Ninguém deve sentir-se na obrigação de já ter lido todos os escritores
badalados das rodinhas literárias, desde os clássicos da Grécia até os
pós-modernos. Nem de saber quais são os novos autores que estão em
evidência.
Ninguém deve sentir-se na obrigação de já ter assistido a todos os filmes do cinema mudo, noir, nouvelle vague, marginal e iraniano. E nem de estar a par do que rola nas estréias do fim de semana ou nos incensados festivais de várias partes do planeta.
Ninguém deve sentir-se na obrigação de conhecer e apreciar todos os compositores da música erudita.
Ninguém deve sentir-se na obrigação de já ter visitado exposições de todos os notáveis da pintura e da escultura.
É bastante comum nos confundirmos e aplicarmos a expressão "vasta cultura" ao que é apenas uma maçaroca de informações desconexas e truncadas. É freqüente, quando começam os vomitórios de referências e tiques nervosos de citações, que alguém fique à deriva e seja atingido por uma espécie de complexo de inferioridade, achar-se deficiente em seus conhecimentos ou sei lá o quê. Daí, aumenta sua vulnerabilidade ao mal de querer estar por dentro de tudo. O que é uma tolice. Nem existe, de fato, tanto material tão bom como vivem dizendo os supostos entendidos, para que valha a pena passarmos momentos lendo-o, vendo-o, escutando-o. Sequer temos tempo suficiente para isso. E não me refiro a horas livres, mas a duração da vida.
Pensem em frases do tipo "Credo! Você nunca leu Søren Kierkegaard?" e "Nossa! Você nunca viu um filme do Yasujiro Ozu?" acompanhadas de um ar entre espantado e desdenhoso.
Pensem também no profissional liberal fã daquela revista semanal. Ele adora a coluna de um sujeito acolá, que disserta com fluência e autoridade sobre uma ampla constelação de assuntos, desde arquitetura do período barroco até física quântica. Apesar do monte de erros, de chavões e de superficialidade, ele fisga o incauto leitor através de sua erudição made in Google, a fatal e sedutora cereja de sabor pretensamente highbrow. (Na verdade, se o escriba for um legítimo CDF rigoroso, tanto faz.) O devoto da publicação, coitado, considera o colunista um herói do pensamento e vai ralar para imitar seu ídolo. Aí me lembro é da garota que viu as fotos da mais recente celebridade instantânea na Playboy e, com inveja das formas e curvas irretocáveis, inicia uma rotina combinando alimentação disciplinada e exercícios, a fim de rivalizar com a musa do ensaio de nudez. Sim, e a cabeça-de-vento não tem a mínima idéia do bombardeio de efeitos Photoshop responsável pela fictícia perfeição da peladona. Assim como o fascinado leitor ali do início do parágrafo não atenta para os truques e falácias do seu jornalista favorito. O que lasca é que a jovenzinha e o senhor classe-média, ambos são guiados por modelos enganosos, que pouco têm a ver com o mundo prático.
A questão principal deveria ser: quero consumir determinado(a) livro/música/filme/whatever por um genuíno interesse ou porque me sinto pressionado pelo lobby de grupelhos que são o sustentáculo da aura cult de alguns comportamentos e produtos do ramo de entretenimento/arte? Siga seu rumo, como diria o casal Pimpinela.
O que há de sobra é gente na arapuca de elogiar a roupa invisível do rei, só para não levar na testa um carimbo de burro ou lerdo.
Recordam-se da época em que enciclopédias popularescas e almanaques de curiosidades, aqueles de banca de jornal ou oferecidos por vendedores de porta em porta, tinham títulos como O Sabe-Tudo?
E não se iludam imaginando que o que escrevi serve de desculpa para manifestações grosseiras de ignorância que há por aí.
Ninguém deve sentir-se na obrigação de já ter assistido a todos os filmes do cinema mudo, noir, nouvelle vague, marginal e iraniano. E nem de estar a par do que rola nas estréias do fim de semana ou nos incensados festivais de várias partes do planeta.
Ninguém deve sentir-se na obrigação de conhecer e apreciar todos os compositores da música erudita.
Ninguém deve sentir-se na obrigação de já ter visitado exposições de todos os notáveis da pintura e da escultura.
É bastante comum nos confundirmos e aplicarmos a expressão "vasta cultura" ao que é apenas uma maçaroca de informações desconexas e truncadas. É freqüente, quando começam os vomitórios de referências e tiques nervosos de citações, que alguém fique à deriva e seja atingido por uma espécie de complexo de inferioridade, achar-se deficiente em seus conhecimentos ou sei lá o quê. Daí, aumenta sua vulnerabilidade ao mal de querer estar por dentro de tudo. O que é uma tolice. Nem existe, de fato, tanto material tão bom como vivem dizendo os supostos entendidos, para que valha a pena passarmos momentos lendo-o, vendo-o, escutando-o. Sequer temos tempo suficiente para isso. E não me refiro a horas livres, mas a duração da vida.
Pensem em frases do tipo "Credo! Você nunca leu Søren Kierkegaard?" e "Nossa! Você nunca viu um filme do Yasujiro Ozu?" acompanhadas de um ar entre espantado e desdenhoso.
Pensem também no profissional liberal fã daquela revista semanal. Ele adora a coluna de um sujeito acolá, que disserta com fluência e autoridade sobre uma ampla constelação de assuntos, desde arquitetura do período barroco até física quântica. Apesar do monte de erros, de chavões e de superficialidade, ele fisga o incauto leitor através de sua erudição made in Google, a fatal e sedutora cereja de sabor pretensamente highbrow. (Na verdade, se o escriba for um legítimo CDF rigoroso, tanto faz.) O devoto da publicação, coitado, considera o colunista um herói do pensamento e vai ralar para imitar seu ídolo. Aí me lembro é da garota que viu as fotos da mais recente celebridade instantânea na Playboy e, com inveja das formas e curvas irretocáveis, inicia uma rotina combinando alimentação disciplinada e exercícios, a fim de rivalizar com a musa do ensaio de nudez. Sim, e a cabeça-de-vento não tem a mínima idéia do bombardeio de efeitos Photoshop responsável pela fictícia perfeição da peladona. Assim como o fascinado leitor ali do início do parágrafo não atenta para os truques e falácias do seu jornalista favorito. O que lasca é que a jovenzinha e o senhor classe-média, ambos são guiados por modelos enganosos, que pouco têm a ver com o mundo prático.
A questão principal deveria ser: quero consumir determinado(a) livro/música/filme/whatever por um genuíno interesse ou porque me sinto pressionado pelo lobby de grupelhos que são o sustentáculo da aura cult de alguns comportamentos e produtos do ramo de entretenimento/arte? Siga seu rumo, como diria o casal Pimpinela.
O que há de sobra é gente na arapuca de elogiar a roupa invisível do rei, só para não levar na testa um carimbo de burro ou lerdo.
Recordam-se da época em que enciclopédias popularescas e almanaques de curiosidades, aqueles de banca de jornal ou oferecidos por vendedores de porta em porta, tinham títulos como O Sabe-Tudo?
E não se iludam imaginando que o que escrevi serve de desculpa para manifestações grosseiras de ignorância que há por aí.