sexta-feira, 7 de novembro de 2008

MIJO-GR

Outro dia, estava eu numa lanchonete, conversando com a costumeira turma. Em pauta, o remake do seriado Barrados No Baile, mais uma etapa do ensaio para engatar uma volta dos que não foram - versão 90s. O pessoal de maior quilometragem começamos, jocosamente, a exumar tralhas e epidemias induzidas dos early noventa e adjacências. Desfilaram pela mesa de plástico em torno da qual nos reuníamos a Família Dinossauros, o francesinho Jordy, MC Hammer e suas ofuscantes calças, o funk da Paula, o axé do Rala o Pinto, cólera - a peste da moda -, a novelinha mexicana Carrossel, bicicletas Caloi, HQ d'O Pequeno Ninja, competições de desconta-lá ou de carimba no recreio, mola maluca descendo escadaria, vôo de pirocópteros (nome infeliz) no meio da aula de redação, mousse de baunilha ou gelatina do Bocão na merenda, adolescentes sofrendo de paixonite aguda e circunflexa pela cantora Patrícia, garotas com fixação pelo cubano Jon Secada, Olimpíadas de Barcelona, as coletâneas de Miami bass da Turma do Circuito, conflitos na Bósnia, Eco-92, o caso da carecuda Sinéad O'Connor com a foto de João Paulo II, ensandecidas tietes com bandana do Raça Negra, grunges tresandando a mofo, Thelma & Louise, Instinto Selvagem, Sérgio Mallandro e o quadro da Porta dos Desesperados, assistir escondido ao Cocktail, os bate-estaca e as baladinhas de Eurodance, as punhaladas sem dó na Daniela Perez, o confisco do Collor, os caras-pintadas.

E aqui vai um episódio especial sobre a malta jacobina da cara rabiscada. Cuidado com o "especial", pois não é fato que crianças com síndrome de Down também são designadas pelo termo?

Naquela galáxia distante, minha identidade resumia-se à de um pirralho com idade ainda aquém da casa dos dois dígitos. Meu pai trabalhava em um escritório no Centro, ali na rua Liberato Barroso. Às vezes eu o acompanhava, no intuito de brincar em algum computador 486 DX2.

Meu velho deixava a belina azul em um estacionamento e, para chegar ao cenário de labuta, atravessava a praça José de Alencar. Certa feita, íamos Bob Pai & Bob Filho pela praça nossa. Um aglomerado carnavalesco de afetados pela doença da face manchada confraternizava no local. Uma histeria coletiva.

O redondo Winston Churchill, vendo a cavilação de tinta nos rostos bufões, provavelmente repetiria a preciosidade que disparou ao mirar uma pintura de sua bretã carcaça: "Trata-se de um notável exemplo de arte moderna." Na ocasião, não foi exatamente um elogio. Os piolhentos festivos assemelhavam-se às hordas de zumbis de filme do George Romero. Aliás, até a ideologia desses vida de gado é um defunto que não sabe que morreu, roído pelos vermes do equívoco e da superficialidade. Um papo mais furado que o crânio da Eloá. Eles não mancavam tartamudeando "Brain, brain". Pulavam zurrando criativos "Abaixo a corrupção""Fora Collor", reforçados por arsenais sonoros pedestres ou motorizados que explodiam Geraldo Vandré e Olodum. Ao aproximar-me de uma das fontes de vibrações, meu corpo franzino atuou durante uns 20 segundos como uma caixa de ressonância. É a agremiação MIJO-GR: Movimento Infanto-Juvenil Organizado George Romero. Lutando por ideais decrépitos e putrefatos. Preparem o formol que a milícia vem aí.

Já pensaram como deve ter sido a gênese do furacão contestatório (jargão de William Bonner) mascarado de guache que assolou o recente passado do país? Observem o grupinho no shopping, composto por fãs de Barrados No Baile e do Programa Livre. No McDonald's, eles discutem uma questão essencial. Entre bonés virados para trás, moletons amarrados na cintura, jeans estrategicamente rasgados no joelho com facas Ginsu, cravos e espinhas, estouros de bolas de chiclete, goles de Sukita, agendinhas com cadeado, livros de Martelo Enrabens Palha e de Ana Cretina Celsius, camisetas do Nirvana, tênis M2000 ou Regazone e sandálias Melissinha, surge uma indagação excruciante, do calibre do ser-ou-não-ser: "Como curar nosso tédio, pô?" E eles haviam tentado muito. Horas e demoras em lojas de roupa, fumar baseados, esfregar-se nas empregadas domésticas, pegas de Uno Mille, dezenas de fichas torradas no fliperama do Streets Of Rage, radicalizar de skate. Um integrante do bando sugere, não sem acanhamento, que eles lancem um novo conceito (by estilista gay (redundante?)) para as tais passeatas, cujos amontoados de gente lembravam um show do Guns N' Roses. Existiria sempre a possibilidade de conhecer umas gatinhas e de pirar no lança-perfume, além da chance de pôr em prática as dicas do professor de Geografia "não só para a escola, mas para a vida". O resto é História.

Uma das grandes frases que sintetizam o período veio do meu engravatado papai:

"Perdôo esses meninos por serem cachaceiros, maria-vai-com-as-outras, nulidades de melhoria e politicamente analfabetos, mas fica difícil trabalhar sob barulho infernal, P*RR#!"

Dei uma risada, enquanto jogava Winmine.