Aquelas ancestrais histórias acertaram em um ponto. Aconteceu quando
ninguém esperava. Foi durante as orgias sambadélicas e chacinas
automobilísticas do Carnaval. Em Fortaleza, os festejos não eram uma
Brastemp, mas nas praias, o clima de liberou geral, dança do trenzinho,
vai rolar bundalelê, trajes minúsculos, arrastão, porradas lado B lado A
e pansexualismo garantiam a diversão. Falando em pansexualismo, nem as
garrafas de cerveja long neck escapavam dos hedonistas da orla. Um
festival de sensações em que o próprio Calígula pediria arrego antes do
fim. A urbe desertificava-se com o êxodo em massa da população foliã
para as Sodomas do interior, mais promissoras no que diz respeito a
desrespeito e a desregramento.
Os programas policiais, ávidos por novidades. Com o fluir dos dias feito confete e serpentina ao vento, essa libido mórbida era satisfeita. Cito o caso de um turista, trucidado à base de navalha por membros de uma gangue originária da região de Maracanaú que resolveram curtir o feriado momino na capital. Fizeram uma limpeza nos pertences do estrangeiro e abandonaram em um calçadão o que restou dele. Próximo dali, dentro de um cemitério, realizava-se uma rave. Encerrado o evento, três sujeitos completamente embriagados e que não arranjaram mulheres foram para a praia curar a ressaca e o celibato. Caminhando, viram o local em que os meliantes largaram a vítima de latrocínio. O cadáver importado era um desses europeus em busca de aventura e topando tudo, das internacionalmente famosas meretrizes mirins a go-go boys. Acabou mal. Um dos pinguços, com o raciocínio ainda seriamente afetado pelas libações etílicas, mirou obliquamente um comparsa, pensando na matéria que tanto abundava nos contos da revista EleEla. Uma compreensão sem palavras e voaram trôpegos em cima do morto. O terceiro não entendeu de imediato, mas logo entrou na jogada. Horas depois, diligentes guardas da Polícia Militar rondavam por ali e perceberam a cena. Deram umas borrachadas nos papudinhos necrófilos e, como nada encontraram para uma extorsão, algemaram todos e chamaram o IML. Violado no mais estreito e íntimo, o defunto, posteriormente, protagonizou reportagens em ritmo de thriller.
Naquela mesma manhã, perto da inusitada ocorrência, perambulavam pelas ruas Petrônio e sua namorada Bitínia. Ele de bermuda, exibindo os cambitos e segurando uma máscara de plástico do Osama bin Laden. Ela de biquíni e canga, suas carnes flácidas à mostra, com uma peruca simulacro de dreadlocks jamaicanos. Ambos lambuzados com uma mistura de maisena com líquidos não-identificados, pois participaram da tradicional brincadeira carnavalesca conhecida como mela-mela. Pelo cheiro, o casal desconfiava ter sido atingido também por fezes humanas. Ele, jocoso. Ela, sob forte efeito de lança-perfume, a cantar marchinhas. Ambos flanando, à procura de aglomeração junto a uma Hilux com aparelhagem de som ultrapotente, da qual emanassem miasmas incoerentes de funk, forró analfabeto ou universitário, pagode, axé, techno, brega, pop brega, pop rock e sertanojo. Ao longe, era possível escutar várias dessas manifestações. Estavam numa ampla avenida. Foi quando Bitínia viu.
Agora, quem tiver ouvidos que ouça.
Houve um grande tremor de terra. E o sol tornou-se negro como um saco de silício. E o céu retirou-se como um livro que se enrola. O verão foi suplantado por um imenso véu de nuvens espessas, que giravam formando uma extensa espiral em cujo núcleo havia um vórtice de vento devastador. Dele surgiram silhuetas. Quatro cavaleiros devidamente paramentados, com uma empáfia de hussardos, montados suntuosamente sobre furiosos cavalos que expeliam fogo santo pelas narinas. Tinham a missão de exterminar parte do gênero humano. Porque chegara o dia da ceifa. Assim vaticinara o Deus de Abraão, de Isaac e de Jacó. O Deus que fez o Órion e o Sete-Estrelo. Bitínia testemunhava. Caíam seixos enormes no mar, provocando gigantescas ondas sedentas de morte. Abalos sísmicos, afrontando a milenar tranqüilidade geológica da cidade, geravam subitamente buracos abissais capazes de tragar dezenas de viventes de uma única vez. Em outros lugares, abriam-se fendas das quais brotavam dançantes línguas de fogo, assando sem dó alguns desprevenidos. Na escuridão quase total, só se ouviam os estrondos, o crepitar do fogo, os pedregulhos chocando-se contra as águas poluídas do mar e os gritos de horror lancinantes e desesperadores. E os cavaleiros deram uma violenta arrancada em direção ao solo com seus corcéis alados. Começaram a punir os pecadores sobreviventes com monstruosas espadas afiadíssimas, perfurando os olhos de todos. O insano e extremamente alto relinchar dos eqüinos era apenas mais um acorde na macabra sinfonia.
Bitínia assustou-se e ficou com enxaqueca. Sentou-se num banco de praça, encolheu-se com a cabeça entre os joelhos e aguardou que a bad trip passasse. Mas iniciaram-se os puxões de seu companheiro.
Após pedidos infrutíferos e vãs tentativas de erguê-la, ele pegou uma pedra tamanho médio e mandou com força no cachaço dela. Estava grogue. Anestesia geral. Bitínia apagou instantaneamente e tombou. A peruca que usava rolou pelo chão. Um pouco de sangue pelo cabelo pixaim.
Petrônio pendurou sua carga no ombro e, com as pernas bambas, meteu o pé na carreira. Como um condenado. Numa pressa de kartódromo do Eusébio. Parecia africano na corrida São Silvestre. De repente, sentiu o baque,
PAF!
Tropeçou para trás e caiu com seu fardo. Levantou-se. Que mandinga era essa? No final da avenida, existia um desmedido nada que o separava da esquina. Percutiu a superfície transparente contra a qual trombara. Toc toc. Vidro. Uma descomunal barreira feita de nada que estabelecia dois territórios bem diferentes. Da banda de lá, tudo vazio, sol de rachar, muita sujeira, exatamente como estava a banda de cá uns dez minutos atrás. Olhando para o céu, via-se onde terminava a porção com aparência amena e começava a parte com furiosas trevas. Uma finíssima linha reta distinguia os ambientes. Aquilo era catimbó dos brabos. Petrônio deixou-se cair, abraçou-se à desfalecida e ensaiou um choro tímido e sem graça.
Os programas policiais, ávidos por novidades. Com o fluir dos dias feito confete e serpentina ao vento, essa libido mórbida era satisfeita. Cito o caso de um turista, trucidado à base de navalha por membros de uma gangue originária da região de Maracanaú que resolveram curtir o feriado momino na capital. Fizeram uma limpeza nos pertences do estrangeiro e abandonaram em um calçadão o que restou dele. Próximo dali, dentro de um cemitério, realizava-se uma rave. Encerrado o evento, três sujeitos completamente embriagados e que não arranjaram mulheres foram para a praia curar a ressaca e o celibato. Caminhando, viram o local em que os meliantes largaram a vítima de latrocínio. O cadáver importado era um desses europeus em busca de aventura e topando tudo, das internacionalmente famosas meretrizes mirins a go-go boys. Acabou mal. Um dos pinguços, com o raciocínio ainda seriamente afetado pelas libações etílicas, mirou obliquamente um comparsa, pensando na matéria que tanto abundava nos contos da revista EleEla. Uma compreensão sem palavras e voaram trôpegos em cima do morto. O terceiro não entendeu de imediato, mas logo entrou na jogada. Horas depois, diligentes guardas da Polícia Militar rondavam por ali e perceberam a cena. Deram umas borrachadas nos papudinhos necrófilos e, como nada encontraram para uma extorsão, algemaram todos e chamaram o IML. Violado no mais estreito e íntimo, o defunto, posteriormente, protagonizou reportagens em ritmo de thriller.
Naquela mesma manhã, perto da inusitada ocorrência, perambulavam pelas ruas Petrônio e sua namorada Bitínia. Ele de bermuda, exibindo os cambitos e segurando uma máscara de plástico do Osama bin Laden. Ela de biquíni e canga, suas carnes flácidas à mostra, com uma peruca simulacro de dreadlocks jamaicanos. Ambos lambuzados com uma mistura de maisena com líquidos não-identificados, pois participaram da tradicional brincadeira carnavalesca conhecida como mela-mela. Pelo cheiro, o casal desconfiava ter sido atingido também por fezes humanas. Ele, jocoso. Ela, sob forte efeito de lança-perfume, a cantar marchinhas. Ambos flanando, à procura de aglomeração junto a uma Hilux com aparelhagem de som ultrapotente, da qual emanassem miasmas incoerentes de funk, forró analfabeto ou universitário, pagode, axé, techno, brega, pop brega, pop rock e sertanojo. Ao longe, era possível escutar várias dessas manifestações. Estavam numa ampla avenida. Foi quando Bitínia viu.
Agora, quem tiver ouvidos que ouça.
Houve um grande tremor de terra. E o sol tornou-se negro como um saco de silício. E o céu retirou-se como um livro que se enrola. O verão foi suplantado por um imenso véu de nuvens espessas, que giravam formando uma extensa espiral em cujo núcleo havia um vórtice de vento devastador. Dele surgiram silhuetas. Quatro cavaleiros devidamente paramentados, com uma empáfia de hussardos, montados suntuosamente sobre furiosos cavalos que expeliam fogo santo pelas narinas. Tinham a missão de exterminar parte do gênero humano. Porque chegara o dia da ceifa. Assim vaticinara o Deus de Abraão, de Isaac e de Jacó. O Deus que fez o Órion e o Sete-Estrelo. Bitínia testemunhava. Caíam seixos enormes no mar, provocando gigantescas ondas sedentas de morte. Abalos sísmicos, afrontando a milenar tranqüilidade geológica da cidade, geravam subitamente buracos abissais capazes de tragar dezenas de viventes de uma única vez. Em outros lugares, abriam-se fendas das quais brotavam dançantes línguas de fogo, assando sem dó alguns desprevenidos. Na escuridão quase total, só se ouviam os estrondos, o crepitar do fogo, os pedregulhos chocando-se contra as águas poluídas do mar e os gritos de horror lancinantes e desesperadores. E os cavaleiros deram uma violenta arrancada em direção ao solo com seus corcéis alados. Começaram a punir os pecadores sobreviventes com monstruosas espadas afiadíssimas, perfurando os olhos de todos. O insano e extremamente alto relinchar dos eqüinos era apenas mais um acorde na macabra sinfonia.
Bitínia assustou-se e ficou com enxaqueca. Sentou-se num banco de praça, encolheu-se com a cabeça entre os joelhos e aguardou que a bad trip passasse. Mas iniciaram-se os puxões de seu companheiro.
Após pedidos infrutíferos e vãs tentativas de erguê-la, ele pegou uma pedra tamanho médio e mandou com força no cachaço dela. Estava grogue. Anestesia geral. Bitínia apagou instantaneamente e tombou. A peruca que usava rolou pelo chão. Um pouco de sangue pelo cabelo pixaim.
Petrônio pendurou sua carga no ombro e, com as pernas bambas, meteu o pé na carreira. Como um condenado. Numa pressa de kartódromo do Eusébio. Parecia africano na corrida São Silvestre. De repente, sentiu o baque,
PAF!
Tropeçou para trás e caiu com seu fardo. Levantou-se. Que mandinga era essa? No final da avenida, existia um desmedido nada que o separava da esquina. Percutiu a superfície transparente contra a qual trombara. Toc toc. Vidro. Uma descomunal barreira feita de nada que estabelecia dois territórios bem diferentes. Da banda de lá, tudo vazio, sol de rachar, muita sujeira, exatamente como estava a banda de cá uns dez minutos atrás. Olhando para o céu, via-se onde terminava a porção com aparência amena e começava a parte com furiosas trevas. Uma finíssima linha reta distinguia os ambientes. Aquilo era catimbó dos brabos. Petrônio deixou-se cair, abraçou-se à desfalecida e ensaiou um choro tímido e sem graça.