quinta-feira, 10 de março de 2005

Uma ficção alheia - 1ª Parte

Lá na universidade, há uma colega que de quando em vez rabisca idéias também, e me repassa algumas via e-mail. No causo a seguir, quaisquer semelhanças com fatos e pessoas (vivas, em coma induzido ou mortas) não serão mera coincidência.

6ª à noite:

Trimmm, trimmm

- Alô.

- Adivinha quem é?!

- Ai, meu Deus.

- Que tu tava fazendo?

- Tava mostrando a 9ª sinfonia de Beethoven pro meu tio Haroldo, que tá visitando a gente.

- Mas eu tô precisando da tua ajuda. Sabe aquela minha amiga, a Camila? Pois é, ela tá precisando de um namorado!

- E o que que eu tenho a ver com isso?

- Tu tem namorada?

- Ei, nem inventa. Por que tem que ser eu?

- Por que tu é o único amigo culto que eu tenho. E ela quer namorar um homem culto. Vai, diz que sim, diz que sim, siiim? Não vai nem arrancar pedaço, é só pra conhecer. Se tu não gostar...

- Já vi que é roubada. Também, sendo amiga de quem é.

- Ah! Só mais uma coisinha... Tu tem algum dente quebrado? É que ela tem esse fetiche, sabe? Ela adora homens com um ou mais dentes quebrados. Mas também serve se for torto. Hein, tu tem?

- Nem acredito que tô ouvindo isso.

- Tem não? A gente pode dar um jeito.

- Ei, ninguém vai quebrar meus dentes, não!

- Depois a gente vê isso. Me encontra daqui a uma hora no Beco da Poeira pra gente combinar como tu vai fazer pra conquistar ela, quer dizer, conhecer ela melhor no picnic de amanhã.

- E onde é que vai ser esse troço?

- Lá no Caça e Pesca.

- Mas domingo tem um churrasco aqui em casa. Pra comemorar o empréstimo que o tio Haroldo vai fazer pro papai.

- Não tem problema. O picnic é amanhã, e domingo tu vai pro churrasco.

x x x

- Ó, seguinte, ela é mui meiga, carinhosa, blá, blá, blá... O único defeito dela é que ela é meio fútil. É por isso que ela tem que namorar um cara intelectual. Ela quer ficar bem na fita com a família dela.

- Tô fora! Patricinha nem pensar.

- Mas é só pra conhecer. Ela não vai te morder. Vamos combinar assim. Amanhã de manhã eu passo na tua casa e a gente vai pro picnic. Tu conversa com ela na boa, sem compromisso e domingo tu vai bem bonitinho pro churrasco do tio Haroldo. Aliás, tu pode até levar ela pro churrasco. Ele vai amar!

- Tu é doida! O tio Haroldo é super conservador. Ele só decidiu emprestar esse dinheiro depois que o papai inventou que ia botar a Natália em colégio de freira.

- Mas tu vai, né?

- Já vi que isso não vai prestar. Mas vamos, né...

- Ó, qualquer coisa , já que a gente vai tá na praia, tu segura ela no vento. É que ela tá meio magra. Acho que ela tá pesando uns 42 quilos.

x x x

Sábado, no picnic:

- Mila, esse daqui é um grande amigo, Noni. Ele é tão culto!

- Senta aí.

E Cassi deixa os dois a sós.

- Ai, esse sol tá derretendo toda a minha maquiagem, que horror! Cê tá me achando gorda? Ai, eu tô um monstro de gorda! Quanto cê acha que eu tenho que perder?

- Que é isso? Cê tá ótima!

- Ai, a minha revista 'Meninos Gatos', edição especial com Rodrigo Santoro tá voando no vento. Cê pode guardar ela nas suas coisas, por favor? Mais tarde cê me dá. Blá, blá, blá, blá, blá, blá...

x x x

E Cassi volta.

- Oi, gente!

- Gente, com licença que eu vou ao banheiro retocar minha maquiagem!

- Cassi, que diabéisso? De onde é que tu tirou que eu ia namorar um negócio desse?

- Mas ela é bonitinha, né?

- Vou fingir que nem ouvi isso!

E nisso passou-se toda a manhã.

- Ô Cassi, já deu, né? Bora pra casa, pelo amor de Alá!

- Tá, seu chato! Bora, eu vou te deixar lá. Pelo menos vou conhecer o tio Haroldo...

- Ei, nem inventa, você não vai falar com o tio Haroldo!

- Tá, resmungão! Vai pelo menos se despedir da Mila.

x x x

No Jardim Tabapuá:

- Noni, posso ir até a cozinha beber um copo d'água?

Enquanto isso, Haroldo desce as escadas da sala e dá boa tarde a Noni. Cassi vinha voltando da cozinha e se escondeu atrás da cortina para só sair depois do tio Haroldo.

- Oi, meu sobrinho preferido.

- Oi, tio. Tô voltando da praia.

Natália:

- Noni, cê comprou a pulseira de hippie que eu pedi?

- Comprei. Pega aí na minha mochila.

- Noni, o que essa revista de fotos de meninos tá fazendo na tua mochila?

Tio Haroldo:

- Oh! A desgraça se abateu sobre esta família. Noni, você é gay!

- Não, tio, isso foi um engano.

- Clara, como você explica isso?

- Haroldo, deve ter sido um engano.

- Tomara que seja mesmo. Porque se não for, serei obrigado a não fazer o empréstimo ao Carlos. Não posso compactuar com um lamaçal desses. Vou sair agora e dar uma volta pra esfriar a cabeça.

Enquanto isso, Cassi via tudinho por trás da cortina.