domingo, 16 de agosto de 2015

D'Annunzio

FOLHA DE SÃO PAULO
1 de março de 2013

Gabriele d'Annunzio: poeta, sedutor e apóstolo da guerra

O homem que Mussolini definiu como o "João Batista" do fascismo foi um herói nacional com apetite insaciável por sexo.

(Thomas Jones)

Em 7 de agosto de 1915, Gabrielle d'Annunzio e Giuseppe Miraglia decolaram de Veneza em um avião, rumo a Trieste, então ainda parte do Império Austro-Húngaro, com uma carga de bombas e panfletos de propaganda. Miraglia, o piloto, tinha 32 anos e era oficial do exército italiano; d'Annunzio, que voava no assento do observador, era 20 anos mais velho que o companheiro e famoso em toda a Itália, Europa e mais além, como escritor, libertino e nacionalista feroz. Ele carregava um caderno, no qual anotou suas impressões sobre Veneza vista do ar ("os tortuosos canais, verdes como malaquita"), e usava as páginas para escrever mensagens a Miraglia: "Você quer um café?"

Ao chegar a Trieste, eles foram alvo de fogo inimigo. Miraglia mergulhou com o avião por sobre a marina da cidade, e d'Annunzio lançou bombas contra os submarinos austríacos e folhetos (cujo texto ele mesmo havia escrito) nas piazzas. Quando tomaram o curso de retorno à Itália, perceberam que uma das bombas havia ficado presa ao avião. "Veja se você consegue empurrá-la", Miraglia escreveu no caderno de d'Annunzio. "Mas não a gire". O escritor deve ter conseguido realizar a manobra, porque o avião pousou em segurança em Veneza. D'Annunzio havia acabado de "iniciar sua nova vida como herói nacional", escreve Lucy Hughes-Hallett em "The Pike: Gabriele d'Annunzio - Poet, Seducer and Preacher of War", a nova e instigante biografia desse "poeta, sedutor e apóstolo da guerra".

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Uma das melhores descrições sobre a voz hipnótica de d'Annunzio vem da filha adolescente do compositor Pietro Mascagni: "Quando o signor d'Annunzio fala, é sempre como se estivesse contando um segredo ao interlocutor. Mesmo que esteja apenas dizendo bom dia". Ela o conheceu em Paris, para onde o escritor se mudou em 1910 a fim de escapar aos seus credores na Itália.

D'Annunzio fez um retorno triunfal ao seu país em maio de 1915, convidado a discursar na inauguração de um monumento a Garibaldi em Quarto, perto de Gênova. Ele usou sua voz mágica para falar às vastas multidões que acorreram para recebê-lo -100 mil pessoas quando ele chegou a Roma, em 12 de maio, de acordo com o jornal "Corriere della Sera" -, apelando para que a Itália entrasse na guerra e completasse a unificação do país pela anexação de vastas porções do Império Austro-Húngaro - ainda que a decisão de fazê-lo já tivesse sido tomada de modo irrevogável quando o escritor ainda estava na França.

O imenso morticínio e os três anos de impasse na campanha dos montes Dolomitas em nada reduziram o entusiasmo de d'Annunzio pela guerra. Ele perdeu muitos amigos, entre os quais Miraglia, e ficou cego de um olho depois da queda de um avião em que estava voando. Mas depois do armistício escreveu que "sinto o fedor da paz". Para d'Annunzio, a guerra não estava acabada: em setembro de 1919, ele liderou um pequeno exército de combatentes irregulares e soldados amotinados e ocupou a cidade de Fiume (hoje Rijeka, na Croácia), cujo controle estava em disputa, estabelecendo-se como ditador. Reinou por 15 meses como "Duce" de Fiume, até que um bombardeio da marinha italiana o forçou a se retirar.

Em fevereiro de 1921 ele se mudou para a casa vizinha ao lago Garda onde viveria em reclusão parcial até a morte, em 1938, dedicando-se à cocaína, coito e decoração de interiores. Sua aposentadoria foi bancada, majoritariamente, pelo governo fascista, que queria mantê-lo quieto e fora do caminho. Mussolini desejava promover d'Annunzio como o João Batista do fascismo, e fazê-lo seria muito mais fácil caso o homem, que discordava dessa interpretação, estivesse fora do caminho.

"Ainda que d'Annunzio não fosse fascista", afirma Hughes-Hallet, "o fascismo era d'annunziano". Em 1892, ele havia escrito que "os homens serão divididos em duas raças. Aos superiores, que se terão erguido pela pura energia de sua vontade, tudo será permitido; aos inferiores, nada ou quase nada".



Fonte:
http://www1.folha.uol.com.br/1238676-gabriele-dannunzio-poeta-sedutor-e-apostolo-da-guerra.shtml

Mais:
http://docs.google.com/file/d/1vDKxmGtlHbWk-U4w6jYX7slJje39E-L2