Lá pelos meus 6 anos, eu era audiência cativa de umas vinhetas com
boletins econômicos que a finada TV Manchete exibia. Para mim, aquilo
soava como híbrido de sânscrito com braile, mas o que me divertia às
pencas era o barulhinho de máquina de escrever que havia. Embora eu
entenda tanto de [liberalismo, subprimes, commodities, leasing, spread,
Adam Smith, Bastiat, Mises, Hayek, Friedman] quanto dos hábitos sexuais
de preás, aqui vou dar pitaco. Vocês que lêem blogs já aturam um magote
de palpiteiros mesmo.
Crise grave, dizem por aí. Indícios de borrasca no horizonte do cifrão. Sou à moda antiga nesse ramo. Tempos atrás, eu teimava em manter meu escasso patrimônio pecuniário embaixo do colchão. Na dúvida, procurei um especialista. Fui à Barra do Ceará, numa região onde moram uns remanescentes indígenas. Tencionava encontrar-me com o velho e rodado pajé Sapussunga, emérito praticante de ocultismo pré-cabralino, exímio sapateiro e afinador de chocalho. Há rumores de que ele, não obstante sua provecta idade, almeja enfrentar o vestibular para a Fafi Siqueira - Faculdade de Filosofia do Siqueira.
Eu queria saber sobre os tais Bovespa, Dow Jones, Nasdaq, Merval. Ele decidiu utilizar sua acurada técnica de trozobomancia, a qual consiste em adivinhar o futuro por meio da interpretação de como o vento balança os imberbes genitais de um grupo de 7 remelentos curumins no alto do morro dos 7 carcarás. Depois de uma criteriosa observação do vai-e-vem dos bilaus, o ancião soprou uma fumaça catinguenta de seu cachimbo e vaticinou: "Mizifio (ok, espertinhos, é dialeto da senzala, e não da oca), rem coija braba puraí." Paguei o analista com um vale-refeição e um pacote de fumo. Recompensei os pirralhos com bombons-chiclete. Não existe almoço grátis.
E eu de besta supondo que estivéssemos acostumados a esses choques nas capangas e nos porquinhos de gesso desde o estouro de 1929. Até nosso presidente, o homem que sabia de menos, agora tem o olho de Thundera que vê além da instabilidade e ergue para a nação o polegar da incompleta mão numa balsâmica mensagem de Com a gente, tudo joinha. Qualquer semelhança com Pangloss e Pollyanna é mera coincidência. Nas aventuras do Inácio, leitura é a kryptonita.
É quando de repente surgem, de que fundo de pedra musguenta ou de que canto mofado de parede, ninguém sabe: Eles. A torcida do Vai Piorar Futebol Clube. Natural born hooligan, essa galera vibra, com seus apitos, rojões, buzinas, tambores e corais de VTNC. Sua lascívia atinge níveis de baile funk ao verem os números e ↓ e % que desfilam nos telões das bolsas de valores e ratificam a fase ruim, emitem Oh! Yes de Linda Lovelace devido a inverossímeis concordatas e ruínas, gemem lúbricos ao notar os mugangos e as carrancas nos aflitos semblantes dos engravatados investidores, erguem cartazes com as clássicas "OURO DE TOLO" e "A PROPRIEDADE É UM ROUBO". Estranhos prazeres. O bando sequer imagina que, passada a erupção do crash, entre feridos, mortos, bancarrotas, traumas e destroços, o tão (mal) falado sistema continuará. Resistance is futile. Ajudar a limpar a fuligem e a varrer a caliça que é bom, nada.
Ainda que autistas profissionais reneguem e esperneiem. Malgrado a intempérie, o $$$ vai permanecer como uma das bases da maneira de nos organizarmos. Ainda que se celebrem em versos montanhas alterosas, bosques com mais vida e povo heróico que dá brado retumbante, reparem como o cerne da nossa experiência com paisagens e personagens está de fato é nos cenários e nos canastrões do capital. Os amontoados caleidoscópicos de outdoors, as ligações oferecendo assinatura daquela revista que só serve para aliviar o ócio da espera no consultório do dentista, as infatigáveis moças do cartão de crédito universitário, os bares cujas mesas e cadeiras invadem as calçadas, crediário, SPC, Serasa, caderneta de poupança, hipoteca, Assis Chateaubriand, Barão de Mauá, os comerciais de plano de saúde ou funerário com narração que remete ao pensamento vivo de Rocky Balboa, o sorveteiro com o bordão do traga a vasilha, o restaurante self service que trapaceia nas pesagens, o intervalo para o vamos faturar no programa do Raul Bugio, as talentosas cantoras que se transformam em grife de roupa/linha de brinquedos/marca de perfume, o milagre da multiplicação de workshops com o tema Como se tornar milionário, os zigurates pós-modernos em forma de shopping center, as bombas e placas de postos de gasolina, as pizzarias de 100 sabores, os estacionamentos com vários andares, os cultos e misticismos que cercam produtos tipo [relógios Rolex, ternos Armani, bolsas Louis Vuitton, calças Gucci, bonés Von Dutch, carros Rolls-Royce], as máfias de flanelinhas, os hoaxes para extrair grana fácil de lesados virtuais, os ladrões encardidos e disentéricos assombrando as lojinhas do bairro, as 10 horas por dia - 5 dias por semana - no setor de embalagens, os professores de ensino médio que dão aula em 6 colégios, os comensais que botam boneco no momento de rachar a conta do rodízio, as mercearias falidas que se transmutam em igrejas evangélicas, o eletrodoméstico que pode ser adquirido com prestações a perder de vista, as coleções de contracheque, os matrimônios que começam com "Meu bem" e terminam com separação de bens, os gigantescos prédios com escritórios de contabilistas e de advogados, os cunhados trambiqueiros que devem quantias da ordem de R$ 10³, os sem-noção a puxar conversa idem na fila do caixa eletrônico, os figurões de Wall Street com os inseparáveis charutos, os figurões brasileiros e suas entidades filantrópicas - provável fachada para lavagem de dinheiro -, os spams anunciando penis enlargement for only trololó dollars, os muros com a pichação "O CAPITALISMO É UM TIGRE DE PAPEL" (cor da tinta: vermelho-conjuntivite), paraíso fiscal nas ilhas Cayman, os vendedores que divulgam trastes açucarados pelos ônibus, os lacaios de transportadora munidos de armamento pesado, o colorido incuravelmente cafona das casas de bingo, as sacolas d'O Boticário das quais as consumidoras fazem pasta para agenda & material escolar (o que lembra os potes de requeijão travestidos de copos na cozinha), o afável balconista ao lidar com uma devolução de mercadoria, os avisos de Este ponto mudou-se para. Fique com o troco, seu animal.
Crise grave, dizem por aí. Indícios de borrasca no horizonte do cifrão. Sou à moda antiga nesse ramo. Tempos atrás, eu teimava em manter meu escasso patrimônio pecuniário embaixo do colchão. Na dúvida, procurei um especialista. Fui à Barra do Ceará, numa região onde moram uns remanescentes indígenas. Tencionava encontrar-me com o velho e rodado pajé Sapussunga, emérito praticante de ocultismo pré-cabralino, exímio sapateiro e afinador de chocalho. Há rumores de que ele, não obstante sua provecta idade, almeja enfrentar o vestibular para a Fafi Siqueira - Faculdade de Filosofia do Siqueira.
Eu queria saber sobre os tais Bovespa, Dow Jones, Nasdaq, Merval. Ele decidiu utilizar sua acurada técnica de trozobomancia, a qual consiste em adivinhar o futuro por meio da interpretação de como o vento balança os imberbes genitais de um grupo de 7 remelentos curumins no alto do morro dos 7 carcarás. Depois de uma criteriosa observação do vai-e-vem dos bilaus, o ancião soprou uma fumaça catinguenta de seu cachimbo e vaticinou: "Mizifio (ok, espertinhos, é dialeto da senzala, e não da oca), rem coija braba puraí." Paguei o analista com um vale-refeição e um pacote de fumo. Recompensei os pirralhos com bombons-chiclete. Não existe almoço grátis.
E eu de besta supondo que estivéssemos acostumados a esses choques nas capangas e nos porquinhos de gesso desde o estouro de 1929. Até nosso presidente, o homem que sabia de menos, agora tem o olho de Thundera que vê além da instabilidade e ergue para a nação o polegar da incompleta mão numa balsâmica mensagem de Com a gente, tudo joinha. Qualquer semelhança com Pangloss e Pollyanna é mera coincidência. Nas aventuras do Inácio, leitura é a kryptonita.
É quando de repente surgem, de que fundo de pedra musguenta ou de que canto mofado de parede, ninguém sabe: Eles. A torcida do Vai Piorar Futebol Clube. Natural born hooligan, essa galera vibra, com seus apitos, rojões, buzinas, tambores e corais de VTNC. Sua lascívia atinge níveis de baile funk ao verem os números e ↓ e % que desfilam nos telões das bolsas de valores e ratificam a fase ruim, emitem Oh! Yes de Linda Lovelace devido a inverossímeis concordatas e ruínas, gemem lúbricos ao notar os mugangos e as carrancas nos aflitos semblantes dos engravatados investidores, erguem cartazes com as clássicas "OURO DE TOLO" e "A PROPRIEDADE É UM ROUBO". Estranhos prazeres. O bando sequer imagina que, passada a erupção do crash, entre feridos, mortos, bancarrotas, traumas e destroços, o tão (mal) falado sistema continuará. Resistance is futile. Ajudar a limpar a fuligem e a varrer a caliça que é bom, nada.
Ainda que autistas profissionais reneguem e esperneiem. Malgrado a intempérie, o $$$ vai permanecer como uma das bases da maneira de nos organizarmos. Ainda que se celebrem em versos montanhas alterosas, bosques com mais vida e povo heróico que dá brado retumbante, reparem como o cerne da nossa experiência com paisagens e personagens está de fato é nos cenários e nos canastrões do capital. Os amontoados caleidoscópicos de outdoors, as ligações oferecendo assinatura daquela revista que só serve para aliviar o ócio da espera no consultório do dentista, as infatigáveis moças do cartão de crédito universitário, os bares cujas mesas e cadeiras invadem as calçadas, crediário, SPC, Serasa, caderneta de poupança, hipoteca, Assis Chateaubriand, Barão de Mauá, os comerciais de plano de saúde ou funerário com narração que remete ao pensamento vivo de Rocky Balboa, o sorveteiro com o bordão do traga a vasilha, o restaurante self service que trapaceia nas pesagens, o intervalo para o vamos faturar no programa do Raul Bugio, as talentosas cantoras que se transformam em grife de roupa/linha de brinquedos/marca de perfume, o milagre da multiplicação de workshops com o tema Como se tornar milionário, os zigurates pós-modernos em forma de shopping center, as bombas e placas de postos de gasolina, as pizzarias de 100 sabores, os estacionamentos com vários andares, os cultos e misticismos que cercam produtos tipo [relógios Rolex, ternos Armani, bolsas Louis Vuitton, calças Gucci, bonés Von Dutch, carros Rolls-Royce], as máfias de flanelinhas, os hoaxes para extrair grana fácil de lesados virtuais, os ladrões encardidos e disentéricos assombrando as lojinhas do bairro, as 10 horas por dia - 5 dias por semana - no setor de embalagens, os professores de ensino médio que dão aula em 6 colégios, os comensais que botam boneco no momento de rachar a conta do rodízio, as mercearias falidas que se transmutam em igrejas evangélicas, o eletrodoméstico que pode ser adquirido com prestações a perder de vista, as coleções de contracheque, os matrimônios que começam com "Meu bem" e terminam com separação de bens, os gigantescos prédios com escritórios de contabilistas e de advogados, os cunhados trambiqueiros que devem quantias da ordem de R$ 10³, os sem-noção a puxar conversa idem na fila do caixa eletrônico, os figurões de Wall Street com os inseparáveis charutos, os figurões brasileiros e suas entidades filantrópicas - provável fachada para lavagem de dinheiro -, os spams anunciando penis enlargement for only trololó dollars, os muros com a pichação "O CAPITALISMO É UM TIGRE DE PAPEL" (cor da tinta: vermelho-conjuntivite), paraíso fiscal nas ilhas Cayman, os vendedores que divulgam trastes açucarados pelos ônibus, os lacaios de transportadora munidos de armamento pesado, o colorido incuravelmente cafona das casas de bingo, as sacolas d'O Boticário das quais as consumidoras fazem pasta para agenda & material escolar (o que lembra os potes de requeijão travestidos de copos na cozinha), o afável balconista ao lidar com uma devolução de mercadoria, os avisos de Este ponto mudou-se para. Fique com o troco, seu animal.