segunda-feira, 2 de maio de 2011

No país dos ianques

E aquela história de que é possível encontrar um cearense em cada canto do planeta? Bom, conheço a Kamile, que atualmente mora no Porto, entre fados e viúvas de Salazar. Tem o Chico Dalla, que se pirulitou para Osaka, no Japão. Tem o Markos, que passou uma temporada em Lincoln, Nebraska, cercado por gorros de guaxinim. Tem o Ricardo, que correu atrás de esquilos na cidade da Georgia (EUA) cujo nome não lembro. Tem a Jô, que se doutorou em Valladollid, na Espanha. Tem o Fernando, que foi fazer mestrado em Paris. Tem a Clícia, que foi participar de intercâmbio em Pequim. Tem o Carlos, que estuda idiomas em Amsterdã, Roterdã, Balangandã ou algo que o valha. Tem o Wladimir, que residiu durante um semestre em Bruxelas. Tem o Felipe, que trabalhava num hotel em Cancún e conferiu de perto o par de faróis da Salma Hayek.

E houve o escritor Adolfo Caminha. Cearense carioquizado que no finalzinho do século XIX viajou a Nova Orleans e a Nova York. Registrou a visita no relato No País Dos Ianques. Alguns trechos:

"Todos ansiávamos pela chegada ao país maravilhoso dos ianques, ao berço da eletricidade, todos queríamos conhecer de visu o celebrado país das descobertas engenhosas."

"'- Como? Pois no Brasil também se fabricam navios de guerra? Está muito adiantado o Brasil!'. E repetiam com um ar de dúvida e de ironia medindo de alto a baixo e de popa a proa o majestoso cruzador, que balouçava de leve sobre o Mississipi."

"O domingo no país dos ianques é para se divertir, para se descansar, para se jogar o criket, para se passear a cavalo, para se apostar regatas, de modo que o protestantismo americano nada tem de comum com o protestantismo britânico."

"Em tais condições, estrangeiros no meio de uma cidade deserta, imagine-se o nosso embaraço, a triste situação em que nos colocava a curiosidade. Os raríssimos transeuntes que porventura encontrávamos, marinheiros ou vagabundos que desciam para o cais da Battery, olhavam-nos com um ar de surpresa, embasbacados, medindo-nos de alto a baixo, como se fôssemos uns verdadeiros botocudos de tanga e cocar."

"E punha-me, nessa embriaguez do grandioso, a pensar no progresso dos Estados Unidos, desse país modelo, onde tudo move-se por meio de eletricidade e vapor, onde tudo é feito às carreiras, num abrir e fechar de olhos, sem a menor perda de tempo; vinham-me à imaginação escandescida as descobertas de Franklin, de Fulton e de Edison, as maravilhosas experiências sobre o telégrafo, sobre o telefone e sobre o fonógrafo, e eu repetia com os meus botões, mergulhando o olhar na distância, abarcando a cidade inteira: - Grande país!"

"A Broadway é o centro comercial, a rua de maior movimento quotidiano - equivale à City de Londres. Aí é que os carros se atropelam, que os transeuntes se abalroam numa confusão burlesca e indescritível de que a nossa Rua do Ouvidor não dá sequer a menor idéia. Negociantes, capitalistas, banqueiros, corretores, operários e vagabundos acotovelam-se, empurram-se, pisam-se os calos e vão seguindo adiante, sem olhar para trás, carregados de embrulhos, suando no verão, que costuma ser muito forte em Nova Iorque. A gente vê-se abarbada para romper aquela multidão cerrada, compacta e egoísta."

"Um cosmopolitismo sem igual em parte alguma. Americanos, ingleses, espanhóis, franceses, italianos, alemães, gente de todas as nacionalidades, até turcos com os seus costumes esquisitos, confundem-se nas ruas de Nova Iorque, enchendo-as em ondas sucessivas e tumultuosas, como em dias de carnaval no Rio. Parece mesmo, à primeira vista, que o elemento estrangeiro absorve o nacional, tão numeroso é aquele. Custa, porém, a encontrar-se um português ou um brasileiro. Em compensação a raça latina é abundantemente representada por espanhóis da Europa e da América. Os mexicanos, apesar da natural e oculta ojeriza que têm aos americanos dos Estados Unidos, encontram-se a cada passo e distinguem-se logo pelo seu tipo original: estatura média, rosto anguloso e abolachado, moreno, cabelo duro, olhos pequenos; amáveis. Não perdem ocasião de dizer mal dos americanos, que, entretanto, dedicam-lhes uma afeição especial."

"Coney Island aos domingos é para os americanos o que o Bois é para os franceses e Hyde Park é para os ingleses - um interessantíssimo microcosmo de incrível bizarraria, cheio do vago rumor de uma multidão que passeia, que canta, que ri e que bebe ao ar livre, num pêle-mêle vertiginoso, com as suas toilettes claras, com o seu belo ar despretensioso, com os seus gestos largos de quem respira uma atmosfera leve e pura."

"Esse povo verdadeiramente democrático não pede lições a país nenhum: engrandeceu à custa de seus próprios esforços e dia a dia prospera, assombrando o mundo com as suas empresas colossais."
 


O livro é curtíssimo e muito bom. Recomendo uma espiada.