerque, como general, foi o grande reformador da Escola Militar de Realengo, criador da mística do cadete de Caxias. Oitenta e seis médicos, incluindo dezessete professores de Medicina, quase todos civis, comissionados oficiais, integraram a Missão Médica que partiu do Brasil a 18 de agosto de 1918 e até o fim da guerra trabalhou no hospital Franco-Brasileiro, mantido pelos brasileiros residentes em Paris.

O Brasil participou da Conferência de Paz, foi signatário do Tratado de Versalhes, membro da Liga das Nações e pretendeu ocupar uma vaga em seu Conselho de Segurança, pretensão que lhe foi negada. Antes mesmo de terminar, a Grande Guerra influenciou o Brasil no campo militar. O poeta, escritor e jornalista Olavo Bilac despertou o sentimento cívico e patriótico nacional, liderando a campanha que resultou na instituição do serviço militar obrigatório.

No governo do marechal Hermes da Fonseca, oficiais brasileiros, à semelhança de oficiais de outros exércitos, como o argentino e o chileno, foram mandados estagiar no Exército Alemão. Quando se levantou a hipótese de uma missão militar de instrução, a opção pelos alemães estava sobre a mesa. A vitória na Grande Guerra foi decisiva para a contratação da Missão Francesa. "Antes" e "depois" da Missão, diz-se, evidenciando seu marcante papel na modernização do Exército.

Em tempo de guerra, o patriotismo virulento e a xenofobia prosperam; e, com eles, a síndrome do espião. Na Europa e nos Estados Unidos, inocentes foram presos e espancados, por mera suspeita de espionagem. No Brasil, cartazes com tipos caricaturados por Raul, o Caruso da época, difundidos pelo governo eram severos.

- - -
Monteiro Lobato, de sua promotoria em Areias, em 1916, glosou a onda de paranóia que saltou da Europa para os Estados Unidos e respingou nessa longínqua parte das Américas. No seu delicioso conto O Espião Alemão, o personagem é identificado e detido pelos patrióticos moradores de Itaóca, uma Tarascon do vale do Paraíba. Uma escolta de bravos itaoquenses leva-o para o Rio de Janeiro, onde seria encontrado tradutor para a frase repetida pelo espião alemão:

"Ai éme inglix."

Frase denunciadora, não entendida pelo monsenhor Acácio, por se tratar de "alemão turíngio da baixa germanidade valona", como explicou o douto prelado. E o conto vai mais longe.


Mais:
http://historiacsd.blogspot.com.br/2012/05/por-rainer-sousa-participacao-do-brasil.html
Rui Barbosa
Olavo Bilac
http://oglobo.globo.com/historia/filhos-de-princesa-isabel-na-primeira-guerra-mundial-13308833
http://docs.google.com/file/d/1_lBiK3q0g8ft-amQp88IqJlmTI0zdKEG
http://en.wikipedia.org/wiki/Symphony_No._3_(Villa-Lobos)
http://www.youtube.com/playlist?list=PLrWPsj6fVbeUUvazDpma14NAEyQtKU69b