quarta-feira, 9 de fevereiro de 2005

O reino que não é deste mundo

Voltei a jogar um dos clássicos do Super Nintendo, Donkey Kong Country. Ainda me empolgo e fundo uma seita para os que cultuam jogos eletrônicos. Acho que não é tão difícil. É um nicho de mercado que nunca satura. O de seitas, não o de jogos.

Começando por um mito de criação do universo, da vida. No início eram as trevas. Mais duas barras brancas, uma linha demarcatória central, um rústico placar e uma bola quadrada. O Jardim Pong.

Também seria interessante um Messias. Deixem-me ver, adotaria o japa que morreu de tanto jogar Diablo, sem se alimentar nem nada. "Ó irmãos, em breve ele voltará (será o dia do arrebatamento) e guiará os eleitos para a terra de onde mana PS2 e outros consoles."

Pregações aos urros em terminais de ônibus, nas praças, de porta em porta. Braços abertos, olhar transfigurado, na mão direita um livro sagrado, na esquerda, um símbolo idem. Os sacerdotes teriam uma dieta à base de trinta menininhas virgens por mês. Nada de menininhos, para diferenciar-nos dos procedimentos da Igreja Católica Apostólica Romana. Tamanha atividade copular justificar-se-ia pelos escritos do importantíssimo livro Sega Sutra, no qual é explicado que isso serve para manter-nos em sintonia com o reino espiritual, o reino que não é deste mundo.

Contribuições, lógico. Voluntárias, por favor, só de boa vontade.

Para depois do inexorável game over que há de cair sobre todos nós, a promessa de uma eternidade paradisíaca como recompensa para os que forem exemplo de retidão. Um dogma de metempsicose. Muitas vidas. E muitos continues (credits). Além de um código de conduta, códigos secretos.

Nos suntuosos templos, altares e pedestais para serem adorados consoles, cartuchos e joysticks de todas as eras. Venda, por preços módicos, de passwords para os que almejam alcançar mais rápido o Céu. O lucro seria investido em obras da santa congregação.

Orar e vigiar para defender-se dos seres iníquos e diabólicos da geração Paulo Cintura. A súcia do quarteto soja, granola, aspartame & açaí. Súcubos a tentar seduzir-nos com a heresia das vitaminas e das proteínas. Com sua influência deletéria e blasfema, afastando-nos do correto caminho, empurrando-nos para a acadimia, para a prática de esportes, para o suco de cenoura e para comidas com gosto de isopor.

Praticar a caridade e sempre convidar desafortunados amigos menos providos para uma partida de King Of Fighters.

Nosso credo teria sofrido um cisma tempos atrás, devido a membros, provavelmente possuídos por espíritos das sombras, que fundaram uma nova denominação. Cuidado com o que eles pregam. Eles não passam de farsantes. Aquilo em que eles crêem absolutamente non ecziste.

Realizaria um megaculto no Rancho Pixel, reunindo centenas de seguidores de vários rincões. Berraríamos de modo ensandecido cânticos de louvor. Às seis horas da tarde, a grande hora mística, cada um tomaria uma cuia do chá da erva Cannabis sativa e cometeríamos suicídio coletivo jogando o game do Sapo Xulé até a exaustão completa do organismo e da sanidade. Despojando-nos dos vãos corpos materiais, nossas almas, agarradas ao asteróide NGC666, pegariam carona para a morada cósmica, conhecida por nós como Castle Of Illusion.

Antes disso, recomendaria que comprassem o CD (só original) dos nossos grandes popstars e mascotes, divulgadores da doutrina entre a sociedade, o reverendo Marcelo Tetris e sua filhinha Eva, a menina pregadora precoce, cantando hinos de louvor. 20% do dinheiro arrecadado seria doado à Associação de Pais e Amigos das Vítimas de Minas Terrestres e Tsunamis de Baturité. Amém.

Acredito que seria divertido.