domingo, 1 de fevereiro de 2015

A bruma assassina

TERRA - HISTÓRIA
21 de setembro de 2013

O uso de gás como arma química em batalhas

(Voltaire Schilling)

Com o advento da poderosa indústria química no século 19, foi inevitável que na Primeira Guerra Mundial, de 1914 a 1918, se usasse o gás venenoso como uma arma de combate. Depois de duas experiências sem resultados feitas no front ocidental, ainda em 1915, o exército alemão, seguido dos franceses e ingleses, fez largo uso do gás de cloro e de mostarda a partir de 1916. Assim, os soldados conheceram mais um abominável instrumento de morte. O pavor dos atingidos pela nuvem mortífera foi total. Desde então, nada provocou no homem contemporâneo tamanha fobia do que vir a morrer inalando gás venenoso. Tanto assim que, depois da Grande Guerra, assinou-se um acordo em Genebra, em 1925, no qual a maioria dos países assumiu o compromisso de não usá-lo.

O GÁS NO FRONT DE BATALHA

Registra-se o dia 3 de janeiro de 1915 como a data fatídica em que pela primeira vez os alemães abriram cilindros de gás venenoso sobre as trincheiras inimigas, operação, diga-se, inutilizada pelas baixas temperaturas do inverno Europeu. Mas logo que o tempo melhorou, com a primavera, em 25 de abril de 1916, a situação foi outra. Nos dias seguintes, na região de Langemarck, perto de Ypres, uma densa névoa verde-cinza, típica do gás de cloro, expelida de 520 cilindros, começou a soprar em direção às linhas de um regimento franco-argelino que sustentava a posição nas trincheiras em frente.

Quando os soldados viram aquele vapor tóxico vindo na direção deles, envolvendo tudo, adentrando por todo os lados, provocando-lhes uma violenta náusea, foi um salve-se quem puder. Era o sopro do dragão. O pânico fez com que eles, deixando as armas e as mochilas, corressem como loucos para as linhas da retaguarda em busca da salvação. Tiveram que improvisar algumas máscaras na hora, mas sem grandes resultados.

Nas trincheiras e nos campos, jogados ao léu, encolhidos, espumando, ficaram os que não conseguiram escapar. Psicologicamente foi um sucesso. O inimigo desertara em massa. A notícia logo se espalhou de boca em boca pelos corredores das trincheiras e dos valos onde milhares de homens se encontravam - um diabo em forma de nuvem fétida estava solto pelos campos de batalha.

A BANALIZAÇÃO DO USO DO GÁS

Em setembro daquele mesmo ano de 1915, os ingleses deram a sua resposta ao ataque de gás em Ypres, jogando sobre os alemães entrincheirados perto de Loos uma substantiva quantidade de gás de cloro. Se no começo desse tipo de recorrência ao gás mortífero era costume utilizar grandes cilindros para despejar veneno ao sabor da direção em que o vento soprava, em seguida avançaram para o uso de um cartucho próprio, o The Projector, capaz de lançar cápsulas de gás venenoso a enorme distância.

A partir do ano de 1916, especialmente durante a longa batalha de Verdun, travada entre alemães e franceses, o gás entrou em cena de vez. E desta feita foi a estreia de novo gás muito mais mortífero em seus efeitos do que o cloro - o chamado gás de mostarda (dichlorethylsulphide). De cor amarelada forte, ele mostrou ser capaz de devastar as linhas adversárias mesmo em meio às tropas equipadas com máscaras antigas. Em contato direto com qualquer parte da pele da vítima, de imediato, ele levantava bolhas amareladas, atacando em seguida os olhos e as vias respiratórias. Além disso, tinha a capacidade de permanecer fazendo efeito durante um tempo bem superior do que os outros, como o gás lacrimogêneo (lachrymator), não mortal, e o de cloro, seja ele fosfogênico ou difosgênico.

Deste então, pelos dois anos seguintes, até 1918, a paisagem da guerra das trincheiras foi toldada pela presença sistemática dos vapores do gás de mostarda que, utilizado por ambos os lados, passou a ser o manto sombrio e enfumaçado da morte asfixiante que cobria os soldados em seus últimos momentos de vida. Tamanha foi a presença nas batalhas que no ano final da guerra, em 1918, ¼ dos obuses lançados pela artilharia eram de gás venenoso.

O TESTEMUNHO DE UM POETA

Vários escritores testemunharam ou eles mesmos passaram pela terrível experiência do envenenamento por gás durante a Grande Guerra de 1914-1918. Uma das descrições mais impressionantes de um ataque por gás contra uma patrulha foi deixada em versos pelo poeta britânico Wilfred Owen, antes de ser abatido pela metralha alemã uma semana antes do final da guerra, no dia 4 de novembro de 1918. Owen deixou seu testemunho no célebre poema Dulce et decorum est.

UMA TELA IMPRESSIONANTE

Mal terminado o conflito, assinado o Armistício em 11 de novembro de 1918, o Comitê do Memorial da Guerra de Londres encomendou uma tela ao pintor norte-americano John Singer Sargent para vir ilustrar o Hall of Remembrance, o Salão da Recordação, que iram construir para homenagear os milhares de mortos na Grande Guerra. Sargent, que estivera no front, resolveu retornar às linhas abandonadas da França, em 1919, em busca de uma inspiração direta. Então se lembrou das filas dos soldados atingidos pelo gás venenoso que o impressionaram muito. A partir daí, recorrendo às imagens dos frisos greco-romanos das procissões sagradas, fez uma série de estudos para depois juntá-los num impressionante painel, em cor pastel, da desolação humana. O resultado da obra de Sargent foi estarrecedor, parecendo-se uma atualização da "Parábola dos Cegos", tela de Pieter Bruegel, pintada no século 16, um dos mais impressionantes flagrantes do desamparo que a cegueira provoca.

É significativo de que a cena de sofrimento que mais comoveu aquela geração de combatentes não tenha sido o padecimento e as doenças nas trincheiras, nem a morte estraçalhada pelos obuses da artilharia, nem os ventres abertos pela metralha e pela baioneta, ou os corpos horrivelmente carbonizados pelo lança-chamas, mas sim a consternação provocada em todos pelos soldados gaseados.

COMENTÁRIO DE UMA ENFERMEIRA

Os horrores dos ferimentos provocados por um ataque por gás mereceram também o registro da enfermeira Vera Brittain que, logo em seguida ao término da guerra, deixou o seu testemunho no A Testament Of Youth, de 1918, de onde se retirou o seguinte comentário:

"Eu gostaria que uma dessas pessoas que dizem querer levar a guerra até suas consequências finais que vissem os soldados envenenados pelo gás de mostarda. Grandes bolhas cor de mostarda, cegos, todos eles agarrando-se uns aos outros, lutando desesperadamente para respirar, com vozes que são um sussurro, dizendo que a garganta deles está se fechando e que logo eles vão sufocar-se."

Nota: ainda que o percentual de mortos seja pequeno em relação aos que foram atingidos pelo efeito do gás venenoso (7% do total), é de se observar que a intenção do seu uso era mais provocar o pavor e o pânico coletivo das tropas do que realizar grandes baixas. O gás foi usado para dissolver as linhas de frente da batalha, para provocar um corre-corre geral que permitiria o avanço daqueles que o lançavam.



Fonte:
http://noticias.terra.com.br/primeira-guerra-mundial-o-uso-de-gas-como-arma-quimica-em-batalhas.html

Mais:
http://www.youtube.com/playlist?list=PLrWPsj6fVbeUOI-rc_9pI6c49GDdt-k1p
chemical_warfare.rar (imagens)