Vamos
falar de pilhéria, de molecagem. Que experimentar um momento de humor é
mais instigante que tecer cogitações a respeito dos mecanismos que nos
incitam às risadas, isso é o óbvio ululante e esperneante. Mas não
resisto. Restringi-me a oito casos. Quatro audiovisuais e quatro
escritos. Como disse a Elizabeth Taylor, numa twittada de 18 de junho de
2009, "humor is the only way to stay alive".
O piadista vive perigosamente, desarmando o estoicismo ingênuo que se
pretende marmóreo, o desespero que enxerga uma centena de misérias e o
cinismo patético de natureza defensiva. Os relatos são breves e a
diversão é para toda a família. Play.
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Ícone das bufonarias silenciosas, o gênio por trás dos eloqüentes óculos sem lentes, Harold Lloyd caprichou na intro de Safety Last!. Quebra de expectativa, pistas falsas, brincadeiras visuais, deboche, trocadilho, um artesão com pleno domínio do ofício e pronto, nasce um clássico. É nesse filme que está também a seqüência dele pendurado no relógio no alto do prédio, competentemente homenageada em De Volta Para O Futuro.
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O Monsieur Hulot, cria do francês Jacques Tati, é uma espécie de ancestral do britânico Mister Bean, personagem de Rowan Atkinson. Na routine ali em riba, ele encarna o paladino em defesa da frágil moça. Claro que isso não passa de mote para uma sucessão de mal-entendidos. É a comédia de erros, tão velha quanto andar para a frente. Economia de palavras e tom ameno. Parece ser a receita dele.
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Lubitsch Touch, teoria e prática. Para captar a beleza triste e irônica da cena, transfigurada em romântica confraternização alcoólica, temos que saber que o calendário marcava 1939, e que Ninotchka era uma agente soviética, ou seja, vinda de um lugar onde grassava um feroz e descarado terror. Finezas como estas eram tão rotineiras quanto são comuns para nós os editais de concurso público. "There are going to be fewer but better Russians.", uma das imortais frases de efeito do cinema. E lembremos uma valiosa lição: Do riso ao siso. Em mãos hábeis, esse contraste é garantia de grandiosas realizações.
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Essa não é exatamente, ahn, engraçada. Tirada de The Pink Panther. Está mais para descontraída. Fran Jeffries, com suas caras e bocas, interpreta uma excelente canção italiana, Meglio Stasera. Imaginem a situação. Happy hour no chalé de uma estação de esqui, uma fogueira crepitando, o pessoal, pouco escondendo a fascinação, comentando as peripécias d'O Fantasma, um sofisticado ladrão de jóias, o clima lounge dos anos 60, Peter Sellers, o inspetor Clouseau, num pulôver estiloso e entrando na dança. Reparem na hilária empolgação coreográfica do gordinho de cinza no encerramento da música. E em uma das extremidades da mesa central, a linda Claudia Cardinale, representante da força das morenas e vestida num púrpura profundo. Considero Blake Edwards o diretor Nº 1 para comandar cenas de festa.
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Conheci Hector Hugh Munro - nome artístico: Saki -, exímio e sarcástico cultivador do final-surpresa, através desta
coletânea. Aliás, descobri muita gente nessa seleção de contos.
Recomendo fortemente uma lida. Se de outra época fosse, Saki poderia ter
sido absorvido por diferentes mídias e elogiado como bem pago
roteirista da série Doctor Who. Morreu ao levar um balaço enquanto bancava o soldado nas trincheiras da 1ª Guerra Mundial.
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Há
uma turma que, quando menciona autores russos canônicos, baixa a voz
para um volume solene e receoso, como se conversasse sobre tomada em
casa de eletrocutado. E para completar o cenário, uma orquestra
invisível ensaia acordes da Marcha Eslava,
de Tchaikovsky. Tudo para ressaltar nossa insignificância diante
daquela imensa terra, seus czares, samovares, águas do Volga, afrescos
de Andrei Rublev e os inconfundíveis bulbos da catedral de São Basílio.
Só uma boa palhaçada, elaborada por um ruskie, para nos livrar de
tamanho cerimonial besta.
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Com mil bigodes, vocês acham necessário explicar quem foi esse sujeito? Aqui, em 01:13, uma curta e justa descrição: "the really authentic wit of our time".
O texto é um proverbial exercício de síntese e de malícia. Sutil como
deve ser. Longe de ambicionar reflexão ou de zoar com assunto grave, a
matéria-prima é a popular safadeza.
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Maranhense
devidamente carioquizado e ótimo colecionador de histórias da outrora
capital federal. Subestimado por uma parcela da crítica por ser visto
como "mera recreação". O incidente acima é saborosamente mordaz. Simples
e direto, soa como algo bastante particular do Rio de Janeiro de
antigamente e convida a releituras.