terça-feira, 18 de janeiro de 2005

Eu, escrevinhador

Suponho que até dançarinas de forró, lutadores de jiu-jitsu e estudiosos de candomblé percebam o seguinte: o mundo está mudado. Outrora, o esquema era relativamente simples. No meio dos matos, o sujeito plantava as sementes e após um tempinho vinha a colheita. Arranjava uma prima disposta a 1) encarar o negócio de até que a morte os separe e 2) parir uns 10 rebentos, para cumprir o outro negócio de crescei e multiplicai-vos. Na selva de pedra, cursar datilografia, inglês básico e informática elementar, conseguir trabalho no Banco do Brasil, comprar o tão sonhado Chevette. Daí, escolher uma moça de família e com ela formar um casal feliz para sempre, ele assistindo a esportes na Telefunken ou tomando um martini, ela costurando na máquina Vigorelli ou cuidando das tulipas e a filharada brincando no Atari ou pulando em festinha de aniversário. É quando lá vem o arrastão de mudanças - insistente, cada vez mais ligeiro - fazer sua visita periódica e deixar uma série de paradigmas de vida com um tom acinzentado de vintage. Cenas dos próximos capítulos: missões interplanetárias, andróides que surrupiam empregos, carros (e computadores) + velozes e + furiosos, bombas caseiras de hidrogênio, DVD, GPS, fibra óptica, nanotecnologia, TV digital, clones clones, globalização e... Internet.

Internet. Esse meio que, de certa maneira, ameniza a nostalgia por um Deus, brindando-nos momentaneamente com um de Seus dons, a ubiqüidade. Significa poder, quase ao mesmo tempo, postar no Orkut, fofocar no MSN, ouvir uma web radio de Adis Abeba (Etiópia), pesquisar receitas de pudim ou de suflê, downloadear um filme (XXX ou nada disso), conferir na versão online do The New York Times as novidades mais sórdidas e fascinantes sobre as vítimas do tsunami e saber no site de celebridades quem é o figurão da Rede Globo que está com câncer. Limitados são os outros. Nós temos acesso banda larga aos dons da onipresença e da onisciência.

Foi pensando em tudo isso, e também movido pelo ócio das férias, que resolvi, depois de muita enrolação, soprar um hálito de vida no barro amorfo e inerte que era o espaço aqui para blogar. O título "Fatos & Ficções" é inspirado em uma seleção de ensaios que adquiri por acaso em uma feira maluca de usados, na troca por uma pistola Zillion quebrada. Encerro o début com um trecho desse livro - de um texto publicado em dezembro de 1967 -, uma breve reflexão sobre o ato de escrever:

Nossa adorável arte trivial e tão humana está num fim, se não estiver no fim. Só que isso não é razão para deixar de querer praticá-la, ou mesmo de lê-la. De qualquer maneira, um pouco como padres que já esqueceram o significado das orações que recitam, iremos continuar falando de livros e escrevendo livros durante muito tempo, fingindo que não estamos notando que a igreja está vazia e que os paroquianos foram para outro lugar, servir outros deuses, talvez em silêncio, talvez com palavras novas.