terça-feira, 18 de janeiro de 2005

O Réquiem do Malandro

Bezerra da Silva era, ahn, como direi... Pitoresco.

Frasista rápido no gatilho, autor de disparos como "não preciso fazer a cabeça, já nasci com ela feita".

E ainda escolheu o dia 17 de janeiro para morrer.

Explico. 17 de janeiro = 17/01 (leiam um sete um, 171).

Ou seja, sua última matreirice foi armar com o dia do próprio falecimento uma alusão ao artigo do Código Penal que enuncia:

"Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento."

Isso é a pedra angular da filosofia da malandragem dos morros, estilo de vida para o qual os rústicos sambas de Bezerra são a trilha sonora irretocável. Sem emprego fixo, o malandro vive de bicos ou aplicando pequenos golpes (os tão comentados 171). Todos já ouvimos falar do tal jeitinho. Trata-se de um remake à brasileira da ancestral personalidade picaresca, oriunda do Velho Mundo. O sujeito que nos proporciona fartas risadas quando suas estripulias restringem-se ao território da ficção (livros, filmes, anedotas), mas que muito provavelmente não suportaríamos - eu não suportaria - ter como vizinho.

Assim como o futebol, o carnaval, o narcoterrorismo, a floresta amazônica, a prostituição infantil, os seqüestros-relâmpago, a indústria da seca, o coronelismo, a Bahi-iá-iá, a pistolagem, as mutretas políticas, a caipirinha, a pororoca, a pururuca, a feijoada, a jabuticaba, o xerém, a buchada de bode, a macumba, as novelas, as piadas de português e de argentino (ou sobre o Acre), Paulo Coelho, Carmen Miranda, os violeiros e as onças-pintadas do Pantanal, as enchentes paulistanas e cariocas, os quase-furacões de Santa Catarina, as top models do Rio Grande do Sul, as chacinas de índio, as invasões do MST, a impunidade galopante, as lambadas do Kaoma, o ET de Varginha, a mão truncada do Lula, o foguete que explodiu, a plataforma que afundou e o clone bovino que saiu errado, o 171, em seus vários trajes (malandragem, ginga, lei de Gérson), também é uma grande referência do Brasil varonil. Ninguém segura este país. Tipo no jogo da batata quente.