domingo, 8 de janeiro de 2017

Rasputin

HISTÓRIA VIVA
Março de 2010

Rasputin se recusa a morrer

A história da morte do mago e curandeiro da realeza russa que, em uma única noite, foi envenenado, alvejado por tiros e mutilado, mas se recusou a morrer nas mãos de seus assassinos.

(Alain Frerejean)

Em 1916, Grigori Iefimovitch Novykh, vulgo Rasputin, era o homem mais poderoso da Rússia. Dizem que tinha um olhar penetrante e magnético, compatível com a fama de místico que ampliava seu poder pessoal. De fato, exercia indiscutível fascínio sobre o frágil czar Nicolau II e sua bem-amada esposa, a imperatriz Alexandra Feodorovna. Mas o poder de Rasputin não era nem um pouco oculto. Apoiava-se na excepcional ascendência que tinha sobre os monarcas absolutos da Rússia de então. Ele nomeava ministros do mesmo modo que os derrubava. Sua aparência era desagradável. Filho de camponeses (então chamados "mujiques", sinônimo de pobreza associada à servidão), o mago era sujo e grosseiro: a barba estava sempre desgrenhada, e os cabelos eram compridos, maltratados e gordurosos. Mal sabia ler e escrever. Príncipes e grão-duques ficavam chocados diante da visão daquele homem. A população o temia. A nobreza espalhava boatos de que ele seria o responsável por todas as agruras pelas quais o país passava na Primeira Guerra Mundial, e as más línguas o acusavam, infundadamente, de ser amante da czarina, além de agente da inimiga Alemanha. Alguns conspiravam para assassiná-lo, o que ele não ignorava.

No início de dezembro daquele ano de 1916, Rasputin enviou a Nicolau II uma carta profética: Czar de todas as Rússias, tenho o pressentimento de que até o final do ano eu deixarei este mundo. Serei assassinado, já não estarei entre vós. Se eu for morto por gente do povo, gente como eu, tu não tens nada a temer, continuarás no trono. Mas, se eu for morto por nobres, as mãos deles ficarão manchadas pelo meu sangue. Eles se odiarão e matarão uns aos outros. Dentro de 25 anos não restará um único nobre neste país. Nenhum parente teu, nenhum de teus filhos sobreviverá mais de dois anos. O povo russo dará cabo de todos. Assim, depois que eu desaparecer, tem cuidado, pensa bem, protege-te. Diz a todos os teus que derramei meu sangue por eles. Reza, reza, sê forte, pensa em tua família.

Alguns dias depois, em 29 de dezembro de 1916, um telefonema anônimo avisou Rasputin de um perigo iminente, mas sem mais detalhes. Um pouco mais tarde, Protopopov, ministro do Interior, foi pessoalmente pedir que ele se trancasse em casa. Tudo em vão, pois à meia-noite, o místico se vestiu e se perfumou para sair.

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Uma noitada social aguardava o enjeitado filho de camponeses no palácio Iussupov, o ambiente mais luxuoso de Petrogrado (atual São Petersburgo). O carro do próprio príncipe Félix Iussupov foi buscá-lo em casa para o programa: conhecer sua casa e sua jovem esposa, Irina; em seguida, os três buscariam diversão fora dali, com os ciganos. Era uma armadilha. Na realidade, Irina estava em Ialta, na Crimeia. O príncipe havia organizado uma farsa. No salão do primeiro andar, um fonógrafo tocava árias de dança, como se a dona da casa estivesse dando uma recepção para a alta sociedade local. Na verdade, ali estavam somente os quatro cúmplices do príncipe: o grão-duque Dimitri Pavlovitch, o deputado Purichkevitch, o tenente Sukhotin e o médico Lazovert. Para produzir o som de vozes femininas, eles tinham convocado Marianna Defelden, parente de Dimitri, e Vera Karalli, bailarina do balé Bolshoi. [...] [Havia] Docinhos envenenados com cianureto de potássio pelo doutor Lazovert. Também havia veneno em dois dos quatro copos - para que não houvesse chance de erro na dose.

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Ele [Rasputin] gostava de vinho, pediu para ser servido novamente. Iussupov conseguiu então dar a ele um dos dois copos que continham veneno. Rasputin bebeu de um só gole, sem perceber nem gosto nem cheiro suspeito. E nada aconteceu. Aterrorizado, Iussupov desculpou-se e subiu ao primeiro andar, para avisar seus cúmplices que o veneno não fazia efeito: Rasputin tinha seguramente parte com o diabo.

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O príncipe desceu novamente, com uma arma escondida. [...] Empunhou a arma e acertou-o no peito. Com um grito, Rasputin desabou no chão. Ao ouvir o ruído, os quatro cúmplices entraram correndo e levaram o corpo do infeliz, em convulsão, até o pátio. Antes de irem jogar o corpo no rio, os quatro voltaram ao primeiro andar, para se despedir das duas senhoras e avisá-las de que o crime estava consumado. [...] Para ter um álibi, matou com um tiro na boca seu cachorro mais fiel, para o caso de alguém declarar posteriormente ter ouvido estampidos de armas.

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Na pressa, esqueceram de pesos que fizessem o cadáver afundar. Dois dias depois, a 200 metros da ponte, surgiu o morto coberto de gelo e horrivelmente mutilado. Mais surpreendente eram suas mãos: estavam erguidas, como se tentassem se soltar das cordas. A autópsia revelou a presença de água nos pulmões, prova de que apesar do veneno, das balas e dos golpes que sofrera, ainda respirava quando foi jogado na água. Morreu afogado e de frio.

Toda a cidade soube então da morte do místico. Uma multidão acorreu ao local, munida de baldes e garrafas, para pegar a água que tinha estado em contato com seu corpo, como que para recolher uma parcela de sua força sobrenatural. A polícia identificou rapidamente os assassinos. Na alta sociedade as pessoas comemoraram a vitória da "pátria" sobre o suposto traidor, mas o povo passou a vê-lo como mártir - o homem vindo da miséria, que defendia os interesses dos pobres junto ao czar, assassinado pela nobreza. Para a czarina, foi uma tragédia: ela perdia aquele em quem depositava toda a sua confiança, um homem de Deus, aquele que lhe dava segurança. Alexandra viu nas mãos erguidas do morto um presságio sinistro: tudo desmoronaria na Rússia. Tinha razão. Um ano e meio depois, na madrugada de 16 para 17 de julho de 1918, ela foi assassinada pelos bolcheviques, assim como seu marido e seus cinco filhos. Nicolau II não era tolo. Ficou horrorizado com as circunstâncias do assassinato. Todavia sabia que, se aquele tipo de processo evoluísse publicamente, seu prestígio político e seu trono correriam perigo. Mandou expulsar os assassinos da cidade e ordenou o encerramento das investigações.

O APOCALIPSE SEGUNDO O MAGO

Aos 19 anos, Rasputin se casou com uma camponesa e teve com ela cinco filhos. Seis anos depois, acreditou ver a Virgem Maria no campo. Um eremita o aconselhou a ir ao monte Atos, na Grécia. Ele abandonou a família, partindo em uma peregrinação que duraria mais de dez meses. Viveu da caridade e fez paradas em mosteiros, onde adquiriu parco conhecimento da escrita e um verniz suficiente para se fazer passar por religioso. Foi assim que cresceu pouco a pouco sua reputação de sábio e de curandeiro. Mas havia também uma vida mística secreta a envolver Rasputin. Ele frequentava reuniões dos khlysty, seguidores de uma seita que associava erotismo e religião.

Depois de ouvir dizer que o imperador e a imperatriz eram excessivamente ocidentalizados, ele quis conhecê-los e iniciá-los no que seria "a verdadeira alma russa". Em 1904, munido da carta de recomendação de um bispo, foi para São Petersburgo e impressionou a grã-duquesa Anastácia, que o apresentou à família imperial. Como sabia que o herdeiro Alexis era hemofílico, Rasputin pôs suas mãos sobre o garoto e mandou que fossem jogados fora os remédios que tomava - aspirina, cujo efeito anticoagulante era desconhecido na época. A criança, claro, melhorou.

Três anos mais tarde, Alexis teve crises de hemorragia interna, que os médicos não conseguiam controlar. Rasputin foi chamado, benzeu a família imperial e se pôs a orar. Ao cabo de dez minutos, disse: "Abre teus olhos, meu filho." E o menino despertou, sorridente. Rapidamente, sua saúde melhorou. Encantada, a imperatriz delegou-lhe grandes poderes políticos. Ele assinava e transmitia petições de promoções e nomeações. Não cobrava dos pobres, dos ricos pedia somas razoáveis, e das mulheres, favores sexuais.

Tinha horror à guerra. Assim, em 1914, suplicou ao czar que a Rússia ficasse fora da Primeira Guerra Mundial. "Tu és o czar, o pai de teu povo. Não deixes que os lunáticos triunfem, te destruam a ti e a teu povo. (...) Nós nos afogaremos em sangue. Grande desastre e miséria infinita", escreveu ao czar. Fiel a sua aliança com a França, Nicolau II enviou suas tropas. O que veio depois da grande crise decorrente da guerra foi a revolução de 1917, que lhe custou a vida e a de sua família.


Fonte:
http://www2.uol.com.br/historiaviva/artigos/rasputin_se_recusa_a_morrer.html

Mais:
http://www.youtube.com/watch?v=Hx2zMUCsdM0
http://www.changingthetimes.net/samples/ww1/could_rasputin_have_prevented_th.htm