domingo, 15 de maio de 2016

Einstein

Trechos de Albert Einstein - Biografia (2010), de Laurent Seksik.


Final de julho: Mileva [Marić] e os dois filhos deixam Berlim e vão para Zurique. Einstein vai até a plataforma, apoiado por [Fritz] Haber. É preciso imaginar a cena. O homem de quem se guarda a imagem de gênio ativíssimo tem o rosto mergulhado nas mãos e contém as lágrimas. Quando o trem deixa a estação, explodem os soluços de um homem no ápice de sua glória científica, porém na mais profunda infelicidade sentimental.

No mesmo mês de julho de 1914, apenas alguns dias mais tarde, a estação de Berlim ressoa com um tumulto estrondoso e bem diferente. Nesse verão de 1914, pelas ruas da cidade como em todo o Império Germânico, explode um clamor. Nas mentes e nos corações retumbam marchas militares. Aquelas mesmas que, desde a mais tenra idade, Albert sempre temeu, detestou. O estalar das botas faz tremer o asfalto. Os apelos à guerra, o anúncio do grande combate suscitam entusiasmos, nutrem os sonhos de poder e glória. Bismarck semeou rastilhos de pólvora que um riscar de fósforo vai agora inflamar. Em Sarajevo, atiraram em um arquiduque. O tiro vai incendiar a Europa. O Reich vai finalmente entrar em luta com os vizinhos. A Prússia prosseguirá com seu apetite de conquistas. O Império inteiro está pronto para a carnificina. Embriagam-se todos com o perfume da flor no fuzil, com seu odor de enxofre.

No dia 29 desse mês de julho de 1914, Albert deixa a estação de Berlim, arrasado, com as costas curvadas. Três dias mais tarde, em 1º de agosto, os primeiros soldados prussianos entram, de cabeça erguida, no hall da estação. A guerra foi declarada. Primeiro contra a Rússia; depois, em 3 de agosto, contra a França.

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Ironia da história: no dia em que Mileva, a sérvia, deixa Albert às origens austro-húngaras, o imperador da Áustria-Hungria declara guerra à Sérvia e desencadeia a Primeira Guerra Mundial.

Albert quer manter as esperanças. Está convencido de que o meio científico da Alemanha e da França colocará todo o seu peso e toda a sua aura a serviço da paz. Os sábios terão como única preocupação fazer progredir a humanidade, lutar contra a barbárie e a carnificina que se anunciam.

Albert se desencantará.

Em vez de uma prece pela paz, um manifesto pela guerra é proposto à assinatura dos mais eminentes cientistas alemães. Todos aporão sua rubrica embaixo do "Manifesto dos 93". Eis a contribuição dos sábios ao esforço de guerra, a primeira de uma longa e aterrorizante lista. Ao percorrer o nome dos signatários, Albert fica arrasado. Três de seus mais eminentes colegas figuram nos primeiros lugares. Dentre os primeiros, está Philipp Lenard, feroz nacionalista que se tornará mais tarde o pior inimigo de Einstein. Mas igualmente Nernst, um dos que contribuíram para a vinda de Einstein a Berlim. Pior, lá está também Haber, o amigo Fritz, aquele que tanto fez para que a separação de Mileva se desenrolasse do modo menos ruim possível. No entanto, o mais grave para Albert é a presença de Planck, o grande Max Planck, o pai da física moderna, engajado na guerra. No manifesto, os cossignatários chegam a justificar a violação da neutralidade da Bélgica pelo exército alemão, ato que é unanimemente considerado o primeiro ato de barbárie do conflito.

Pior ainda, o manifesto afirma a equivalência entre cultura alemã e militarismo alemão.

Os colegas de Einstein não se contentarão apenas em assinar. Colocarão seu saber e sua inteligência a serviço da guerra. Eles se esforçarão para melhorar, para inventar as máquinas mais mortíferas. Essa guerra será a primeira na qual os sábios se atirarão de cabeça, semeando a morte a golpes de avanços tecnológicos. A cada manhã, eles entram em seus laboratórios como quem parte para o front.

Fritz Haber, o amigo Fritz, dirige o instituto de química no qual Albert trabalha. Haber orienta todas as pesquisas de seu laboratório em proveito da máquina de guerra. Haber sente-se galvanizado pela guerra. Vai fazer o que pode para colocar o progresso técnico a serviço da barbárie. Suas experiências permitirão, a partir de 1915, a produção de gases mortais à base de cloro. Seis meses depois do começo do conflito, ele irá até o front oeste para assistir à consagração de seu trabalho: o primeiro ataque de gás sobre as trincheiras inimigas. Milhares de soldados aliados morrerão asfixiados, vítimas de uma experimentação que rapidamente passa para o estágio industrial. Haber será promovido ao grau de major pelo exército alemão. O amigo Haber será inscrito na lista de criminosos de guerra na ocasião do tratado de Versalhes.

O que faz Albert, o que ele pode fazer diante desse desencadeamento de violência e ódio, diante dessa enxurrada nacionalista? Nas calçadas de Berlim, em toda parte onde seus passos o levam, as fanfarras, os vendedores de jornais celebram a guerra, o avanço alemão, as vitórias passadas e por vir. Albert está preso na multidão de cortejos que apoiam as tropas de partida. Está sozinho no meio de um povo exultante. Exclamam em toda parte: a Alemanha e a Áustria estão em estado de legítima defesa. Não vamos nos deixar esmagar pelos "Aliados", esses criminosos, esses bárbaros. Parte-se para a carnificina sob brados de guerra. Os telegramas sucedem-se, anunciando vitórias. O exército francês recua. A frota inglesa afundou, o exército russo bateu em retirada. O manifesto proclamava: a cultura - Goethe, Beethoven - é alemã. E a vitória será alemã. Um "Canto de Ódio à Inglaterra", escrito por um obscuro poeta de nome Lissauer, musicado e entonado por setenta milhões de alemães, torna-se uma espécie de hino nacional. Na primavera de 1915, a Polônia e a Galícia são conquistadas.

Na época, a ninguém ocorre reparar nos trens-hospitais que retornam do front, trens de mercadorias onde, sobre colchões de palha, jazem, gemendo, com as entranhas à mostra, o rosto desfigurado, milhares de feridos.

Contudo, Einstein não permanece impassível e imagina, com alguns amigos, replicar o "Manifesto dos 93". O "Manifesto dos Europeus", tal é seu nome, pretende ser um apelo à razão e uma denúncia dos perigos da loucura nacionalista. Conseguirá apenas três signatários e permanecerá letra morta.

Em setembro de 1915, Einstein, insolente, irá ao encontro de Romain Rolland, que, de Genebra, exerce seu combate contra a guerra. Mas Rolland também está tão isolado quanto Einstein. Quem é capaz de escutar a voz da razão? Os povos não estão preparados para abrir os olhos para as pilhas de cadáveres. Rolland, de resto, não levará muito a sério aquele sábio de aparência lunática que veio lhe dizer o que era preciso fazer para parar a guerra.

Einstein tenta então curar suas próprias feridas. Procura dar um termo à sua própria guerra, a exercida contra Mileva. Cria compromissos para tentar ver os filhos. Aquela que ainda é oficialmente sua esposa instiga as crianças contra o pai. Não são as regras dessa guerra? [...]

Albert vai até Zurique em 1915, depois em 1916. Sua última viagem tem por objetivo a assinatura do fim das hostilidades: o anúncio do divórcio.

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Cansado de guerra, mergulhará no mundo de suas pesquisas até o final das hostilidades. A saída dos combates anunciará igualmente a suspensão das hostilidades com Mileva. O divórcio será pronunciado no dia 14 de fevereiro de 1919.

O que fez Einstein enquanto seus confrades colocavam os próprios saberes e técnicas a serviço de máquinas de morte? Enquanto Nernst e Haber contribuíam para a sofisticação dos gases tóxicos lançados sobre as trincheiras e para a "eficácia" dos explosivos? Por falta de apoio, levado a abandonar o combate contra a guerra, interrompeu sua pregação no deserto e viu com pavor as nações se perderem na loucura belicosa. A constatação era amarga: ele não tinha poder para se opor a nada. Era um homem sozinho, no meio de uma nação unida em torno de seus objetivos de guerra. Tinha de aceitar a derrota de seus ideais. Sonhar com amanhãs em que se cantassem outras árias, e não cantos de guerra celebrando campos de batalha. Apesar de tudo, mantinha a esperança no retorno à razão quando chegasse a hora de a soldadesca voltar para casa, mas era forçado a reconhecer que, por ora, sua fé em um mundo melhor estagnara na lama das trincheiras das Ardennes. Porém, tinha certeza de que ela ressuscitaria dentro em breve.

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1915. Einstein precisa recolher-se para suas terras, as que ele conhece intimamente, as que são só suas. Em seu exílio interior, Einstein dedica-se às pesquisas. Sabendo que não poderá modificar o curso dos acontecimentos, abandona-se a uma ambição mais alta ainda, porém mais ao seu alcance: mudar a visão do universo, encontrar a lei que rege o deslocamento dos planetas, elaborar a lei da gravitação. Durante o ano de 1915, em meio às privações de um mundo em guerra, e em pleno caos sentimental, Einstein é presa de uma espécie de loucura criadora.

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Freundlich, um jovem astrônomo, assistente do Observatório de Berlim, está fascinado pela hipótese de Einstein. Quer ser o homem que terá demonstrado essa tese e revolucionado a ciência. Ele organiza uma expedição em julho de 1914 partindo de Berlim em direção ao Polo Norte. Porém, o astrônomo aventureiro verá seu projeto interrompido pelo avanço do exército russo a caminho da fronteira alemã.

Em 1917, as teorias de Einstein adquiriram notoriedade internacional. Não se trata de um projeto insignificante. A validação desses princípios tornaria caduca a lei de gravitação absoluta de Newton. Os cientistas de Berlim estão ocupados em tentar salvar a guerra que se anuncia perdida desde o envolvimento dos americanos no conflito. Berlim vive a hora das privações. A miséria está por todo lado. O Reino Unido, embora engajado na guerra, é mais poupado do que o resto da Europa.

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Em 1918, duas expedições são organizadas para regiões equatoriais, locais onde o eclipse é observável com mais clareza. A primeira é dirigida pelo professor Eddington, para as costas africanas da Guiné. A segunda é organizada por Davidson, para Sobral, no nordeste do Brasil.

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Novembro de 1919. A guerra acabou. Celebra-se o primeiro aniversário do armistício. As pessoas se prometem que aquela será a "Derradeira das Derradeiras". Eis a apoteose: um homem nos fez entrar na quarta dimensão.

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Em todas as partes do mundo, a descoberta de Einstein [Relatividade] é festejada como a vitória da criatividade sobre o saber. Celebra-se a força do imaginário. Em toda parte... salvo na Alemanha. A Alemanha deveria consagrar Einstein como herói nacional. O antigo Reich é um país de vencidos, um país decomposto, esmagado pela miséria, com o orgulho ferido. Sua nação não se reconhece nesse nômade que despreza o orgulho nacionalista, que se recusou a assinar o "Manifesto dos 93". Os heróis desse país morreram no campo de batalha. Os outros, os da retaguarda, não passam de covardes. A Alemanha de 1919 não está em busca de modelos. Ela procura culpados. Está convencida de ter sido apunhalada pelas costas. A Alemanha procura responsáveis por sua honra vilipendiada, por sua desgraça, pelo roubo de sua vitória prometida. Einstein não é festejado na Alemanha. Para os vencidos, ele continua sendo um pacifista, judeu, internacionalista - a figura maldita do inimigo e do traidor.


Mais:
http://docs.google.com/file/d/0BxwrrqPyqsnIaXZ3SEdvMENiNDQ
http://www.mallstuffs.com/Blogs/Science-in-Hinduism-Einstein-Theory-of-Relativity
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