domingo, 17 de agosto de 2008

ARJ & outras velharias

Jornaleco noticiando o fechamento de uma tradicional loja de CDs aqui da cidade. Suspiros de ai-como-era-grande pipocando cá e acolá no texto, insípidos e repetitivos como ruínas em um ermo vistas através de janela de trem em movimento.

Que nostalgia é um negócio lucrativo, quase todo mundo sabe. Basta ver as festas temáticas anos 80 por aí. E vestirei a carapuça de idiota da objetividade. Acho que comigo o mecanismo de acionar saudade não funciona corretamente. Exceto por uns poucos conhecidos que ficaram para trás, tropeçando na tal da morte. Esse buzinaço sobre épocas pretéritas, inclusive as em que os saudosistas nem eram nascidos, não é do meu feitio. Retrocedamos 12 anos. Como características minhas naquela fase, mencionaria cabelos relativamente compridos, futeenlidade, irritabilidade e gosto por rock pesado. Árdua tarefa celebrar sem restrições um período em que eu era viciado em MTV e rabiscava desenhos do Spawn no caderno do colégio.

Não adianta. Por mais que o turbilhão de momentos idos empolgue multidões com vinhetas televisivas e jingles, penteados beehive, biquínis de bolinha amarelinha, serenatas na madrugada, estúdios Vera Cruz, bailes animados pelo conjunto que mandava brasa ao tocar Perfidia, o prazer de ouvir a agulha no LP ou o tac-tac da máquina de escrever, pôsteres do galã Marlon Brando e da bela Rita Hayworth, o comercial da Policar, cantigas Popeye Foi À Feira e Lagarta Pintada, fotógrafos lambe-lambe, casamento na delegacia, marchinhas de carnaval, Lili Marleen, We Are The World, luzes de discoteca, manual Chernoviz de medicina popular, Woodstock, carrões rabo-de-peixe, pin-ups, filme dos Goonies e mIRC, minhas recordações dão prioridade é a: crises econômicas, esperanças abortadas depois de aberturas políticas, acesso precário à internet discada, vestuário cafona, telefones celulares de 12 centímetros e meio quilo pendurados nas cinturas, dificuldade em encontrar boas fontes de informação, companhia de gente errada, TV aberta sendo a principal opção de lazer, páginas impressas sofrivelmente por uma matricial, digitar um monte de comandos ao usar o ARJ.

ARJ? Precisei dele para copiar o infame e divertido game Duke Nukem 3D para meu velho computador Pentium 100 MHz. Foi um périplo transferi-lo do PC de um colega para lá. Apelei ao compactador chamado ARJ, o qual operava com diretivas tipo ARJ A -VA -R A:... via prompt do DOS. Terminada a 1ª etapa do traslado, saí entoando vivas ao prodígio da tecnologia, que permitia guardar 36 MB em, salvo engano, 13 disquetes de 1.44 MB. Em casa, teclaria outro comando chato e longo, e torceria para que não houvesse erros de leitura, CRC e marmotas que tais durante a descompactação, senão lascava tudo. Hoje, parece-me arcaico e ritualístico, algo semelhante ao que deveriam sentir os que deram voltas em uma manivela para acordar o motor de um Ford modelo T ou desentranharam a fita do K7 presa nas engrenagens do aparelho de som.

Penso que meu problema seja a memória seletiva. Nos viúvos do calendário, ela peneira o que é considerado bom e eleva ao quadrado. No meu caso, porém, vem à tona primeiro o que havia de pior. E aí já viram, não é?

Mas até que me saio bem nos fortuitos encontros - às vezes, indesejáveis - com figurantes do nosso passado. Vizinhos da rua antiga ou freqüentadores da mesma escola. Nada que uma falsidadezinha não resolva. É quando surgem os manjados "Tem notícias do Esopo?" e "Lembra-se da Ariadne?" e o fatal "Bons tempos aqueles, né?". "Não, não eram!" - para não dizer isso, faço um esforço hercúleo análogo ao de certos espectadores de shows de comédia stand-up, e que consiste em dar humanitários risinhos forçados e amarelos no intuito de não constranger o inepto aspirante a Seinfeld no palco.

"I've said it before and I'll say it again: Life moves pretty fast. If you don't stop and look around once in a while, you could miss it." (Ferris Bueller)