Feliz Natal e próspero Ano Novo, bugrada. Exceto para a Suíça, cuja
existência não faz o menor sentido. Pronto, falei. Não curtiu, pula no
meu peito ou senta no colo do capeta. Eu fico desgraçado da cabeça. Mas mesmo assim, um beijo na sua alma.
quinta-feira, 24 de dezembro de 2009
domingo, 29 de novembro de 2009
sábado, 31 de outubro de 2009
God save the Queen
Londres de manhãzinha. Eu trajava um terno de gângster de película do
Tarantino. Virara a noite na Brixton Academy, num show do Quim
Barreiros, o mestre lusitano da polissemia. Camões é para os fracos.
Meti o pé na carreira rumo ao Palácio de Buckingham. Tinha um encontro
marcado com a fantástica e insuperável rainha Elizabeth II. Foi um
agradável meeting regado a wit & fofoca. Misturamos Funk do Quadrado
com Trafalgar Square, abadia de Westminster com bateria do Salgueiro, Thames com
rio Cocó. A seguir, compacto dos melhores momentos do colóquio do plebeu
com a majestade:
I) Amarrotado, arfante e fedendo a cigarro alheio, tive que improvisar para me recompor. Olha o decoro, meu filho. A Real Senhora cumprimentou-me com sua perene elegância e imponência de leão rampante de brasão. Dirigimo-nos para uma mesa. Um luxuoso desjejum nos esperava, utensílios gravitavam em torno de um bule imperial. A regra de ouro recomendava evitar obviedades do tipo elogiar a porcelana, o chapéu, o vestido de chiffon, o colar de ametista ou a intervenção cirúrgica que extraiu uma papada.
II) Apostei em amenidades. Como foi a última caça a raposa ou partida de whist, se ela ainda se destacava no críquete, na equitação, na esgrima. Baseado na experiência de tanto ler blogs de mequetrefes que acham estiloso poluir as frases com silly English, desviei para uma egotrip e confessei o que sofri, em meus dias de escrevinhador neófito, com a síndrome de Agepê ("Faz de conta que sou o primeiro"). Suava, teclava com violência e pensava, A-ha, enfim vou produzir o texto definitivo sobre ______. A tentação de ser original e desbravador. Nunca usei, porém, sintaxe de bêbado irlandês.
III) Falando nisso, informei-lha que em Pindorama - alcunhada de País do Futuro por um suicida estrangeiro - agora qualquer indigente oriundo de comunidades ribeirinhas ou classe-média com fumos de literato tem um blog. Dei dicas de uns bem ruins e constrangedores que freqüento por diversão. Ela riu quando descrevi uns tão sisudos e esforçados, mantidos por estudantes de Comunicação Social que confundem Lady Di com Lady Kate, musselina com Messalina, Elevador Lacerda com Genival Lacerda. E existem também os que crêem abafar na ironia ferina terminando sentenças com ahahahaus, rsrsrs, kkkkk ou !!!!!. O esquema é relaxar e mandar a turma dos seqüelados cheirar amianto ou plantar batata no Camboja. Ela, apreciadora das gaiatices da revista Punch, entendeu-me perfeitamente. Ser piadista de salão é nossa meta, isso sim.
IV) Citei a terrinha e ela recordou a ocasião da foto ao lado do presidente, o Rei Momo de Garanhuns. Não espalhem, ela me confidenciou que ele exalava um bodum de casca de mexerica. Expliquei que se tratava de um dos orgulhos nacionais, o miasma característico das camadas populares e dos camaradas populistas. Aliás, ela demonstrou guardar referências peculiares da nação-pandeiro. E tome-lhe comentar os quadros de Rugendas e do Debret, Hans Staden, Sir Pelé, biocombustível, licor de jenipapo, fubá, cacique Raoni com o Sting, anaconda, ipê, D. Pedro I, o Gurgel, Ronald Biggs, o filme The Boys From Brazil. À menção de bossa nova, engasguei-me de escárnio com uma torrada.
V) E lembrei uma das visitas dos Sex Pistols à pátria do carnaval. É, aquela bandinha, uma das piores da galáxia e que lançou em 1977 um clássico do punk rock em homenagem à querida Liz. Foi em 1996, eles velhotes e enrugados, como se esculpidos em Vitamilho com queijo parmesão, tirando onda do fato de que estavam ali apenas para garantir uns shillings para a aposentadoria. Como diria o finado jornalista sem diproma, ex-trotskista de bergère e tupiniquim exilado entusiasta da Maggie Thatcher: Waaaal.
VI) Fatal e infelizmente, veio à tona a política, com sua presença amálgama de verdureiro e graduando de Administração de Empresas. Veja, ilustríssima, sei que os bretões já passaram por maus pedaços. Guerra dos Cem Anos, Guerra das Falkland (contra os súditos do Carlos Gardel). Henrique VIII. Os telhados aterrorizados pelos vôos de V-2. A série de atentados em 2005. O incidente com o Jean Charles. As atuais invasões bárbaras. Cada um no seu calvário. Lá debaixo do Equador, a praga da moda, além da gripe H1N1, é o vulgar e muar bolivarianismo, xodó dos marxicólatras (marxistas festivos da escola Xico Sá). Imagine uma versão sul-americana das vuvuzelas. Sinônimo de primitivismo e de barulheira paleolítica. Much ado about nothing. Que vontade de arremessar uma máquina de refrigerantes na cabeça desse povo.
VII) E por falar em gentalha, desculpe, mas que negócio podre que armaram nos ônibus aqui, hein? A cambada da Igreja Universal do Reino de Sagan-Dawkins não tem senso de ridículo. Os que acreditam em elétrons continuam se considerando superiores aos que acreditam em anjos.
VIII) A egrégia dama fuzila: e você é reacionário, anarquista, esquerdista, maratonista, trapezista ou o quê? Essa é a charada de 1 milhão de libras. Sou de investir no que me soa sensato e de preservar o que funciona. Observe que, em outras épocas, os vendilhões do templo é que eram o status quo, em oposição ao subversivo Cristianismo. Escravidão era o cerne de um montão de atividades e de ambições, até aparecer o [michaelmoore]famigerado[/michaelmoore] capitalismo 2.0 com o canto de sereia de expandir mercados consumidores. Se sob as cores da Union Jack costume significa liberalismo e Lord Acton, advirto que na província de onde venho, atrasada e de alarmantes temperaturas, tal conceito degenera no grude indigesto que inclui coronelismo, nanny state e voto de cabresto. Conservadorismo tropicaliente. A longevidade e a difusão de uma prática nada provam. E, sim, às vezes é difícil-de-doer separar alhos e bugalhos de Barbalhos. O que merece permanecer, o que precisa ser reformado.
IX) Esses temas são chatos demais, prezada monarca. Assunto de maior valor é o que não falta. Os belos peitos de suas conterrâneas Lucy Pinder e Sammy Braddy. As aventuras de James Bond e o foguete da morte. Causos de solares mal-assombrados. Detetives lupa-e-cachimbo caminhando pelo fog. Passeios no London Eye. Ou o fenômeno Susan Boyle.
X) A fim de descontrair, perguntei qual era a semelhança entre Tom Selleck, Will Nogueira, professor Girafales, Super Mario, Hercule Poirot, Manuel Zelaya e Betty Friedan. "Torcem para o Manchester United?", chutou a soberana. "Boa tentativa!", menti. Eu disse a resposta e, após o natural delay feminino para compreensão de anedotas, ela começou a gargalhar de maneira nem um pouquinho britânica. Por causa de um chiste meia-boca? Só depois de minutos, ela quase sem ar e apontando para minha mão direita, percebi. Eu segurava, com o dedo mindinho levantado, uma xícara de café. Selva calling. God save the Queen.
I) Amarrotado, arfante e fedendo a cigarro alheio, tive que improvisar para me recompor. Olha o decoro, meu filho. A Real Senhora cumprimentou-me com sua perene elegância e imponência de leão rampante de brasão. Dirigimo-nos para uma mesa. Um luxuoso desjejum nos esperava, utensílios gravitavam em torno de um bule imperial. A regra de ouro recomendava evitar obviedades do tipo elogiar a porcelana, o chapéu, o vestido de chiffon, o colar de ametista ou a intervenção cirúrgica que extraiu uma papada.
II) Apostei em amenidades. Como foi a última caça a raposa ou partida de whist, se ela ainda se destacava no críquete, na equitação, na esgrima. Baseado na experiência de tanto ler blogs de mequetrefes que acham estiloso poluir as frases com silly English, desviei para uma egotrip e confessei o que sofri, em meus dias de escrevinhador neófito, com a síndrome de Agepê ("Faz de conta que sou o primeiro"). Suava, teclava com violência e pensava, A-ha, enfim vou produzir o texto definitivo sobre ______. A tentação de ser original e desbravador. Nunca usei, porém, sintaxe de bêbado irlandês.
III) Falando nisso, informei-lha que em Pindorama - alcunhada de País do Futuro por um suicida estrangeiro - agora qualquer indigente oriundo de comunidades ribeirinhas ou classe-média com fumos de literato tem um blog. Dei dicas de uns bem ruins e constrangedores que freqüento por diversão. Ela riu quando descrevi uns tão sisudos e esforçados, mantidos por estudantes de Comunicação Social que confundem Lady Di com Lady Kate, musselina com Messalina, Elevador Lacerda com Genival Lacerda. E existem também os que crêem abafar na ironia ferina terminando sentenças com ahahahaus, rsrsrs, kkkkk ou !!!!!. O esquema é relaxar e mandar a turma dos seqüelados cheirar amianto ou plantar batata no Camboja. Ela, apreciadora das gaiatices da revista Punch, entendeu-me perfeitamente. Ser piadista de salão é nossa meta, isso sim.
IV) Citei a terrinha e ela recordou a ocasião da foto ao lado do presidente, o Rei Momo de Garanhuns. Não espalhem, ela me confidenciou que ele exalava um bodum de casca de mexerica. Expliquei que se tratava de um dos orgulhos nacionais, o miasma característico das camadas populares e dos camaradas populistas. Aliás, ela demonstrou guardar referências peculiares da nação-pandeiro. E tome-lhe comentar os quadros de Rugendas e do Debret, Hans Staden, Sir Pelé, biocombustível, licor de jenipapo, fubá, cacique Raoni com o Sting, anaconda, ipê, D. Pedro I, o Gurgel, Ronald Biggs, o filme The Boys From Brazil. À menção de bossa nova, engasguei-me de escárnio com uma torrada.
V) E lembrei uma das visitas dos Sex Pistols à pátria do carnaval. É, aquela bandinha, uma das piores da galáxia e que lançou em 1977 um clássico do punk rock em homenagem à querida Liz. Foi em 1996, eles velhotes e enrugados, como se esculpidos em Vitamilho com queijo parmesão, tirando onda do fato de que estavam ali apenas para garantir uns shillings para a aposentadoria. Como diria o finado jornalista sem diproma, ex-trotskista de bergère e tupiniquim exilado entusiasta da Maggie Thatcher: Waaaal.
VI) Fatal e infelizmente, veio à tona a política, com sua presença amálgama de verdureiro e graduando de Administração de Empresas. Veja, ilustríssima, sei que os bretões já passaram por maus pedaços. Guerra dos Cem Anos, Guerra das Falkland (contra os súditos do Carlos Gardel). Henrique VIII. Os telhados aterrorizados pelos vôos de V-2. A série de atentados em 2005. O incidente com o Jean Charles. As atuais invasões bárbaras. Cada um no seu calvário. Lá debaixo do Equador, a praga da moda, além da gripe H1N1, é o vulgar e muar bolivarianismo, xodó dos marxicólatras (marxistas festivos da escola Xico Sá). Imagine uma versão sul-americana das vuvuzelas. Sinônimo de primitivismo e de barulheira paleolítica. Much ado about nothing. Que vontade de arremessar uma máquina de refrigerantes na cabeça desse povo.
VII) E por falar em gentalha, desculpe, mas que negócio podre que armaram nos ônibus aqui, hein? A cambada da Igreja Universal do Reino de Sagan-Dawkins não tem senso de ridículo. Os que acreditam em elétrons continuam se considerando superiores aos que acreditam em anjos.
VIII) A egrégia dama fuzila: e você é reacionário, anarquista, esquerdista, maratonista, trapezista ou o quê? Essa é a charada de 1 milhão de libras. Sou de investir no que me soa sensato e de preservar o que funciona. Observe que, em outras épocas, os vendilhões do templo é que eram o status quo, em oposição ao subversivo Cristianismo. Escravidão era o cerne de um montão de atividades e de ambições, até aparecer o [michaelmoore]famigerado[/michaelmoore] capitalismo 2.0 com o canto de sereia de expandir mercados consumidores. Se sob as cores da Union Jack costume significa liberalismo e Lord Acton, advirto que na província de onde venho, atrasada e de alarmantes temperaturas, tal conceito degenera no grude indigesto que inclui coronelismo, nanny state e voto de cabresto. Conservadorismo tropicaliente. A longevidade e a difusão de uma prática nada provam. E, sim, às vezes é difícil-de-doer separar alhos e bugalhos de Barbalhos. O que merece permanecer, o que precisa ser reformado.
IX) Esses temas são chatos demais, prezada monarca. Assunto de maior valor é o que não falta. Os belos peitos de suas conterrâneas Lucy Pinder e Sammy Braddy. As aventuras de James Bond e o foguete da morte. Causos de solares mal-assombrados. Detetives lupa-e-cachimbo caminhando pelo fog. Passeios no London Eye. Ou o fenômeno Susan Boyle.
X) A fim de descontrair, perguntei qual era a semelhança entre Tom Selleck, Will Nogueira, professor Girafales, Super Mario, Hercule Poirot, Manuel Zelaya e Betty Friedan. "Torcem para o Manchester United?", chutou a soberana. "Boa tentativa!", menti. Eu disse a resposta e, após o natural delay feminino para compreensão de anedotas, ela começou a gargalhar de maneira nem um pouquinho britânica. Por causa de um chiste meia-boca? Só depois de minutos, ela quase sem ar e apontando para minha mão direita, percebi. Eu segurava, com o dedo mindinho levantado, uma xícara de café. Selva calling. God save the Queen.
domingo, 27 de setembro de 2009
Naquela terça-feira
11 de setembro de 2001. Presença De Anita animara
algumas noites de agosto. Em maio, fora lançado Crazy Taxi 2 para
Dreamcast. Acordei cedo. Iria à 10ª Região Militar, na Avenida dos
Expedicionários, tirar a carteira de reservista. Naquela manhã de
terça-feira, caía um sereno aborrecidamente irregular que orvalhava as
janelas do ônibus. No rádio, Marlon & Maicon, Destiny's Child, Os
Travessos, Jennifer Lopez, Dido.
Cheguei. Estavam lá o desajustado e tatuado mascando um chiclete imaginário, o gordo de Botero com as orelhas cheias de brincos, o provável colecionador de camisas gola pólo listradas, o rasta de dreadlocks e coberto com as cores da Jamaica, o magrelo que detestava exercício físico, ahn, esse era eu.
Longa fila. Incrível. Um relógio de parede marcava 10:35 quando alcancei o guichê. A atendente era uma senhora com rosto de cachorro pequinês. Problemas com minha documentação, explicou ela. Eu teria que retornar no dia seguinte. O motivo da complicação burocrática, fiz a mim mesmo o favor de esquecer, usando o método Dilmão Estica-Lattes Rousseff de jogo da desmemória. Resolvi dar uma passeada pelo Centro, nas lojas de discos antigos.
Voltei para casa e já era de tarde. Deitado no sofá, o saudoso tio Francisco assistia, sem entender, a um filme dos doidões Cheech & Chong. Ele exclamou, com voz de enfisema: "Menino, olha a burrice do SBT. Espia só o jeito que datilografaram 'King Kong' na tela." Na cozinha, encarei o fogão e preparei uma gororoba para almoço. Guisado de camurupim, feijão, arroz com pirão, trapos de alface e ki-suco de tangerina.
Encerrada a refeição, subi para meu quarto. Liguei a velhusca TV meio detonada, que eu ganhara ao consertá-la à custa de porrada depois de especialistas terem-na desenganado. Emissora local, debate esportivo. Tom Barros dizia: "... é a máfia dos cartolas. A ação deles é nociva como a presepada que aconteceu agora há pouco nos Estadozunido." Que presepada? Zapeei os canais. Não demorou para que inteirassem o atrasado aqui do ocorrido. Plantões de notícias faziam a farra. Repepetitidas à exaustão as clássicas cenas dos aviões chocando-se com as duas torres. E correria, chamadas telefônicas desesperadas, uma fumaceira medonha, uns mais aperreados pulando dos edifícios. Nova York e seu momento de Beirute.
Sejamos francos. Pertenço a uma geração bombardeada (epa) por petardos do gênero Máquina Mortífera e Duro De Matar. Minha inquietação maior sobre a tragédia era decidir qual seria a trilha sonora perfeita. O Monte Calvo, de Mussorgsky? The World Keeps Turning, do Napalm Death? Difícil separar das ficções que tanto consumíamos. E sempre achei que Empire State colocava WTC no bolso em matéria de representatividade. Os delinqüentes miraram outros alvos emblemáticos, inclusive: Pentágono e Capitólio. No topo da lista de desconfiança, nervosinhos filhos de Mohammed que levavam às últimas conseqüências suas leituras do Corão. E veio a atmosfera de paranóia. O povo da torta de maçã assustado, temendo que surgissem, de dentro dos armários, monstros com explosivos colados ao corpo ou brandindo cimitarras, Kalashnikovs e bandeirolas com o crescente islâmico. Boatos macarthistas de que dali em diante, em qualquer lugar do planeta, se um falasse mal de artigo inapelavelmente de quinta categoria mas made in USA - digamos, teologia da prosperidade -, proferida a blasfêmia, abrir-se-ia sob o infeliz um alçapão conduzindo o suspeito a uma sala de interrogatório na Base de Guantánamo.
Uma referência que carrego dessa época é um sentimento de "Tomaram, papudos?" e "Bem feito! Parem de ser tão arrogantes." A gente bronzeada mostrando seu valor. Os galegos comedores de hambúrguer e de marshmallow mereciam aquilo. Atire o primeiro Qassam quem não teve professor que divulgava o evangelho antiimperialista. Todos sabíamos das histórias de falcões ianques que assoviavam alegremente Star & Stripes Forever ou o tema de Bonanza enquanto espetavam criancinhas árabes ou indígenas na baioneta na frente dos pais delas apenas por diversão. E desenho do Uncle Sam devorando o globo terrestre em panfletos da UNE. Virou moda tecer comparações com o ataque nuclear ao Japão. Intervenções brutais e arbitrárias ao redor do mundo, insistiam. Semearam vento e estão colhendo tempestade, mugiu um poeta popular cearense. Acusaram o saudita Osama. Corvo que deu suas bicadas iniciais durante a luta dos mujahideens contra a URSS, o boi da cara vermelha. Eu via-o, no esconderijo subterrâneo, o pinel entediado fumando narguilé e ouvindo El Arbi, do Khaled, no walkman amarelo. Cofiava a hirsuta barba, a qual abrigava uma colônia de fungos. Preocupado em sacar do turbante uma maneira de driblar o insuportável marasmo que o assolava no montanhoso Afeganistão, entre burcas e camelos. Declarou guerra ao lado de cá do Meridiano de Greenwich. Receptividade encontraria.
Lembro também os elogios do Carlos Chacal à insólita agressão. O músico Stockhausen atribuindo ao atentado a classificação de obra de arte. A proliferação de teorias conspiratórias. Em países esdrúxulos, os flagrantes - fake, comentavam - de seres amarronzados que comemoravam nas ruas a façanha. A Astrid Fontenelle apresentando um fofocário ao vivo e caprichando na indignação à la redação de pré-vestibular. Oportunistas antologias jornalísticas do terror, de Mão Negra a ETA, de Menachem Begin a Timothy McVeigh. Ivan Kyrillos, um dos brasileiros que morreram nos escombros. A indenização bilionária de Larry Silverstein. O pixaim reclamão ex-vocalista do Rage Against The Machine arremessando no colo da realpolitik americana uma fatia da culpa pelo desastre. As posteriores cartas com antraz. O álbum The Rising, do Bruce Springsteen. A estréia do 24 Horas. Uma entrevista com o sujeito cujo sobrenome os blogueiros sérios nunca digitam certo: Hobsbawm (terminando com M de mariola e não com N de nambiquara). Uma dupla de pretos, que se descrevia como radical marxist rappers, encrencando-se com o FBI por causa de uma capa de CD. A abertura do The Sopranos cortada na parte em que os finados prédios gêmeos apareciam. O temor de ser integrado ao Exército às portas de um possível conflito generalizado em combate ao terrorismo sem fronteiras. Que nada. A reação bélica restringiu-se, em tropas mil, à pátria armada do Caçador de Pipas. E meu certificado de dispensa de incorporação foi carimbado com a data 12 SET 2001.
Cheguei. Estavam lá o desajustado e tatuado mascando um chiclete imaginário, o gordo de Botero com as orelhas cheias de brincos, o provável colecionador de camisas gola pólo listradas, o rasta de dreadlocks e coberto com as cores da Jamaica, o magrelo que detestava exercício físico, ahn, esse era eu.
Longa fila. Incrível. Um relógio de parede marcava 10:35 quando alcancei o guichê. A atendente era uma senhora com rosto de cachorro pequinês. Problemas com minha documentação, explicou ela. Eu teria que retornar no dia seguinte. O motivo da complicação burocrática, fiz a mim mesmo o favor de esquecer, usando o método Dilmão Estica-Lattes Rousseff de jogo da desmemória. Resolvi dar uma passeada pelo Centro, nas lojas de discos antigos.
Voltei para casa e já era de tarde. Deitado no sofá, o saudoso tio Francisco assistia, sem entender, a um filme dos doidões Cheech & Chong. Ele exclamou, com voz de enfisema: "Menino, olha a burrice do SBT. Espia só o jeito que datilografaram 'King Kong' na tela." Na cozinha, encarei o fogão e preparei uma gororoba para almoço. Guisado de camurupim, feijão, arroz com pirão, trapos de alface e ki-suco de tangerina.
Encerrada a refeição, subi para meu quarto. Liguei a velhusca TV meio detonada, que eu ganhara ao consertá-la à custa de porrada depois de especialistas terem-na desenganado. Emissora local, debate esportivo. Tom Barros dizia: "... é a máfia dos cartolas. A ação deles é nociva como a presepada que aconteceu agora há pouco nos Estadozunido." Que presepada? Zapeei os canais. Não demorou para que inteirassem o atrasado aqui do ocorrido. Plantões de notícias faziam a farra. Repepetitidas à exaustão as clássicas cenas dos aviões chocando-se com as duas torres. E correria, chamadas telefônicas desesperadas, uma fumaceira medonha, uns mais aperreados pulando dos edifícios. Nova York e seu momento de Beirute.
Sejamos francos. Pertenço a uma geração bombardeada (epa) por petardos do gênero Máquina Mortífera e Duro De Matar. Minha inquietação maior sobre a tragédia era decidir qual seria a trilha sonora perfeita. O Monte Calvo, de Mussorgsky? The World Keeps Turning, do Napalm Death? Difícil separar das ficções que tanto consumíamos. E sempre achei que Empire State colocava WTC no bolso em matéria de representatividade. Os delinqüentes miraram outros alvos emblemáticos, inclusive: Pentágono e Capitólio. No topo da lista de desconfiança, nervosinhos filhos de Mohammed que levavam às últimas conseqüências suas leituras do Corão. E veio a atmosfera de paranóia. O povo da torta de maçã assustado, temendo que surgissem, de dentro dos armários, monstros com explosivos colados ao corpo ou brandindo cimitarras, Kalashnikovs e bandeirolas com o crescente islâmico. Boatos macarthistas de que dali em diante, em qualquer lugar do planeta, se um falasse mal de artigo inapelavelmente de quinta categoria mas made in USA - digamos, teologia da prosperidade -, proferida a blasfêmia, abrir-se-ia sob o infeliz um alçapão conduzindo o suspeito a uma sala de interrogatório na Base de Guantánamo.
Uma referência que carrego dessa época é um sentimento de "Tomaram, papudos?" e "Bem feito! Parem de ser tão arrogantes." A gente bronzeada mostrando seu valor. Os galegos comedores de hambúrguer e de marshmallow mereciam aquilo. Atire o primeiro Qassam quem não teve professor que divulgava o evangelho antiimperialista. Todos sabíamos das histórias de falcões ianques que assoviavam alegremente Star & Stripes Forever ou o tema de Bonanza enquanto espetavam criancinhas árabes ou indígenas na baioneta na frente dos pais delas apenas por diversão. E desenho do Uncle Sam devorando o globo terrestre em panfletos da UNE. Virou moda tecer comparações com o ataque nuclear ao Japão. Intervenções brutais e arbitrárias ao redor do mundo, insistiam. Semearam vento e estão colhendo tempestade, mugiu um poeta popular cearense. Acusaram o saudita Osama. Corvo que deu suas bicadas iniciais durante a luta dos mujahideens contra a URSS, o boi da cara vermelha. Eu via-o, no esconderijo subterrâneo, o pinel entediado fumando narguilé e ouvindo El Arbi, do Khaled, no walkman amarelo. Cofiava a hirsuta barba, a qual abrigava uma colônia de fungos. Preocupado em sacar do turbante uma maneira de driblar o insuportável marasmo que o assolava no montanhoso Afeganistão, entre burcas e camelos. Declarou guerra ao lado de cá do Meridiano de Greenwich. Receptividade encontraria.
Lembro também os elogios do Carlos Chacal à insólita agressão. O músico Stockhausen atribuindo ao atentado a classificação de obra de arte. A proliferação de teorias conspiratórias. Em países esdrúxulos, os flagrantes - fake, comentavam - de seres amarronzados que comemoravam nas ruas a façanha. A Astrid Fontenelle apresentando um fofocário ao vivo e caprichando na indignação à la redação de pré-vestibular. Oportunistas antologias jornalísticas do terror, de Mão Negra a ETA, de Menachem Begin a Timothy McVeigh. Ivan Kyrillos, um dos brasileiros que morreram nos escombros. A indenização bilionária de Larry Silverstein. O pixaim reclamão ex-vocalista do Rage Against The Machine arremessando no colo da realpolitik americana uma fatia da culpa pelo desastre. As posteriores cartas com antraz. O álbum The Rising, do Bruce Springsteen. A estréia do 24 Horas. Uma entrevista com o sujeito cujo sobrenome os blogueiros sérios nunca digitam certo: Hobsbawm (terminando com M de mariola e não com N de nambiquara). Uma dupla de pretos, que se descrevia como radical marxist rappers, encrencando-se com o FBI por causa de uma capa de CD. A abertura do The Sopranos cortada na parte em que os finados prédios gêmeos apareciam. O temor de ser integrado ao Exército às portas de um possível conflito generalizado em combate ao terrorismo sem fronteiras. Que nada. A reação bélica restringiu-se, em tropas mil, à pátria armada do Caçador de Pipas. E meu certificado de dispensa de incorporação foi carimbado com a data 12 SET 2001.
domingo, 30 de agosto de 2009
O Cafa
Há um colega meu que é o que se pode chamar de rematado cafajeste. Que
Don Juan, Casanova, Seu Quequé, Vadinho, Jece Valadão que nada, ele
sim que é O Cafa.
Para analogia didática e botequinesca de como é a relação do dito cujo com as fêmeas, imaginem um usuário-padrão de palitos de dente. Pega um, usufrui, descarta, pega outro, usufrui, descarta, pega dois juntos, usufrui... Sem esquecer os desagradáveis extras: em local público, emitindo ruídos e com a mão em concha em frente à boca.
Um dia, porém, como se resultado de uma roleta russa, ele inventou de apostar em, er, algo sério. E que horror (terrir?) essas expressõezinhas - algo sério, alma gêmea, cara-metade, azaração, pintou um clima -, não acham? À meia-noite levarei sua breguice. Escusado dizer que, paralelo e não obstante a isso, a rotina de affaires do predador continuaria. Arranjou uma moça cobaia, etc etc.
Um dia, porém [2], a amada-para-apresentar-à-mamãe descobre as parcerias e consórcios de seu rapaz. Talvez com a ajuda de uma dessas revistas de mulherzinha, numa reportagem de 4 páginas intitulada Dicas para saber se ele trai você. "The perfect sky is torn", reza um trecho da bonitinha Torn, antiga canção hit da bonitona australiana Natalie Imbruglia.
Ele, artista das fugas, mestre das desculpas esfarrapadas, que sempre farejava o momento certo para aplicar a saída pela esquerda, profissional que jamais havia experimentado o que é ser capturado, perdeu sua invencibilidade de Carmen Sandiego logo para uma qualquer que escrevia poesia (?) em agendinha da Ivete Sangalo. Ela contou para amigas que marcaria uma conversa com o saltador olímpico de cerca e daria por encerrado o romance. Mas fuxico é brasa que se espalha. Rumores da crise chegaram a conhecidos do casal. Alertaram o sujeito sobre o teor do colóquio. Ele foi lá com a resignação de um condenado preparando o pescoço para o cepo. Daí, não sei os detalhes, parece é que a garota, novata na área de traições, não soltou uma recriminação ou ofensa sequer. Apenas caiu num choro inconsolável, quase pluvial, paradoxalmente conformado e desesperado, entrecortado por inócuos "por quê?" e "como?". Não é que o femeeiro, de longa data e de crachá, testemunha oscular da escória, sentiu-se um traste?
Constrangimento de iniciante. Explico. Sacam os fãs incondicionais de guerra? Alguns deles não suportam olhar para um botão de sangue que brota do dedo em acidente durante trabalho manual com estilete. Como eles não se comportariam ao lidar com corpos desmembrados por obuses, crianças 40% estraçalhadas por granadas e fileiras de bárbaros desfigurados por tiros de M16? Bem melhor ser entusiasta bélico (seja o conflito justo ou não) sentado no sofá e assistindo à Dança dos Famosos. Tentem não enxergar ironia aqui. Da mesma maneira, eu, apreciador de churrascos, não preciso me envolver no cruento cotidiano de um matadouro. Pois o atleta da testosterona, fanfarrão quando o assunto era sua desenvoltura multitarefa, além das táticas para manter casos simultâneos e ocultar delitos eróticos, ele não passava de um fuleiro estrategista de gabinete. Nunca antes na história desse país ele fora posto à prova no front das infidelidades e suas conseqüências. E ficou mal, vejam só. Ferido gravemente. Sem companheiros de batalha que lhe trouxessem a dobradinha maca & cigarro. As enganadas ainda não tinham a carga dramática de uma vítima, para ele eram meras abstrações, que nem as estatísticas da clássica frase erroneamente atribuída ao bigodón Stalin. Tive o azar (roleta russa [2]?) de ser escolhido por ele para bancar o homem-divã. E foi assim, em forma de desabafo, que ouvi o enredo.
Gato escaldado, dali em diante tornou-se mais precavido e menos descarado em suas aventuras poligâmicas. Provavelmente, não tanto por querer respeitar a turma feminina quanto por evitar reincidir na condição de estelionatário de consciência pesada pós-flagra. Embora eu suspeite que um biltre consiga acostumar-se até ao fardo da sensação ruim, claramente rumando para a insensibilidade pura e simples. Ele já tem uma nova e apaixonada-para-toda-a-vida namorada oficial.
Para analogia didática e botequinesca de como é a relação do dito cujo com as fêmeas, imaginem um usuário-padrão de palitos de dente. Pega um, usufrui, descarta, pega outro, usufrui, descarta, pega dois juntos, usufrui... Sem esquecer os desagradáveis extras: em local público, emitindo ruídos e com a mão em concha em frente à boca.
Um dia, porém, como se resultado de uma roleta russa, ele inventou de apostar em, er, algo sério. E que horror (terrir?) essas expressõezinhas - algo sério, alma gêmea, cara-metade, azaração, pintou um clima -, não acham? À meia-noite levarei sua breguice. Escusado dizer que, paralelo e não obstante a isso, a rotina de affaires do predador continuaria. Arranjou uma moça cobaia, etc etc.
Um dia, porém [2], a amada-para-apresentar-à-mamãe descobre as parcerias e consórcios de seu rapaz. Talvez com a ajuda de uma dessas revistas de mulherzinha, numa reportagem de 4 páginas intitulada Dicas para saber se ele trai você. "The perfect sky is torn", reza um trecho da bonitinha Torn, antiga canção hit da bonitona australiana Natalie Imbruglia.
Ele, artista das fugas, mestre das desculpas esfarrapadas, que sempre farejava o momento certo para aplicar a saída pela esquerda, profissional que jamais havia experimentado o que é ser capturado, perdeu sua invencibilidade de Carmen Sandiego logo para uma qualquer que escrevia poesia (?) em agendinha da Ivete Sangalo. Ela contou para amigas que marcaria uma conversa com o saltador olímpico de cerca e daria por encerrado o romance. Mas fuxico é brasa que se espalha. Rumores da crise chegaram a conhecidos do casal. Alertaram o sujeito sobre o teor do colóquio. Ele foi lá com a resignação de um condenado preparando o pescoço para o cepo. Daí, não sei os detalhes, parece é que a garota, novata na área de traições, não soltou uma recriminação ou ofensa sequer. Apenas caiu num choro inconsolável, quase pluvial, paradoxalmente conformado e desesperado, entrecortado por inócuos "por quê?" e "como?". Não é que o femeeiro, de longa data e de crachá, testemunha oscular da escória, sentiu-se um traste?
Constrangimento de iniciante. Explico. Sacam os fãs incondicionais de guerra? Alguns deles não suportam olhar para um botão de sangue que brota do dedo em acidente durante trabalho manual com estilete. Como eles não se comportariam ao lidar com corpos desmembrados por obuses, crianças 40% estraçalhadas por granadas e fileiras de bárbaros desfigurados por tiros de M16? Bem melhor ser entusiasta bélico (seja o conflito justo ou não) sentado no sofá e assistindo à Dança dos Famosos. Tentem não enxergar ironia aqui. Da mesma maneira, eu, apreciador de churrascos, não preciso me envolver no cruento cotidiano de um matadouro. Pois o atleta da testosterona, fanfarrão quando o assunto era sua desenvoltura multitarefa, além das táticas para manter casos simultâneos e ocultar delitos eróticos, ele não passava de um fuleiro estrategista de gabinete. Nunca antes na história desse país ele fora posto à prova no front das infidelidades e suas conseqüências. E ficou mal, vejam só. Ferido gravemente. Sem companheiros de batalha que lhe trouxessem a dobradinha maca & cigarro. As enganadas ainda não tinham a carga dramática de uma vítima, para ele eram meras abstrações, que nem as estatísticas da clássica frase erroneamente atribuída ao bigodón Stalin. Tive o azar (roleta russa [2]?) de ser escolhido por ele para bancar o homem-divã. E foi assim, em forma de desabafo, que ouvi o enredo.
Gato escaldado, dali em diante tornou-se mais precavido e menos descarado em suas aventuras poligâmicas. Provavelmente, não tanto por querer respeitar a turma feminina quanto por evitar reincidir na condição de estelionatário de consciência pesada pós-flagra. Embora eu suspeite que um biltre consiga acostumar-se até ao fardo da sensação ruim, claramente rumando para a insensibilidade pura e simples. Ele já tem uma nova e apaixonada-para-toda-a-vida namorada oficial.
sexta-feira, 31 de julho de 2009
Terra Nostra
Foi em um distante julho. Tive um problema na matrícula e precisei ir ao Pici em mês de trégua universitária.
O coletivo linha 389 conduziu-me ao território federal. Vi a lagoa e sua cômica imundície. Da janela do ônibus, percebi uma véia maltrapilha a ensaboar roupa na calçada em frente a um prédio da Engenharia Civil. Dada a gravidade do fenômeno, preferi ignorar.
Ao descer na parada, notei esquisitas e esfarrapadas turmas que passeavam. Comecei a esperar a trilha sonora com cantiga de lavadeira de novela da Globo rodada na região cacaueira da Bahia, ou que a qualquer momento surgisse, com saltos de ginasta, o aéreo vocalista do grupo Cordel do Fogo Encantado recitando Waly Salomão. Imaginei que logo veria o Manu Chao no maconhódromo das mangueiras, ele a escrever a letra de uma cumbia sobre o Fórum Econômico de Davos.
No galho de um sapotizeiro, um gigantesco papagaio palrava excertos do carnavalesco livro Cem Anos De Solidão. Da entrada de uma unidade didática da Química Industrial, os incríveis Nerso da Capitinga e Amácio Mazzaropi gritaram: "Vorta, lôro!" Perguntei: "O que é tudo isso?" A tagarela ave respondeu: "São ELES!"
Captei. Andei por uns blocos e era um tal de redes, esteiras, tendas de lona, fogareiros improvisados, odor de cachaça. Na porta do auditório do Centro de Tecnologia, anúncio de uma mostra de filmes. Só crássicos. A Greve, do Eisenstein; Vidas Secas, do Pereira dos Santos; Viva Zapata!, do Kazan; Queimada, do Pontecorvo; Memórias Do Subdesenvolvimento, do Gutiérrez Alea.
Eram eles. Matutos. Arigós. Tabaréis. Hillbillies. Família Buscapé. Rei do Gado, Jackson Antunes, Patrícia Pillar. Capa da Playboy de outubro de 1997. Os queridinhos da CNBB. Vermelhou no curral. MST. Soube depois que era tradicional aquela invasão ocupação. Colônia de férias. Zeladores, seguranças, pesquisadores, bolsistas e geral não reparavam. Era como uma visita de gansos migratórios.
Na coordenação, a secretária defensora de animais, com a simpatia de um prego enferrujado transpirando tétano, balbuciou que o sistema, para variar, estava fora do ar. Uma rima, e longe de ser uma solução.
Decidi aguardar. Fui jogar SuperTux no LEC, um dos laboratórios de informática.
Meu desempenho ia bem, obrigado. De repente, a meu lado esquerdo, materializou-se o Bob Relative, com sua voz de marreco e corpo de Jotalhão. O eterno insurgente caricato, o teleguiado #1, o mamulengo-mor, o capo di tutti i capi da série sub-25 - poderia ser QI, mas é idade - do PSOL no curso de Computação. E PSOL parece nome de doença, não acham? "Lamento profundamente. O senhor foi diagnosticado com psolíase. A única coisa a fazer é tocar um tango argentino. E também dá tempo de preparar um Nissin Miojo." Ele me mandou um tapinha cafona no ombro e disse: "Chapa, tu libera a máquina aí? Vai ter uma aula prática de software livre pro povo do Movimento, beleza?" Ok, tovarich Bob. Concordo que aprender a lidar com texturas e vetores no Gimp será de grande importância para badernas no Pontal do Paranapanema, pilhagens de adegas, barricadas em sede do INCRA, manifestações com máscaras anarquistas e depredação de instalações malvadas da Monsanto.
Minutos voaram, o NPD colaborou e resolvi minha complicação. Curioso, corri a espiar flagrantes do inusitado cenário de varizes abertas da América Latina. Canavial de paixões revolucionárias. Já assistiram a O Ataque Dos Vermes Malditos, sucesso das tardes do SBT? Monstrengos relacionados ao solo.
Na cantina do departamento de Física, aglomerava-se uma cambada jovem. Alguns com a fatal camiseta escarlate. Todos ostentando um visual sertanejo mais epic fail que as sobrancelhas de Leonid Brejnev. Receei que me passassem piolhos. Era uma rodinha de violão. Acústico M(S)TV jeca exalando subversão fashion da roça. Avizinhei-me. O encardido seresteiro e o coral de posseiros arranhavam Namoradinha De Um Amigo Meu, do Roberto Carlos. Dichter und bauer. Poeta e camponês. Que brutal ironia ouvi-los ganir o trecho "O que é dos outros não se deve ter". É a grei dos vestidos rotos de chita, dos chapéus de palha, da enxada, das puídas alpargatas de couro, dos calcanhares rachados, da iniciação sexual com caprinos, ovinos, eqüinos, suínos e bovinos. Os netos abirobados do Urtigão. Os primos debilóides e rebelóides do Chico Bento. Os filhotes degenerados de John Lackland. Aposto um fio do bigode do José Bové como havia caboclo ali que, de agricultura mesmo, conheceu apenas, quando era criança pequena lá em Barbacena, a tarefinha do colégio de cultivar o pezinho de feijão no algodão dentro da vasilha.
Mudaram de faixa. Acordes de um brega do Reginaldo Rossi. Animado pelo espírito de fuleiragem que imperava, cogitei pedir ao menestrel que executasse a melô do Olavo de Carvalho. Seria linchado à base de foice afiada, isso sim. No clima de descontraídas vaias, inevitáveis onde quer que apareça uma sessão de música de corno, empolguei-me e disparei uns TOCA RAUL em meio à barulheira. Estranhamente divertido. A parte que me coube deste latifúndio de insensatez.
N'As Vinhas Da Ira pelo menos existiam os caipiras falidos pés-de-poeira sem eira nem beira que, enquanto descansavam da árdua labuta de procurar um Eldorado, gostavam era de dançar Turkey In The Straw e Oh! Susanna com a rabeca e o banjo dominando. Em vez de flertar com estelionato rural.
Um dia eles foram embora, brincar de acampamento alhures. Não me consta que durante a estada dos capiais tenha ocorrido registro de agressividade ou do costumeiro vandalismo. Reza a lenda que uma figura do alto comando encontrava-se na pracinha que fica perto de uma das saídas do campus e teve uma epifania. No playground, garotinhos burgueses berravam que o velho McDonald tinha um sítio, ia-ia-ô. A liderança escutou e rapidamente transmitiu aos companheiros que era hora de partir e atacar a filial de lanchonete multinacional mais próxima, a fim de apurar a informação. Brilha muito na reforma agrária.
O coletivo linha 389 conduziu-me ao território federal. Vi a lagoa e sua cômica imundície. Da janela do ônibus, percebi uma véia maltrapilha a ensaboar roupa na calçada em frente a um prédio da Engenharia Civil. Dada a gravidade do fenômeno, preferi ignorar.
Ao descer na parada, notei esquisitas e esfarrapadas turmas que passeavam. Comecei a esperar a trilha sonora com cantiga de lavadeira de novela da Globo rodada na região cacaueira da Bahia, ou que a qualquer momento surgisse, com saltos de ginasta, o aéreo vocalista do grupo Cordel do Fogo Encantado recitando Waly Salomão. Imaginei que logo veria o Manu Chao no maconhódromo das mangueiras, ele a escrever a letra de uma cumbia sobre o Fórum Econômico de Davos.
No galho de um sapotizeiro, um gigantesco papagaio palrava excertos do carnavalesco livro Cem Anos De Solidão. Da entrada de uma unidade didática da Química Industrial, os incríveis Nerso da Capitinga e Amácio Mazzaropi gritaram: "Vorta, lôro!" Perguntei: "O que é tudo isso?" A tagarela ave respondeu: "São ELES!"
Captei. Andei por uns blocos e era um tal de redes, esteiras, tendas de lona, fogareiros improvisados, odor de cachaça. Na porta do auditório do Centro de Tecnologia, anúncio de uma mostra de filmes. Só crássicos. A Greve, do Eisenstein; Vidas Secas, do Pereira dos Santos; Viva Zapata!, do Kazan; Queimada, do Pontecorvo; Memórias Do Subdesenvolvimento, do Gutiérrez Alea.
Eram eles. Matutos. Arigós. Tabaréis. Hillbillies. Família Buscapé. Rei do Gado, Jackson Antunes, Patrícia Pillar. Capa da Playboy de outubro de 1997. Os queridinhos da CNBB. Vermelhou no curral. MST. Soube depois que era tradicional aquela invasão ocupação. Colônia de férias. Zeladores, seguranças, pesquisadores, bolsistas e geral não reparavam. Era como uma visita de gansos migratórios.
Na coordenação, a secretária defensora de animais, com a simpatia de um prego enferrujado transpirando tétano, balbuciou que o sistema, para variar, estava fora do ar. Uma rima, e longe de ser uma solução.
Decidi aguardar. Fui jogar SuperTux no LEC, um dos laboratórios de informática.
Meu desempenho ia bem, obrigado. De repente, a meu lado esquerdo, materializou-se o Bob Relative, com sua voz de marreco e corpo de Jotalhão. O eterno insurgente caricato, o teleguiado #1, o mamulengo-mor, o capo di tutti i capi da série sub-25 - poderia ser QI, mas é idade - do PSOL no curso de Computação. E PSOL parece nome de doença, não acham? "Lamento profundamente. O senhor foi diagnosticado com psolíase. A única coisa a fazer é tocar um tango argentino. E também dá tempo de preparar um Nissin Miojo." Ele me mandou um tapinha cafona no ombro e disse: "Chapa, tu libera a máquina aí? Vai ter uma aula prática de software livre pro povo do Movimento, beleza?" Ok, tovarich Bob. Concordo que aprender a lidar com texturas e vetores no Gimp será de grande importância para badernas no Pontal do Paranapanema, pilhagens de adegas, barricadas em sede do INCRA, manifestações com máscaras anarquistas e depredação de instalações malvadas da Monsanto.
Minutos voaram, o NPD colaborou e resolvi minha complicação. Curioso, corri a espiar flagrantes do inusitado cenário de varizes abertas da América Latina. Canavial de paixões revolucionárias. Já assistiram a O Ataque Dos Vermes Malditos, sucesso das tardes do SBT? Monstrengos relacionados ao solo.
Na cantina do departamento de Física, aglomerava-se uma cambada jovem. Alguns com a fatal camiseta escarlate. Todos ostentando um visual sertanejo mais epic fail que as sobrancelhas de Leonid Brejnev. Receei que me passassem piolhos. Era uma rodinha de violão. Acústico M(S)TV jeca exalando subversão fashion da roça. Avizinhei-me. O encardido seresteiro e o coral de posseiros arranhavam Namoradinha De Um Amigo Meu, do Roberto Carlos. Dichter und bauer. Poeta e camponês. Que brutal ironia ouvi-los ganir o trecho "O que é dos outros não se deve ter". É a grei dos vestidos rotos de chita, dos chapéus de palha, da enxada, das puídas alpargatas de couro, dos calcanhares rachados, da iniciação sexual com caprinos, ovinos, eqüinos, suínos e bovinos. Os netos abirobados do Urtigão. Os primos debilóides e rebelóides do Chico Bento. Os filhotes degenerados de John Lackland. Aposto um fio do bigode do José Bové como havia caboclo ali que, de agricultura mesmo, conheceu apenas, quando era criança pequena lá em Barbacena, a tarefinha do colégio de cultivar o pezinho de feijão no algodão dentro da vasilha.
Mudaram de faixa. Acordes de um brega do Reginaldo Rossi. Animado pelo espírito de fuleiragem que imperava, cogitei pedir ao menestrel que executasse a melô do Olavo de Carvalho. Seria linchado à base de foice afiada, isso sim. No clima de descontraídas vaias, inevitáveis onde quer que apareça uma sessão de música de corno, empolguei-me e disparei uns TOCA RAUL em meio à barulheira. Estranhamente divertido. A parte que me coube deste latifúndio de insensatez.
N'As Vinhas Da Ira pelo menos existiam os caipiras falidos pés-de-poeira sem eira nem beira que, enquanto descansavam da árdua labuta de procurar um Eldorado, gostavam era de dançar Turkey In The Straw e Oh! Susanna com a rabeca e o banjo dominando. Em vez de flertar com estelionato rural.
Um dia eles foram embora, brincar de acampamento alhures. Não me consta que durante a estada dos capiais tenha ocorrido registro de agressividade ou do costumeiro vandalismo. Reza a lenda que uma figura do alto comando encontrava-se na pracinha que fica perto de uma das saídas do campus e teve uma epifania. No playground, garotinhos burgueses berravam que o velho McDonald tinha um sítio, ia-ia-ô. A liderança escutou e rapidamente transmitiu aos companheiros que era hora de partir e atacar a filial de lanchonete multinacional mais próxima, a fim de apurar a informação. Brilha muito na reforma agrária.
domingo, 28 de junho de 2009
Tratado da incorreção do intelecto
Imagino um intelectual que dançasse o moonwalk. Logo depois do aperto serelepe no saco, ele sai deslizando discósta
e pisa a travessa dentada de um ancinho. Claro que o cabo imediatamente
se ergue e bate com violência nele, provocando-lhe uma dor cavernosa ao
longo da coluna vertebral.
Gostaria de ver um intelectual ser desmoralizado, num típico final de episódio do Scooby-Doo. A mente brilhante devidamente amarrada com embira, Fred Jones vem, arranca a máscara de monstro do antagonista e diz: "Pensou que engabelaria a todos com esse papo de dialética hegeliana com abordagem deleuziana epistemológica hermenêutica cisgênero digressonormativa pilombêutica aplicada à novela A Usurpadora, hein?", no que o vilão retruca: "E eu teria conseguido, se não fossem vocês!"
Se vocês tiverem o azar de comparecer a um evento voltado para o público intelectual - festa estranha com gente esquisita -, testemunharão que lástima. Na entrada do prédio construído com financiamento da SBPC em parceria com o CNPq, diante do tapete vermelho, do toldo e do porteiro de libré, surge um fuscão preto. De dentro do exíguo veículo, saem 15 intelectuais, com ternos de tweed, óculos remendados com esparadrapo, gravatas-borboleta, pagers à cintura, canetas muitas canetas, bottons do Circo Garcia, cachimbos de fazer bolhinha de sabão, línguas-de-sogra, sapatos enormes, narizes postiços que buzinam e suspensórios. Um desavisado cumprimenta um dos recém-chegados e recebe um choque de consideráveis amperes. Um outro aproxima-se do Prof. Intélio, para elogiar-lhe a orquídea na lapela, e é atingido no olho esquerdo por uma rajada de soda cáustica. Quanto riso, quanta alegria, mais de mil intelectuais no salão. Arremesso de tortas, corrida de monociclos, girafinhas de bexiga, campeonato de pogo stick, revólveres que disparam uma bandeirinha na qual se lê **Bang!**. Um geômetra está tranqüilamente sorvendo um copo de suco de laranja e de repente nota uma aranha de plástico em um cubinho de gelo. Perto de uma suntuosa mesa de iguarias, ouve-se um "É pavê ou pacumê?". Uma orquestra executa, a sangue frio, sucessos de John Cage.
A seleção mirim de intelectuaizinhos, além de colecionar selos raros e brindes de Kinder Ovo, sofre bullying no colégio. Os que sobrevivem e não superam os traumas tornam-se franco-atiradores problemáticos ou vocalistas de bandas tipo Tediohead e Loser Manos.
Intelectuais apresentam programas soníferos e pretensamente descolados na TV Cultura, e cuja audiência é representada por um traço na aferição do IBOPE. Embora eu desconfie que o blog aqui, em termos de platéia, esteja na mesma situação.
Intelectuais adoram palpitar sobre filosofia, pintura, escultura, arquitetura, literatura, partitura, saracura e saravá, curupira e Carajás. Lembrem-se da clássica frase do ramo publicitário: "Não requer prática, tampouco habilidade."
Intelectuais mostrando sua biblioteca - os 10 mil volumes atrás dos quais eles tentam esconder a burrice e a insegurança - em casa para as visitas são iguais 1) aos adolescentes aloprados disputando quem tem o ding-a-ling maior; 2) ao povo de Orkut com fotos exibindo bíceps, tríceps e às vezes - os mais depravados - até fórceps.
Intelectuais, maçantes e previsíveis que são, vão falar que provavelmente a mulher do sujeito corneou-o com um(a) fã de Jacques Derrida, o que explicaria a suposta birra contra a categoria.
Quando intelectuais iniciam a costumeira torrente, análise de letra do Arrigo Barnabé, Museu Guggenhein, Bienal do Vazio, discotecagem acompanhada de declamação de T.S. Eliot, Escola de Frankfurt, teatro antiteatro de Beckett, fluxo de consciência, desconstrução, estética da incomunicabilidade e performance de nudez conceitual, é hora de tomar medidas drásticas.
Intelectuais são tão tapados e cabeça-de-macaúba que não sabem a diferença entre uma sátira e um lactobacilo vivo.
Gostaria de ver um intelectual ser desmoralizado, num típico final de episódio do Scooby-Doo. A mente brilhante devidamente amarrada com embira, Fred Jones vem, arranca a máscara de monstro do antagonista e diz: "Pensou que engabelaria a todos com esse papo de dialética hegeliana com abordagem deleuziana epistemológica hermenêutica cisgênero digressonormativa pilombêutica aplicada à novela A Usurpadora, hein?", no que o vilão retruca: "E eu teria conseguido, se não fossem vocês!"
Se vocês tiverem o azar de comparecer a um evento voltado para o público intelectual - festa estranha com gente esquisita -, testemunharão que lástima. Na entrada do prédio construído com financiamento da SBPC em parceria com o CNPq, diante do tapete vermelho, do toldo e do porteiro de libré, surge um fuscão preto. De dentro do exíguo veículo, saem 15 intelectuais, com ternos de tweed, óculos remendados com esparadrapo, gravatas-borboleta, pagers à cintura, canetas muitas canetas, bottons do Circo Garcia, cachimbos de fazer bolhinha de sabão, línguas-de-sogra, sapatos enormes, narizes postiços que buzinam e suspensórios. Um desavisado cumprimenta um dos recém-chegados e recebe um choque de consideráveis amperes. Um outro aproxima-se do Prof. Intélio, para elogiar-lhe a orquídea na lapela, e é atingido no olho esquerdo por uma rajada de soda cáustica. Quanto riso, quanta alegria, mais de mil intelectuais no salão. Arremesso de tortas, corrida de monociclos, girafinhas de bexiga, campeonato de pogo stick, revólveres que disparam uma bandeirinha na qual se lê **Bang!**. Um geômetra está tranqüilamente sorvendo um copo de suco de laranja e de repente nota uma aranha de plástico em um cubinho de gelo. Perto de uma suntuosa mesa de iguarias, ouve-se um "É pavê ou pacumê?". Uma orquestra executa, a sangue frio, sucessos de John Cage.
A seleção mirim de intelectuaizinhos, além de colecionar selos raros e brindes de Kinder Ovo, sofre bullying no colégio. Os que sobrevivem e não superam os traumas tornam-se franco-atiradores problemáticos ou vocalistas de bandas tipo Tediohead e Loser Manos.
Intelectuais apresentam programas soníferos e pretensamente descolados na TV Cultura, e cuja audiência é representada por um traço na aferição do IBOPE. Embora eu desconfie que o blog aqui, em termos de platéia, esteja na mesma situação.
Intelectuais adoram palpitar sobre filosofia, pintura, escultura, arquitetura, literatura, partitura, saracura e saravá, curupira e Carajás. Lembrem-se da clássica frase do ramo publicitário: "Não requer prática, tampouco habilidade."
Intelectuais mostrando sua biblioteca - os 10 mil volumes atrás dos quais eles tentam esconder a burrice e a insegurança - em casa para as visitas são iguais 1) aos adolescentes aloprados disputando quem tem o ding-a-ling maior; 2) ao povo de Orkut com fotos exibindo bíceps, tríceps e às vezes - os mais depravados - até fórceps.
Intelectuais, maçantes e previsíveis que são, vão falar que provavelmente a mulher do sujeito corneou-o com um(a) fã de Jacques Derrida, o que explicaria a suposta birra contra a categoria.
Quando intelectuais iniciam a costumeira torrente, análise de letra do Arrigo Barnabé, Museu Guggenhein, Bienal do Vazio, discotecagem acompanhada de declamação de T.S. Eliot, Escola de Frankfurt, teatro antiteatro de Beckett, fluxo de consciência, desconstrução, estética da incomunicabilidade e performance de nudez conceitual, é hora de tomar medidas drásticas.
Intelectuais são tão tapados e cabeça-de-macaúba que não sabem a diferença entre uma sátira e um lactobacilo vivo.
domingo, 31 de maio de 2009
Topônimos
Albânia - Nome de diretora de escola pública
Andorra - Marca de cigarro
Angola - Marca de cerveja
Azerbaijão - Marca de arroz
Armênia - Nome da tia da novela das 8 que costura para fora
Bahamas - Nome de cassino
Belarus - Nome de transportadora
Belize - Nome do produto de cabelo predileto de suburbanas
Benin - Apelido de tio solteiro
Botsuana - Nome de intoxicação alimentar causada por bactéria
Brunei - Nome de loja de móveis wannabe-chique à beira da falência
Burkina Faso - Nome de ditador africano
Burundi - Nome de estádio ou de entidade de macumba
Butão - Nome de mosquito da região norte do Brasil
Cabo Verde - Nome de produto de limpeza
Cazaquistão - Nome de favela
Chipre - Marca de perfume de catálogo da Hermes
Congo - Nome de instrumento de percussão
Croácia - Nome da parte final do aparelho digestivo de répteis
Djibuti - Gíria de surfista
Dominica - Nome de anciã viúva
El Salvador - Nome de igreja evangélica de periferia
Equador - Marca de relógio
Eritréia - Nome de parte do sistema respiratório
Eslováquia - Nome de osso do corpo humano
Fiji - Nome de banco
Gana - Marca de papel higiênico
Guiné - Apelido carinhoso que trabalhador de fábrica põe na esposa
Holanda - Marca de pano de prato
Honduras - Nome de doença de pele
Hungria - Nome de estado de debilidade provocado por consumo excessivo de álcool
Iêmen - Nome que pai pobre põe na filha querendo soar sofisticado
Inguchétia - Interjeição cearense
Irã - Nome de índio
Israel - Nome de crente
Jordânia - Nome de jogadora de vôlei
Kosovo - Nome de excêntrica distribuição Linux
Laos - Nome de personagem de filme de luta
Lesoto - Marca de óleo de cozinha
Líbano - Elemento da Tabela Periódica
Líbia - Nome de síndica
Luxemburgo - Nome de rede de hotéis
Maldivas - Nome de gangue do bairro Antônio Bezerra
Mali - Marca de palito de dente
Marrocos - Nome de time de futebol da 3ª divisão
Mauritânia - Nome de menina que tem 11 irmãos
Mônaco - Nome de carro esportivo
Namíbia - Nome de distúrbio psicológico
Nicarágua - Nome de companhia que trabalha com recursos hídricos
Panamá - Marca de roupa vendida no Beco da Poeira
Papua Nova Guiné - Nome de vencedor da corrida São Silvestre
Polônia - Nome de planta ornamental
Ruanda - Nome de empresa de ônibus
San Marino - Nome de participante de Big Brother
São Cristóvão e Névis - Sobrenome de emergente que conquistou grana no ramo de bijuteria
São Tomé e Príncipe - Nome de escola de samba
Senegal - Nome de vocalista de banda de axé
Singapura - Nome de mercado
Somália - Nome de comércio popular de roupas da rua Senador Pompeu
Sudão - Gíria de funkeiro carioca
Suriname - Marca de mortadela
Tanzânia - Nome de reserva florestal
Togo - Gíria para "ânus"
Tonga - Apelido de traficante
Trinidad e Tobago - Nome de dupla sertaneja de Goiás
Tunísia - Nome de tia do interior
Tuvalu - Nome de rio poluído
Uganda - Nome de filha de antropólogo/sociólogo
Uzbequistão - Nome de paranormal que realiza curas milagrosas em programas de auditório
Vanuatu - Nome de mamífero comestível da zona rural
Andorra - Marca de cigarro
Angola - Marca de cerveja
Azerbaijão - Marca de arroz
Armênia - Nome da tia da novela das 8 que costura para fora
Bahamas - Nome de cassino
Belarus - Nome de transportadora
Belize - Nome do produto de cabelo predileto de suburbanas
Benin - Apelido de tio solteiro
Botsuana - Nome de intoxicação alimentar causada por bactéria
Brunei - Nome de loja de móveis wannabe-chique à beira da falência
Burkina Faso - Nome de ditador africano
Burundi - Nome de estádio ou de entidade de macumba
Butão - Nome de mosquito da região norte do Brasil
Cabo Verde - Nome de produto de limpeza
Cazaquistão - Nome de favela
Chipre - Marca de perfume de catálogo da Hermes
Congo - Nome de instrumento de percussão
Croácia - Nome da parte final do aparelho digestivo de répteis
Djibuti - Gíria de surfista
Dominica - Nome de anciã viúva
El Salvador - Nome de igreja evangélica de periferia
Equador - Marca de relógio
Eritréia - Nome de parte do sistema respiratório
Eslováquia - Nome de osso do corpo humano
Fiji - Nome de banco
Gana - Marca de papel higiênico
Guiné - Apelido carinhoso que trabalhador de fábrica põe na esposa
Holanda - Marca de pano de prato
Honduras - Nome de doença de pele
Hungria - Nome de estado de debilidade provocado por consumo excessivo de álcool
Iêmen - Nome que pai pobre põe na filha querendo soar sofisticado
Inguchétia - Interjeição cearense
Irã - Nome de índio
Israel - Nome de crente
Jordânia - Nome de jogadora de vôlei
Kosovo - Nome de excêntrica distribuição Linux
Laos - Nome de personagem de filme de luta
Lesoto - Marca de óleo de cozinha
Líbano - Elemento da Tabela Periódica
Líbia - Nome de síndica
Luxemburgo - Nome de rede de hotéis
Maldivas - Nome de gangue do bairro Antônio Bezerra
Mali - Marca de palito de dente
Marrocos - Nome de time de futebol da 3ª divisão
Mauritânia - Nome de menina que tem 11 irmãos
Mônaco - Nome de carro esportivo
Namíbia - Nome de distúrbio psicológico
Nicarágua - Nome de companhia que trabalha com recursos hídricos
Panamá - Marca de roupa vendida no Beco da Poeira
Papua Nova Guiné - Nome de vencedor da corrida São Silvestre
Polônia - Nome de planta ornamental
Ruanda - Nome de empresa de ônibus
San Marino - Nome de participante de Big Brother
São Cristóvão e Névis - Sobrenome de emergente que conquistou grana no ramo de bijuteria
São Tomé e Príncipe - Nome de escola de samba
Senegal - Nome de vocalista de banda de axé
Singapura - Nome de mercado
Somália - Nome de comércio popular de roupas da rua Senador Pompeu
Sudão - Gíria de funkeiro carioca
Suriname - Marca de mortadela
Tanzânia - Nome de reserva florestal
Togo - Gíria para "ânus"
Tonga - Apelido de traficante
Trinidad e Tobago - Nome de dupla sertaneja de Goiás
Tunísia - Nome de tia do interior
Tuvalu - Nome de rio poluído
Uganda - Nome de filha de antropólogo/sociólogo
Uzbequistão - Nome de paranormal que realiza curas milagrosas em programas de auditório
Vanuatu - Nome de mamífero comestível da zona rural
quinta-feira, 30 de abril de 2009
One Nation Under A Groove
AGNALDO TIMÓTEO
Primeiro galã afroderivado nacional. Na novela O Direito De Abortar,
da TV Tupã, destacou-se no papel de Jesus Negão Camarada Sangue
Bão, amante da personagem Mamãe Dolores. Atual embaixador do Brasil no
Virundunistão.
ALEXANDRE PIRES
Ele que nos anos 90 dava umas lapadas na barata da vizinha. O chato
torrencial lacrimejava a cântaros no encontro com Bush Jr. Como bom
tupinambá, na falta de uma amásia ou de uma filha, ofereceu ao
colonizador sua decrépita vovó em agradecimento à acolhida.
BARACK OBAMA
Lembrando que o Hussein não é coisa nossa.
BENEDITA DA SILVA
Na vigência da ditabranda, a dita cuja Benedita, acusada de atos contra a
segurança da pátria, foi torturada com choques elétricos. Isso explica o
cabelo radical e a generosa pensão vitalícia. Casada com frei Betto
Jamaica. Musa do Caçarola.
CARTOLA
Ilusionista. Assistiu a palestras do Mr. M e fez cursos com Harry
Houdini. Aluno relapso, não acertava nem a do baralho e a do coelho, daí
seu apelido. Sobreviveu mesmo foi com placa de COMPRO OURO. Sua única
investida na área musical foi um fracasso, a crítica pisoteou
suas marchinhas de duplo sentido do naipe de Quero ver se Cuba lança. Não conseguiu ser aceito no Retiro dos Artistas.
CELSO PITTA
Em parceria com Morgan Freeman, Robert Mugabe, Kofi Annan, Neguinho da
Beija-Flor & Lassie Brandão, fundou a ONG Projeto Pinga Pura, com o
objetivo de preservar o Túmulo do Samba. Posteriormente, arriscou-se na
carreira. Vacilou em um flagrante, foi preso e amargou uma condenação.
Anos depois, arriscou-se em outra carreira, a política, concorrendo em uma
acirrada eleição para prefeito de Sumpaulo, tendo como principal rival
um apresentador da TV. Venceu no 2° turno, coladinho com o Gugu.
Envolveu-se em um escândalo de peculato que recebeu da imprensa a
sugestiva alcunha de O Caso dos Dez Negrinhos.
CRUZ E SOUSA
Marketeiro da empresa Souza Cruz, realizador da clássica campanha Cigarro, O Fogo Amigo.
Também rabiscava uns versinhos. Dizem os supostos experts que o cara
era bom. Quando morreu, seu cadáver foi transportado de trem em um vagão
para animais.
ELZA SOARES
Mulher do cambaio Garrincha. Foi dubladora da Agnes do seriado A Gata & O Rato e da Laurinha do desenho dos Ursinhos Carinhosos. Inspirou o filme Elza [sic] - She Wolf Of The SS. Conhecida em seu bairro pelo celular cujo ringtone é o tema de A Escrava Isaura.
GILBERTO GIL
Aquele preto que você-sabe-quem gosta. Criador da vanguarda literária
batizada de Concretismo Monossilábico Macumbólico. Doutorou-se pela
Universidade do Acarajé com a tese de que o Haiti não era aqui. Pessoa
nefasta (ir)responsável pela existência da Preta Gil, a nêga maluca do
Expresso 666. Foi ministro das Minas e Energia do 1° governo Mula, mas
abandonou o cargo alegando "Ando Meio Desligado".
GLÓRIA MARIA
Nasceu na palhoça de uma comunidade de encolhedores de pescoço do
Centro-Oeste e foi amamentada pela Mãe Preta do cerrado. Começou no
jornalismo hardcore do Documento Especial.
São antológicas suas reportagens sobre moradores de rua, jogo do bicho,
corrupção policial e gangues urbanas. Além de suas clássicas
entrevistas com o bigodudo Freddy Krueger e o mestre-de-obras
Jean-Claude Andaime. Musa de Rogério Skylab.
JOSÉ DO PATROCÍNIO
Viveu anos sob a tutela do fazendeiro reaça Clóvis Bornéu. Carateca,
baixista e hit maker da gravadora Motown, condutor de riquixá,
remendador de asfalto, tocador de apito na charanga do maestro Zezinho,
bluesman coletor de algodão, pizzaiolo italiano, padeiro lusitano,
vendedor de picolé, japonês prodígio da matemática, toureiro espanhol,
sapateador, guarda-costas, alemão cervejeiro, garçom mexicano do
Starbucks, judeu causador da Peste Negra, flautista dos Andes,
gondoleiro veneziano de camisa listrada, abissínio nos filmes do marujo
Simbad, pianista cego, Saci, 1 vez deputado, isso para citar apenas
algumas ocupações. Criador da Lei Rouanet.
KID BENGALA
Nascido em Itu (SP), em 1969. Extenso, assaz extenso, currículo atuando
em comédias românticas. É considerado o Hugh Grant brasileiro e marrom.
MANO BROWN
Começou a trampar animando festinha de criança fantasiado de Mr. Hanky.
Daí veio a idéia para seu nome de guerra. Formado na escola da vida e
fundador da escola de samba Acadêmicos Racionais Suplicys. Medalha de
Prata como Musa dos Presidiários, atrás (ops) apenas de Rita Cadillac.
MARILENE FELINTO
Ex-figurante do The Cosby Show.
Formou-se em jornalismo pela Faculdade Foxtrote. Com ambição de ser o
Montaigne da língua portuguesa, publicou em 2002 uma trilogia de
ensaios: 1) Ouça seu amigo: farinha só de trigo, sobre a questão das drogas; 2) Ohio que o parta, sobre sua temporada estadunidense e 3) Etnocídio & cabelo com chapinha, sobre a miscigenação.
MARTINHO DA VILA
Ilustre compositor de músicas para as cinebiografias de celebridades como Rubens Barrichello ("É devagar/É devagar/Devagarinho") e Maria Bethânia ("Já tive mulheres"). Lançou discos com curiosos títulos: Memórias De Um Sargento De Milícias, Rosa Do Povo e Meu Laiáraiá.
MC SERGINHO
Maurits Cornelis Serginho propôs a lei do ventre livre nos bailes
funk-fuck da Cidade Magavilhosa. Aproveitando o ensejo, vieram as leis
do busto livre, das ancas livres e do púbis livre. Um abnegado
legislador.
MILTON SANTOS
O que sei é que há uma praça Milton Santos lá no Campus do Pici, no
departamento de Geografia, onde o indecente corpo discente, cheio de
charme e com um desejo enorme de revolucionar, combina encontros de
alcoólicos nada anônimos (congressos). Deve ter sido um zelador que
marcou época. Mentira. Foi o irmão mais velho do Lulu Santos. Autor de
um livro famoso, Problemática Da Fome, cujo subtítulo era Faminto do jeito que eu tô, eu como uma onda no mar.
MULATA GLOBELEZA
Modelo e atriz atroz. Nos anos dourados, dançou o Watusi e o Pata Pata.
Adepta e divulgadora do nudismo na tela da TV e no meio desse povo. Para
variar, o tempo passou e ela engordou, cultivou varizes e restringiu-se
à profissão de esposa do ícone da computação gráfica, o branquelo Hans
Hitler, incensado por elaborar animações parecidas com as que eu aos 13
de idade fazia no 3D Studio. Não é um elogio.
MUSSUM
Um dos maiores comediantes do país. Em 1993, foi indicado ao prêmio
Nobel da Paz por suportar durante tantos anos de trabalho os irmãos
siameses Renato & Jorge Aragão. Tocava bandolim n'Os Fakes do Samba.
Foi capa da Forbes por conquistar uma fortuna vendendo solos de cavaquinho para trilha sonora de comercial de material de construção.
MV BILL
Capoeirista, eletricista e ativista político nas horas vagas. Na
infância, ganhou uns merréis fazendo malabares e globo da morte em
sinais de trânsito no Hell de Janeiro. Teve uma aparição-relâmpago em Preta Portê, filme-símbolo da retomada do cinema nacional.
NEGRA LI
Sobrinha do astro das artes marciais Bruce Li. É citada no Livro Guiness de Recordes como detentora da maior coleção de camisas com foto do showman Nelson
Banguela. É uma mutante híbrida de rapper e feminista. Criada pela Dra.
Júlia de Caminhos Do Coração para disputar com Caminho Das Índias qual ficção é a mais desencaminhada da trilha do bom senso.
NEGRINHO DO PASTOREIO
Genuíno descendente de quilombola rebola bola bora ver no que vai dar.
Já fez de tudo nesse mundão sem porteira. Desde dupla sertaneja com
Sérgio Reis e par romântico com Maria Joaquina Villaseñor até cobaia da
indústria farmacêutica em testes de laxantes, ofício no qual sujava na entrada e na saída.
PELÉ
O cosmonauta batia um bolão, entende? Não tem parentesco com Cruz e
Sousa, mas calado é um poeta (Romário dixit). Aposentado, só quer saber de
curtir a família enfeitada de bastardos. Uma netinha sua, Afro-dite
Marley do Nascimento, paraibana, usa corte de cabelo militar e ouve
seguidas vezes I Kissed A Girl,
da Katy Perry. Tem um netinho fortalezense fã de RuPaul, Tony Torrado
do Nascimento, que adora andar fantasiado de Sailor Moon na Praça
Portugal e requebrar ao som de Rihanna.
PIXINGUINHA
Botânico intensamente celebrado pela comunidade científica flower black
power Internacional. Tudo por causa de seu único livro, em que
demonstrava o estarrecedor fato de que As Rosas Não Falam.
Surgiram acusações de plágio. Também esportista incompreendido,
participou pagando raquete de edições da Copa Angela Davis. Morreu cedo,
devorado por uma dionéia gigante.
VICENTINHO
Rodou os 26 estados e em perene estado de
déficit com a trupe Os 3 Patetas. Tratava-se de um espetáculo mais besta
que a Terça Insana e cujos protagonistas eram ele, Paulinho da Força
Sindical e a andróide Maria de Metropolis. Teve um fim melancólico, como
decadente cover do vocalista do grupo de emo-pagode Roça Negra. Cometeu
suicídio no camarim. Seu epitáfio: Que pena, amor.
ZUMBI DOS PALMARES
Prestigiado mercador de escravos e
proprietário de parques temáticos, inclusive do saudoso Kylomboyola,
voltado para o público GLS e que foi à falência após um escândalo
envolvendo uma misteriosa morte no Tobogã Bondage. Foi visto pela última
vez participando do videoclipe de Thriller, do cantor Michael Neverland Jackson.
domingo, 29 de março de 2009
Clube dos Canalhas
Pertenço a um seleto círculo vicioso de colegas de longa data. Nosso
principal elo, a antipatia. Um ódio que ousa dizer o nome.
Hostilizamo-nos tanto e reciprocamente, e declaradamente, vocês precisam
ver. Que beleza essa vileza. Prezamos bastante nossas ligações
perigosas e copiosas disparidades. E que tédio os grupelhos
amigows-4-eva, aqueles do troca-troca patológico de depoimentos
fofuxos e enjoativamente encomiásticos no Orkut, com opiniões 99% em
concórdia no que se trata de questões imbecis, com as mesmas
preferências pelas mesmas festas ridículas, pelas mesmas expressões de
efeito jumentosas ("Solteiro sim, sozinho nunca!"),
pelo mesmo tipo de relacionamento amoroso decadente e sem futuro, pelas
mesmas músicas o cão chupando manga de ruins, pelo mesmo figurino
descolado da Galeria Pedro Jorge e pelas
fotos com uns apontando para os outros ou fazendo uma estrelinha com os
dedos.
Conosco, da panelinha dos Amigos da Onça, o esquema é assim: discordamos em quase tudo que é assunto. Existem rumores de que sequer a adesão à heterossexualidade seja unânime; zoamos o goiaba que é entusiasta de Laura Pausini e de Roxette; mangamos do ogro que compareceu à prova de Cálculo I devidamente paramentado de visão do inferno, com abadá do Sirigüella, bermuda florida e sapatênis; houve o curioso caso do sujeito que roubou a namorada alheia; criamos um anedotário cruel com o que sofreu um coma alcoólico em um evento de axé music; mandávamos uma vaia bem cearense no tal que guiava um fusca amarelo-hepatite; lembro o que se apresentou um dia com uma barba, ahn, estilosa e teve que aturar o infame apelido de Paloccinho por um largo tempo; fomentamos confrontos verbais e corporais entre os são-paulinos e os palmeirenses, entre os boêmios e os abstêmios; julgamos pela aparência; ao nos enfrentarmos no Marvel VS. Capcom, nossas taxas de mútuo rancor ultrapassavam o nível recomendado pela OMS; não respeitamos crença, etnia, posição política e nome de mamãe; já negamos ajuda num momento de adversidade e aproveitando a ocasião ainda proferimos um folgado Amigo é pr'essas coisas; há um de nós que é deficiente físico, ele é engraçado, venenoso e, ao esboçar esforços de comunicação, fica a cara do Tonho da Lua; um começou ser vitimado pela calvície, e aí foi gozação com artilharia pesada por todos os flancos; nunca saímos juntos para uma farra; apreciamos conversar: mulheres vintage, saldo de gols, dicas de sobrevivência para idas a banheiros de rodoviária, motores de Porsche, exame de próstata (quem é da nossa gangue também tem medo), sitcoms, agarramentos às escuras em reality shows. Nesses colóquios, a mera insinuação a citações literárias - ou à nova e sofisticada e transgressora (?) série da TV Globo baseada em livro famoso - é considerada crime de lesa-pauta, cuja punição é o uso, durante 10 minutos, da máscara de ferro com a parte interna recheada com formigas tocandira e besouros da doença de Chagas. Estamos mais para witty que para pretty. E nada de foro privilegiado. O galhofeiro de hoje pode ser a iraniana apedrejada de amanhã. Obviamente, nutrimos abissal e gélido desprezo por todas as outras tchurminhas. Só nossa patota é que detém a Verdade Suprema, infiéis. E não se aproximem muito de, nem ofereçam amendoins aos que falam com freqüência e, pior, com seriedade, a gíria "tribo".
Em vez de sinceridade, descaramento. Em vez de bate-assopra, bate-rebate. Em vez de humor, canalhice. É o Clube dos Canalhas. Não temos a elegância do Rotary, nem o bom-mocismo dos escoteiros, nem a mística dos maçons, nem a coesão ideológica de fãs do High School Musical. Somos feios, sujos e malvados, como no filme do Ettore Scola. Igual a eles, já arquitetamos o assassinato de um de nós. Sem ironia, é uma companhia inestimável aquela escumalha peçonhenta, da qual eu tanto gosto desgostando. Uma cordialidade de serpentes do doutor Vital Brazil. Não é vetada a participação feminina. As poucas, porém, que tentaram filiação suportaram o clima sulfúrico e ofídico da camorra apenas por um escasso período. Magoadas, voltaram correndo para casa e trancafiaram-se no quarto de paredes cor-de-rosa para permanecer enrodilhadas na cama e encharcando de lágrimas o travesseiro com rosto de Garfield. Foi mal. É difícil uma Mae West para chamar de nossa? Prometo um ambiente tão acolhedor quanto o ventre da minha lavadora de roupas funcionando em modo turbo.
Nossa maior contribuição à humanidade foi o Incrível Catálogo De Frases Para Perder Amigos De Baixo Pedigree. "Você acha que os que ingressarem via sistema de cotas vão borrar na calourada ou no jubilamento?", "Obama é péssimo e parece presidente de 3° Mundo.", "Os grã-finos daqui não sabem domesticar o Seu Creysson que têm na alma.", "Sou a favor de que dêem terra para invasores do MST. Sete palmos." e "Planejamento familiar de pobre é tomar Cytotec ou chá de zabumba no segundo mês de gestação."
Arremessem no basculante os cantores com voz impecável e boné de bocó, embrulhados em suas canções da América com letras sobre amizade que rivalizariam com paródia das Chiquititas. Comparsas legítimos assemelham-se ao time Toguro, não ao elenco de Malhação. Quando o primeiro da nossa quadrilha de sádicos expirar, combinamos que na cerimônia de esbulho, ops, de despedida, apesar de eventuais protestos e imprecações que venham de dentro do caixão, os remanescentes entoaremos, à guisa de homenagem, o seguinte trecho de um dos rocks da banda Matanza:
De tudo isso
Resta o ódio como herança
Nada de esperança
Só mais uma história
E que não acaba aqui
Conosco, da panelinha dos Amigos da Onça, o esquema é assim: discordamos em quase tudo que é assunto. Existem rumores de que sequer a adesão à heterossexualidade seja unânime; zoamos o goiaba que é entusiasta de Laura Pausini e de Roxette; mangamos do ogro que compareceu à prova de Cálculo I devidamente paramentado de visão do inferno, com abadá do Sirigüella, bermuda florida e sapatênis; houve o curioso caso do sujeito que roubou a namorada alheia; criamos um anedotário cruel com o que sofreu um coma alcoólico em um evento de axé music; mandávamos uma vaia bem cearense no tal que guiava um fusca amarelo-hepatite; lembro o que se apresentou um dia com uma barba, ahn, estilosa e teve que aturar o infame apelido de Paloccinho por um largo tempo; fomentamos confrontos verbais e corporais entre os são-paulinos e os palmeirenses, entre os boêmios e os abstêmios; julgamos pela aparência; ao nos enfrentarmos no Marvel VS. Capcom, nossas taxas de mútuo rancor ultrapassavam o nível recomendado pela OMS; não respeitamos crença, etnia, posição política e nome de mamãe; já negamos ajuda num momento de adversidade e aproveitando a ocasião ainda proferimos um folgado Amigo é pr'essas coisas; há um de nós que é deficiente físico, ele é engraçado, venenoso e, ao esboçar esforços de comunicação, fica a cara do Tonho da Lua; um começou ser vitimado pela calvície, e aí foi gozação com artilharia pesada por todos os flancos; nunca saímos juntos para uma farra; apreciamos conversar: mulheres vintage, saldo de gols, dicas de sobrevivência para idas a banheiros de rodoviária, motores de Porsche, exame de próstata (quem é da nossa gangue também tem medo), sitcoms, agarramentos às escuras em reality shows. Nesses colóquios, a mera insinuação a citações literárias - ou à nova e sofisticada e transgressora (?) série da TV Globo baseada em livro famoso - é considerada crime de lesa-pauta, cuja punição é o uso, durante 10 minutos, da máscara de ferro com a parte interna recheada com formigas tocandira e besouros da doença de Chagas. Estamos mais para witty que para pretty. E nada de foro privilegiado. O galhofeiro de hoje pode ser a iraniana apedrejada de amanhã. Obviamente, nutrimos abissal e gélido desprezo por todas as outras tchurminhas. Só nossa patota é que detém a Verdade Suprema, infiéis. E não se aproximem muito de, nem ofereçam amendoins aos que falam com freqüência e, pior, com seriedade, a gíria "tribo".
Em vez de sinceridade, descaramento. Em vez de bate-assopra, bate-rebate. Em vez de humor, canalhice. É o Clube dos Canalhas. Não temos a elegância do Rotary, nem o bom-mocismo dos escoteiros, nem a mística dos maçons, nem a coesão ideológica de fãs do High School Musical. Somos feios, sujos e malvados, como no filme do Ettore Scola. Igual a eles, já arquitetamos o assassinato de um de nós. Sem ironia, é uma companhia inestimável aquela escumalha peçonhenta, da qual eu tanto gosto desgostando. Uma cordialidade de serpentes do doutor Vital Brazil. Não é vetada a participação feminina. As poucas, porém, que tentaram filiação suportaram o clima sulfúrico e ofídico da camorra apenas por um escasso período. Magoadas, voltaram correndo para casa e trancafiaram-se no quarto de paredes cor-de-rosa para permanecer enrodilhadas na cama e encharcando de lágrimas o travesseiro com rosto de Garfield. Foi mal. É difícil uma Mae West para chamar de nossa? Prometo um ambiente tão acolhedor quanto o ventre da minha lavadora de roupas funcionando em modo turbo.
Nossa maior contribuição à humanidade foi o Incrível Catálogo De Frases Para Perder Amigos De Baixo Pedigree. "Você acha que os que ingressarem via sistema de cotas vão borrar na calourada ou no jubilamento?", "Obama é péssimo e parece presidente de 3° Mundo.", "Os grã-finos daqui não sabem domesticar o Seu Creysson que têm na alma.", "Sou a favor de que dêem terra para invasores do MST. Sete palmos." e "Planejamento familiar de pobre é tomar Cytotec ou chá de zabumba no segundo mês de gestação."
Arremessem no basculante os cantores com voz impecável e boné de bocó, embrulhados em suas canções da América com letras sobre amizade que rivalizariam com paródia das Chiquititas. Comparsas legítimos assemelham-se ao time Toguro, não ao elenco de Malhação. Quando o primeiro da nossa quadrilha de sádicos expirar, combinamos que na cerimônia de esbulho, ops, de despedida, apesar de eventuais protestos e imprecações que venham de dentro do caixão, os remanescentes entoaremos, à guisa de homenagem, o seguinte trecho de um dos rocks da banda Matanza:
De tudo isso
Resta o ódio como herança
Nada de esperança
Só mais uma história
E que não acaba aqui
sábado, 28 de fevereiro de 2009
Telúrico
No início do ano, a prefeita,
sob o signo do constrangimento, tomou posse sem a presença de seu vice.
Eles estavam em desavença. Imaginem. O sujeito fazendo beicinho e
caprichando na expressão de magoei. Acredito que isso pertença à
tradição que inclui nomeação de cavalo para o Senado de Roma e
congressistas sul-coreanos trocando socos no parlamento. Foi nossa
modesta contribuição ao eclético anedotário. No Ceará é assim.
Não é o caso de eu encarar Fortaleza em plena canícula do meio-dia e bradar "Basta, cidadezinha. Esse hemisfério é pequeno demais para nós dois. Bang!" Seria uma bobagem.
Sei que há o charme oscarwildeano de quem investe na gaiatice depreciativa e sarcástica. Mas hoje não, obrigado. Não bancar o cronista da raiva contra o local em que se nasce. Partindo do pressuposto de que não seja exercício de sátira ou de provocação, é uma raiva que se leva excessivamente a sério, que se ressente de não ser, e pela convicção de que jamais será, amor. De nada encontrar em seu torrão de origem que desperte um amor capaz de suplantar o asco pelo que é vício nativo. Ao colunista Mainardi, velho palhaço, aquele abraço.
O desafio cotidiano de não deixar emergir minha porção Falling Down ao ver um Del Rey com adesivo "RASTREADO POR FOFOQUEIROS", candangos me convidando para ir ao Ceará Music ou ao Fortal, reportagens mostrando crianças feiosas do interior almoçando mandacaru, topetes à Chimbinha da Banda Calypso (eles que provam como o Norte não é apenas malária e canibais) e discussões sobre literatura regionalista.
Não tropeçar ao ensaiar ginga de equilibrista no canteiro central abarrotado de lixo em frente ao Shopping Benfica, para não ser atropelado enquanto espero o sinal abrir para os pedestres. De segunda a sexta, quando volto para casa à noite.
Testar a paciência de Jó. Diante de um batalhão de repentistas recitando Nordeste Independente, da voz do Fagner (Fag: nome é destino) ou da Samantha Marques, de sobralenses bravateiros (redundante?) comentando a experiência do Dr. Einstein, de flagelados grunhindo nóis sofre, de forrozeiros encharcados de Ypióca e gasguitando cultura da gente ou alevanta as mãozinha, de políticos que falam assoviando, de competições de quadrilhas de São João, de entrevistas com o Zé Genoino, de zoada de mobilete ou de Jangadeiro FM às 2 da madrugada, de pedintes tocando sanfona ou pandeiro.
Permanecer nas CNTP ao pensar na existência de determinados bairros. Desses bairros é que saem bandas de pagode chamadas Prabalá, Kilenhada ou Kebraê. Desses cafundós que vem aquela saraivada de pedras nos trens. Nesses buracos é possível ouvir, às toneladas de watts, Beto Barbosa, Pinduca, As Marcianas, Carlos Rilmar, Dedim Gouveia e Zezo dos Teclados. É desse chão que brotam as obesitas com topzinho rosa e shortinho de lycra e comendo pipocas amanteigadas + xilitos sabor torresmo ou arremessando sabugos de milho roídos até o derradeiro grão pela janela do ônibus em movimento. Nesses becos que surgem grupos de rap mamãe-quero-ser-do-Compton admirados pelos cheiradores & pitboys moradores do Dionísio Torres. Por essas vielas transita aquele pessoal, com camiseta de Aviões do Forró ou da Pitty, que forma as quilométricas filas para pleitear isenção da taxa de inscrição do vestibular da UFC. É de lá que vêm candidatos a vereador da estirpe do Praxedes da banquinha de churrasco. Nessas áreas residem os PMs de baixa patente que aparecem nos tablóides policiais da TV relinchando "diuturnamente", "positivo", "lograr êxito", "o mesmo evadiu-se". Esses redutos que são infestados de seres de menor idade brincando de bila, soltando raia com cerol, pulando elástico, rebolando com bambolês ou gazeando aula para ir à LAN house. É lá também que começa a carreira das mulheres-fruta, gordinhas com cara de favelada que toma banho de sol na laje ouvindo KLB e se lambuzando, via palito de picolé, com bronzeador caseiro estocado em pote de maionese.
Os ricaços e seu rosário de besteiras tornadas solenes pelo cifrão. Levando pela Praia do Futuro caríssimos chihuahuas encoleirados que parecem sobreviventes de barroada ou de incêndio. Comparecendo em peso ao vernissage de artistas péssimos, os cavalheiros de colete de camurça recomendando um balé indígena a que assistiram no Theatro José de Alencar, as damas trajando tafetá e debatendo as dicas de livros feministas que viram no Saia Justa de ontem. Glamour arretado. O rude e influente Barão do Crime, de infância no cortiço, reservando uma mesa no elegante Famiglia Giuliano, para desespero dos habitués descendentes de industriais e de joalheiros, que engolem calados a afronta e engasgam-se com ravioli. Realizando megafesta de 15 anos em que o Dado Dolabella é contratado para dançar com a monstrinho debutante ao som de Mariah Carey ou de Wanessa Camargo. Descrevendo a viagem a Miami, balneário oficial dos milionários kitsch. Enveredando pela pilantr, ops, filantropia, cada doação é um flash. Confiram a lastimável pronúncia deles no programa do Walney Haidar.
Não tecer insinuações ao ataque dos super-vilões no Banco Central, a guerra de gangues, a matadores oriundos de Jaguaribe, a trombadinhas do calçadão da Beira-Mar. Prefiro celebrar a memória do clássico diálogo do Chapolin:
- Veja, as Pirâmides do Egito.
- Veja, o Colosso do Ceará.
Ri do recente impasse entre o governador e o Fernando Carvalho, professor lá da Computação, sobre a paternidade de um projeto, egos mais inchados que cururu no brejo.
Ao ler os textos apócrifos na internet com as tradicionais Pérolas do Enem, recordo-me de Patativa do Assaré. Fama por escrever errado.
Às vezes percebo-me simpatizando até com os robozinhos dos preparatórios ITA/IME e campeões em olimpíadas internacionais de matemática.
A decoração de Natal da fachada da Secretaria Regional I, simplicidade que fascinava o pirralho que fui. Bailes e tertúlias no Clube dos Diários ou no Náutico Atlético. Cafiaspirina e elixir paregórico na farmácia Oswaldo Cruz. Caldo de cana na Leão do Sul. Guerra de pipocas no Cine São Luiz. Fantasmas no Casarão do Português. Compras na Samasa, na Paraíso, na Arca da Aliança, no Romcy. Cochilo na rede. Vestuário do período Accioly. Harmonias de Alberto Nepomuceno. BEC dos peixinhos. A maresia e sua corrosão acelerada litoral afora. Prédios sepulcrais e suas luzes de pinball. Binóculos de rapina espreitam por trás de solitárias cortinas suburbanas. A melancolia dos pândegos no vácuo pós-êxtase da saída dos bordéis. Arriscadas acrobacias em evento na Base Aérea. Orson Welles no Mucuripe. Eu ia a shows na Biruta e passeava na Ponte dos Ingleses. Já contei que o Tiririca foi meu vizinho?
Entre a vanguarda do atraso e o sonho de ganhar na loteria, vamos seguindo. Cafona, hein? Procuremos executar o melhor com o parco e defasado kit de ferramentas que nos coube. Ainda que esse "melhor" seja motivo de piada para a ABNT e a ISO 9000. Não pioremos a situação. Tinha que sobrar um caipora para ser a raspa do tacho, o anão da hierarquia, contentar-se por encarnar o ciclope no reino de cegos, o astro das notas de rodapé. Parem de reclamar e voltem para o batente, magote de filho duma égua sem costume.
É perda de tempo traçar cotejos com Metrópole da Garoa, Big Apple, Ville-Lumière, Città Eterna. Ou mesmo com Irauçuba. Lilian Sem Calcinha Ramos com o Itamar Franco no sambódromo não é Marilyn Monroe cantando Happy Birthday para o John Kennedy. O bode Ioiô empalhado não é o touro de Wall Street. Cearense vaiando sol na Praça do Ferreira é tão patético quanto carioca aplaudindo crepúsculo. Deborah Soft = Cicciolina. Ruim-zianne Lins não é Rosa Luxemburgo. Não iremos nos desculpar por nosso estilo de vida. Somos o que somos. E vice-versa, acrescentaria o jogador de futebol da lenda urbana.
A terra é um lugar onde se vive, onde há que suportar visões, ruídos, odores. E não sou eu que digo. Só repito o aventureiro Conrad.
Visitem: http://fortalezanobre.blogspot.com.
Não é o caso de eu encarar Fortaleza em plena canícula do meio-dia e bradar "Basta, cidadezinha. Esse hemisfério é pequeno demais para nós dois. Bang!" Seria uma bobagem.
Sei que há o charme oscarwildeano de quem investe na gaiatice depreciativa e sarcástica. Mas hoje não, obrigado. Não bancar o cronista da raiva contra o local em que se nasce. Partindo do pressuposto de que não seja exercício de sátira ou de provocação, é uma raiva que se leva excessivamente a sério, que se ressente de não ser, e pela convicção de que jamais será, amor. De nada encontrar em seu torrão de origem que desperte um amor capaz de suplantar o asco pelo que é vício nativo. Ao colunista Mainardi, velho palhaço, aquele abraço.
O desafio cotidiano de não deixar emergir minha porção Falling Down ao ver um Del Rey com adesivo "RASTREADO POR FOFOQUEIROS", candangos me convidando para ir ao Ceará Music ou ao Fortal, reportagens mostrando crianças feiosas do interior almoçando mandacaru, topetes à Chimbinha da Banda Calypso (eles que provam como o Norte não é apenas malária e canibais) e discussões sobre literatura regionalista.
Não tropeçar ao ensaiar ginga de equilibrista no canteiro central abarrotado de lixo em frente ao Shopping Benfica, para não ser atropelado enquanto espero o sinal abrir para os pedestres. De segunda a sexta, quando volto para casa à noite.
Testar a paciência de Jó. Diante de um batalhão de repentistas recitando Nordeste Independente, da voz do Fagner (Fag: nome é destino) ou da Samantha Marques, de sobralenses bravateiros (redundante?) comentando a experiência do Dr. Einstein, de flagelados grunhindo nóis sofre, de forrozeiros encharcados de Ypióca e gasguitando cultura da gente ou alevanta as mãozinha, de políticos que falam assoviando, de competições de quadrilhas de São João, de entrevistas com o Zé Genoino, de zoada de mobilete ou de Jangadeiro FM às 2 da madrugada, de pedintes tocando sanfona ou pandeiro.
Permanecer nas CNTP ao pensar na existência de determinados bairros. Desses bairros é que saem bandas de pagode chamadas Prabalá, Kilenhada ou Kebraê. Desses cafundós que vem aquela saraivada de pedras nos trens. Nesses buracos é possível ouvir, às toneladas de watts, Beto Barbosa, Pinduca, As Marcianas, Carlos Rilmar, Dedim Gouveia e Zezo dos Teclados. É desse chão que brotam as obesitas com topzinho rosa e shortinho de lycra e comendo pipocas amanteigadas + xilitos sabor torresmo ou arremessando sabugos de milho roídos até o derradeiro grão pela janela do ônibus em movimento. Nesses becos que surgem grupos de rap mamãe-quero-ser-do-Compton admirados pelos cheiradores & pitboys moradores do Dionísio Torres. Por essas vielas transita aquele pessoal, com camiseta de Aviões do Forró ou da Pitty, que forma as quilométricas filas para pleitear isenção da taxa de inscrição do vestibular da UFC. É de lá que vêm candidatos a vereador da estirpe do Praxedes da banquinha de churrasco. Nessas áreas residem os PMs de baixa patente que aparecem nos tablóides policiais da TV relinchando "diuturnamente", "positivo", "lograr êxito", "o mesmo evadiu-se". Esses redutos que são infestados de seres de menor idade brincando de bila, soltando raia com cerol, pulando elástico, rebolando com bambolês ou gazeando aula para ir à LAN house. É lá também que começa a carreira das mulheres-fruta, gordinhas com cara de favelada que toma banho de sol na laje ouvindo KLB e se lambuzando, via palito de picolé, com bronzeador caseiro estocado em pote de maionese.
Os ricaços e seu rosário de besteiras tornadas solenes pelo cifrão. Levando pela Praia do Futuro caríssimos chihuahuas encoleirados que parecem sobreviventes de barroada ou de incêndio. Comparecendo em peso ao vernissage de artistas péssimos, os cavalheiros de colete de camurça recomendando um balé indígena a que assistiram no Theatro José de Alencar, as damas trajando tafetá e debatendo as dicas de livros feministas que viram no Saia Justa de ontem. Glamour arretado. O rude e influente Barão do Crime, de infância no cortiço, reservando uma mesa no elegante Famiglia Giuliano, para desespero dos habitués descendentes de industriais e de joalheiros, que engolem calados a afronta e engasgam-se com ravioli. Realizando megafesta de 15 anos em que o Dado Dolabella é contratado para dançar com a monstrinho debutante ao som de Mariah Carey ou de Wanessa Camargo. Descrevendo a viagem a Miami, balneário oficial dos milionários kitsch. Enveredando pela pilantr, ops, filantropia, cada doação é um flash. Confiram a lastimável pronúncia deles no programa do Walney Haidar.
Não tecer insinuações ao ataque dos super-vilões no Banco Central, a guerra de gangues, a matadores oriundos de Jaguaribe, a trombadinhas do calçadão da Beira-Mar. Prefiro celebrar a memória do clássico diálogo do Chapolin:
- Veja, as Pirâmides do Egito.
- Veja, o Colosso do Ceará.
Ri do recente impasse entre o governador e o Fernando Carvalho, professor lá da Computação, sobre a paternidade de um projeto, egos mais inchados que cururu no brejo.
Ao ler os textos apócrifos na internet com as tradicionais Pérolas do Enem, recordo-me de Patativa do Assaré. Fama por escrever errado.
Às vezes percebo-me simpatizando até com os robozinhos dos preparatórios ITA/IME e campeões em olimpíadas internacionais de matemática.
A decoração de Natal da fachada da Secretaria Regional I, simplicidade que fascinava o pirralho que fui. Bailes e tertúlias no Clube dos Diários ou no Náutico Atlético. Cafiaspirina e elixir paregórico na farmácia Oswaldo Cruz. Caldo de cana na Leão do Sul. Guerra de pipocas no Cine São Luiz. Fantasmas no Casarão do Português. Compras na Samasa, na Paraíso, na Arca da Aliança, no Romcy. Cochilo na rede. Vestuário do período Accioly. Harmonias de Alberto Nepomuceno. BEC dos peixinhos. A maresia e sua corrosão acelerada litoral afora. Prédios sepulcrais e suas luzes de pinball. Binóculos de rapina espreitam por trás de solitárias cortinas suburbanas. A melancolia dos pândegos no vácuo pós-êxtase da saída dos bordéis. Arriscadas acrobacias em evento na Base Aérea. Orson Welles no Mucuripe. Eu ia a shows na Biruta e passeava na Ponte dos Ingleses. Já contei que o Tiririca foi meu vizinho?
Entre a vanguarda do atraso e o sonho de ganhar na loteria, vamos seguindo. Cafona, hein? Procuremos executar o melhor com o parco e defasado kit de ferramentas que nos coube. Ainda que esse "melhor" seja motivo de piada para a ABNT e a ISO 9000. Não pioremos a situação. Tinha que sobrar um caipora para ser a raspa do tacho, o anão da hierarquia, contentar-se por encarnar o ciclope no reino de cegos, o astro das notas de rodapé. Parem de reclamar e voltem para o batente, magote de filho duma égua sem costume.
É perda de tempo traçar cotejos com Metrópole da Garoa, Big Apple, Ville-Lumière, Città Eterna. Ou mesmo com Irauçuba. Lilian Sem Calcinha Ramos com o Itamar Franco no sambódromo não é Marilyn Monroe cantando Happy Birthday para o John Kennedy. O bode Ioiô empalhado não é o touro de Wall Street. Cearense vaiando sol na Praça do Ferreira é tão patético quanto carioca aplaudindo crepúsculo. Deborah Soft = Cicciolina. Ruim-zianne Lins não é Rosa Luxemburgo. Não iremos nos desculpar por nosso estilo de vida. Somos o que somos. E vice-versa, acrescentaria o jogador de futebol da lenda urbana.
A terra é um lugar onde se vive, onde há que suportar visões, ruídos, odores. E não sou eu que digo. Só repito o aventureiro Conrad.
Visitem: http://fortalezanobre.blogspot.com.
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