terça-feira, 31 de maio de 2011

Nossos japoneses são mais criativos

Se me perguntarem, considero-me mais sintonizado com o Japão que com o sertão de Inhamuns. Uma coleção de nomes evocativos, como se eu tivesse passeado por lá. Recordo Godzilla, Kamen Rider, biombo com desenho de árvore sakura, chapeuzinho do Raiden, máscaras kabuki, tempero Ajinomoto, Sega, motocas Honda, karaokê, Toshiba, portas corrediças de papel, quimonos, partidas de go, nunchakus, kendo, origami, tatuagens yakuza, bonsai, trem-bala, shamisen, gueixas de leque. Até a grande atriz Joan Fontaine, 5 meses mais nova que meu avô materno, nasceu em Tóquio.

Falo isso porque, na recente festa de aniversário do vô Antonino - 94 anos, artrítico viúvo resmungão bom de garfo e de copo, sobrevivente de: 2 enfartos, 1 ataque de jaguatirica, 1 queda de avião teco-teco, 1 tiro efetuado por jagunço, 1 alcatéia de bisnetos a implorar centavos e 1 noite de mingau de aveia com arsênico preparado por empregadinha ingrata -, encontrei, depois de anos e danos, o primo Gil. Ele virou sozinho 8 garrafas de cerveja e lembramos diversas histórias.

Teve a vez em que combinamos dar umas voltas com a turma de sempre pela Praia de Iracema. Na época, ele servia no Forte Schoonenborch, o mesmo em que esteve presa a Bárbara de Alencar. Fui esperá-lo na calçada em frente, enquanto reparava no desfile de turistas bonitas, as peles dum avermelhado de camarão. Circulavam, segurando contra o vento enormes mapas, registrando em vídeo a paisagem ou apenas conversando, famílias paulistanas, músicos de Bremen, freiras italianas, marinheiros noruegueses, mascates da Síria, estudantes de intercâmbio de Serra Leoa, antropólogos franceses e narcomilicianos da Colômbia - boinas com estrelinha, calças camufladas, coturnos - tirando férias da luta por justiça & paz. Uns cinco minutos e ele apareceu, do tamanho de uma sequóia, mochilão nas costas, cabelo cortado rente na cabeçorra de pitbull e camiseta com um discreto escudo do Exército no lado esquerdo do tórax. Cumprimentou-me com gíria de caserna.

Descíamos pela rua José Avelino, perto de onde funcionava a hoje extinta boate Mystical, a gaiola das loucas, quando topamos com um grupo de japoneses que rodopiavam, discutiam, apontavam para direções opostas. Perdidos. Provavelmente, adeptos de alguma filosofia de Não ser careta, de deixar-se levar pela magia do acaso nos labirintos das cidades estrangeiras ou babaquices do gênero. Camisas floridas, bermudas, bonés, sacolas, incansáveis máquinas fotográficas. Pensem num conjunto que era um estereótipo ambulante, fuzarca de desorientados.

Aproximamo-nos dos asiáticos e eles foram logo pedindo ajuda, informação. Hipótese, pois minha ignorância em relação ao idioma de Matsuo Basho e de Astro Boy era tão alta quanto a taxa de suicídios da terra do sumô. Falha na comunicação. Consegui entender, graças a uma imagem em folder rabiscado de caracteres kanji nervosamente cutucada por dedos indicadores, que eles queriam ir à praça Cristo Redentor. Dura peleja, gesticulamos aos visitantes que os acompanharíamos ao local desejado. O sacana do Gil, aproveitando-se da confusão babélica e tendo a certeza de sair impune, mandou a seguinte, com inexplicáveis trechos em inglês e artificial sotaque arretado:

- Tudo ok, ninja friends. Felicidades. Nós aqui de Fortaleza ser igual a vocês Nippon, também curtir very much acorrentar garotas dopadas e fazer fuk-fuk nelas. Banzai!

Vê se pode. Fiquei estático como um monte Fuji, pelo gosto duvidoso da brincadeira. Com um cenho franzido de quem tomou óleo de rícino ou foi presenteado com livro de crônicas do Arnaldo Branco. Os simpáticos samurais bebedores de saquê, sem compreender patavina do comentário, agradeciam com mesuras e inclinações de arigatô. Caminhamos resolutos, semelhantes a kamikazes rumo à proa de um encouraçado americano.