domingo, 3 de maio de 2015

Gallipoli


AVENTURAS NA HISTÓRIA
1 de setembro de 2004

Gallipoli, o fiasco

Estabelecer uma frente de combate na península de Gallipoli, na costa turca, parecia o plano perfeito. Mas a operação se tornou um dos maiores fracassos dos aliados. E um dos maiores banhos de sangue de toda a guerra.

(Isabelle Somma)

Era 23 de abril de 1915, uma chuvosa madrugada de primavera na costa oriental do Mar Mediterrâneo. O mau tempo que insistia em encobrir a região mais lembrava o das ilhas britânicas, de onde vinha parte dos soldados instalados em navios mercantes e de guerra. Outros milhares de homens oriundos da França e de suas colônias, além da Austrália e Nova Zelândia, também aguardavam melhores ventos para desembarcar na península de Gallipoli, litoral da Turquia. A operação era uma das esperanças dos aliados de reverter os resultados negativos nas frentes de luta europeias. Mas a campanha, que começou dois dias depois daquela madrugada e durou nove meses, foi uma das maiores derrotas da Tríplice Entente, formada por Grã-Bretanha, França e Rússia. E um dos maiores banhos de sangue de toda a guerra. Morreram ali 60 mil aliados e 90 mil turcos. Segundo documentos do governo inglês, o número de baixas foi de quase meio milhão de homens, entre mortos, feridos e desaparecidos.

A operação saiu da cabeça do alto comandante da marinha britânica, Winston Churchill. A estratégia tinha objetivos militares. Mas também psicológicos. Ingleses e franceses estavam desapontados com a estagnação da guerra no Front Ocidental. Há meses, a luta nas trincheiras rendia poucos frutos. Para Churchill, a ideia de abrir uma nova frente de combate acenava com possibilidades de sucesso para a Entente. E maior ânimo para as tropas aliadas. A tal operação em Gallipoli pareceu ainda melhor depois que a Turquia entrou na guerra para ajudar os alemães. Os aliados russos, por outro lado, passavam sérias dificuldades no Front Oriental. O czar Nicolau II pediu auxílio em forma de tropas e munição. Portanto, um ataque bem-sucedido contra a capital turca, Constantinopla, mataria dois coelhos com uma só cajadada: representaria uma derrota para a Tríplice Aliança e abriria um flanco de auxílio aos russos. Era o plano - quase - perfeito.

PLANO X AÇÃO

Para colocar a ideia em ação, contudo, era necessário reunir tropas e navios. O exército britânico dispunha de apenas uma divisão de infantaria - ou seja, 12 mil homens - para a empreitada. A maior parte de seus soldados lutava nas trincheiras europeias. Os franceses, com seu território ameaçado pelos alemães, também não tinham muito a oferecer. Além disso, a eficiente armada de guerra inglesa estava bastante ocupada no Mar do Norte, lutando contra os navios alemães. Como, então, reverter o plano em ação? A solução foi utilizar os poucos homens que restavam - e os navios já aposentados. Com esse arranjo tosco, a ideia começou a virar prática em fevereiro de 1915. O objetivo era usar a frota naval para atacar as fortalezas turcas que defendiam o Estreito de Dardanelos. Com apenas 7 quilômetros de largura, o estreito liga o Mar Mediterrâneo ao Mar de Marmara, acesso para Constantinopla e para o Mar Negro, que costeia a Rússia. O bombardeio, no entanto, não obteve êxito. "O ataque naval dos aliados fracassou devido à falta de bons equipamentos de busca de minas e à eficiente artilharia turca, estacionada em ambos os lados do estreito", afirma Timothy Travers, autor de Gallipoli e professor de história da Universidade de Calgary, no Canadá. De acordo com ele, as minas marítimas provocaram grandes estragos nos navios britânicos e franceses.

Quando as nuvens carregadas se foram, os soldados remaram até a costa. Só que, devido a uma inexplicável mudança de rota, a maior parte dos integrantes das Anzac desembarcou a 2 quilômetros do ponto planejado. No local, que ganharia o nome de Anzac Cove (Abrigo Anzac), os homens encontraram um terreno bastante difícil de atravessar, com muitos barrancos e uma vegetação cortante. Mesmo assim eles conseguiram se estabelecer na região. A outra base foi instalada em Helles, na ponta da península, exatamente como planejado. A partir daí, começaram os confrontos terrestres. A luta era penosa, principalmente para os soldados aliados. Enquanto eles tinham de avançar em condições duras, subir e descer barrancos, cavar trincheiras, carregar armas, os turcos contavam com fortalezas e linhas de abastecimento terrestre contínuo. Os aliados também sofreram com o calor abrasador, com os insetos atraídos por corpos em decomposição, com as condições inadequadas de higiene e de alimentação, além da potente artilharia inimiga.

SANGUE, SUOR E LÁGRIMAS

Nos meses seguintes, os aliados tentaram por três vezes atacar a região de Krithia. Todas as incursões foram reprimidas pelo general Von Liman. O fracasso das operações provocou a demissão de um dos almirantes do lado britânico - e também de Churchill, que futuramente ocuparia o cargo de primeiro-ministro da Grã-Bretanha. Em junho, o comando aliado se reuniu para elaborar uma nova estratégia para reverter a situação. Uma leva de homens foi enviada para a costa turca. Ao mesmo tempo, as tropas otomanas, comandadas por Mustafa Kemal, que viria a se tornar o fundador do Estado moderno turco, ganharam reforços. A trupe aliada chegou à baía de Suvla em agosto de 1915. A intenção era que eles se unissem às tropas Anzac e avançassem juntos. A Entente precisava da vitória. Os alemães haviam acabado de massacrar os russos no Front Oriental. Mas, de novo, nada deu certo. Segundo Travers, vários problemas se acumulavam: "Era o começo da guerra e as tropas aliadas esbanjavam inexperiência, especialmente em ofensivas. Tinham mais facilidade de defender uma posição do que atacar, como precisavam fazer em Gallipoli. Também havia sérios problemas de comando no lado aliado. Hamilton usou táticas erradas e obsoletas. Em contraste, os turcos eram duros defensores - e tinham bons comandantes."

Enquanto isso, a Sérvia, país aliado à Entente, era invadida pelos alemães. Uma nova frente se fazia necessária para defendê-la - e muitos homens teriam de ser enviados para lá. O general Ian Hamilton passou a disputar reforços com a novíssima frente de luta. E ninguém queria dispor de mais soldados para as batalhas no território turco, onde a mortalidade atingia números inacreditáveis e os resultados eram pífios. Sem outro caminho, o comando aliado decidiu-se por uma retirada de Gallipoli, em outubro de 1915. Hamilton protestou, alegando que haveria muitas mortes. Ele foi trocado por um novo comandante, que recomendou uma saída à francesa. Em dezembro, o governo britânico deu a ordem de capitulação. Somando, ainda restavam 140 mil homens em Anzac Cove, Suvla e Helles. O último deles embarcou de volta em 9 de janeiro de 1916. Ironicamente, foi a operação de maior êxito dos aliados em Gallipoli. Depois de tantos fracassos, houve apenas três baixas na campanha. "Por um lado, o plano era bom. Por outro, os turcos sabiam da retirada e resolveram não interferir porque não queriam perder mais homens em um ataque desnecessário", afirma Travers.


Fonte:
http://guiadoestudante.abril.com.br/aventuras-historia/gallipoli-fiasco-433945.shtml

Mais:
http://www.youtube.com/playlist?list=PLrWPsj6fVbeUIDLpGaVBrxZXkcOlJIwcR
http://anzacportal.dva.gov.au