domingo, 3 de abril de 2016

Verdun


Verdun 1916: Quando a morte se fartou

(Fabricio Gustavo Dillenburg)

Erich von Falkenhayn, comandante do Estado-Maior alemão, como seu adversário francês, também almejava um rompimento com a guerra de posições, livrando-se da maldição da guerra estática que impedia manobras, fundamentais para garantir, novamente, a iniciativa. De fato, o início de 1916 dava claros indícios, para os alemães, de que o inimigo agiria com mais vigor, principalmente porque, como tudo levava a crer, os britânicos seriam incorporados às ações com maior amplitude de coordenação.

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Segundo suas memórias, Falkenhayn estudou laboriosamente o terreno, buscando um objetivo no qual fosse possível colocar os franceses em uma armadilha mortal. Desejava encontrar um ponto no qual os franceses se vissem obrigados a alocar todos os recursos disponíveis, forçando uma luta desesperada que consumisse a sua capacidade de resistência. Seu conceito de guerra, segundo suas próprias palavras, era esvair a nação inimiga, sangrando suas melhores tropas.

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Uma decisão, entre os comandantes alemães, foi tomada: a fortaleza de Verdun seria o alvo e, o instrumento, o V Exército - orgulhoso representante das mais duras tradições prussianas - sob o comando do príncipe herdeiro Guilherme e do General Schmidt von Knobelsdorf. Partindo do pressuposto de que as intenções de Falkenhayn eram verdadeiras, o propósito não seria, necessariamente, tomar o local, mas prover uma área de extermínio, na qual a artilharia e a infantaria alemãs pudessem agir com maciço poder de destruição.

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A tensão sobre a França, entrementes, se fazia sentir, quase ao ponto da ruptura, e não havia um aliado próximo - com exceção dos próprios ingleses - para lhe socorrer. A pressão pontual poderia fazer com que o exército francês, já debilitado, se esvaísse em recursos, sem chance de retraimento, sob pena de perder o próprio país. Para Falkenhayn, que queria evitar, num primeiro momento, "a melhor espada inglesa", não restava dúvidas: o sul do Somme (Belfort ou Verdun) - setor que manteria a Grã-Bretanha fora do combate imediato - deveria ser o túmulo das forças francesas.

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Verdun era um antigo ponto forte, dividido ao meio pelo rio Meuse (Mosa), considerado a porta de entrada para o centro do país. No centro da área havia uma cidadela, erguida no século XVII e reforçada no século XIX, que contava com instalações subterrâneas para as tropas. Além de seus muros, distante, aproximadamente, oito quilômetros, construiu-se um anel reforçado por cerca de trinta pontos-fortes, sendo quase dois terços protegidos sob a terra. Torres móveis, com canhões de 75 a 155mm, serviam como defesa ativa. Mas, infelizmente para os franceses, não havia coesão entre os fortes, construídos em dureza, armamento e posicionamento variáveis.

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Com seus grandes espaços arborizados e suas bucólicas colinas, sem artilharia, Verdun foi recheada com trincheiras, solução paliativa às suas torres desnudadas. No momento crucial, quando o ataque alemão foi iniciado, menos de trezentas armas, carentes de munição, estavam disponíveis.

O inimigo estava ciente das dificuldades da França em socorrer Verdun com tropas oriundas da retaguarda, devido ao precário sistema de transporte na área, algo que os alemães poderiam compensar muito bem, pois administravam uma estrada de ferro a menos de vinte quilômetros da cidadela. Além disso, era evidente a importância de Verdun para os franceses, sobretudo por seu caráter psicológico.

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Linhas telefônicas não haviam sido completamente instaladas, a comunicação entre as trincheiras era medonha e abrigos contra ataques de artilharia eram raros e esparsos. Quando o General Philippe Pétain foi designado para substituir Herr, poucos dias antes do ataque alemão, mostrou-se indignado com o estado das coisas.

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Em 12 de fevereiro de 1916, as forças alemãs já haviam deslocado 1.400 peças de artilharia e pelo menos nove divisões, dispostas em uma frente estabelecida a leste do Meuse, contra duas divisões francesas e, comparativamente, apenas um quarto do número de canhões. Faziam parte das forças germânicas, inclusive, o monstruoso morteiro Grosse Bertha, de 420 mm, apoiado por morteiros austríacos de 305 mm e canhões navais e 380 mm, além dos novíssimos lança-chamas. Uma repentina queda de neve, contudo, seguida de forte neblina, impediu que o ataque iniciasse na data marcada, favorecendo um pouco a defesa, que corria contra o tempo para melhorar suas posições.

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A situação, bastante desfavorável à França, era reforçada pela total segurança logística germânica, cujas tropas estavam servidas por nada menos do que uma dúzia de linhas ferroviárias, a maioria de bitola larga, além de disporem de três pontes e considerável apoio aéreo. Comparativamente, os franceses possuíam apenas uma ferrovia de bitola estreita e uma estrada. Outras duas vias de acesso estavam inacessíveis: uma havia sido capturada, a outra podia ser bloqueada pelo fogo da artilharia alemã.

A ofensiva, que teve início sob a palavra-chave Gericht (tribunal), deu-se em 21 de fevereiro de 1916. Embora tenha enfurecido o comando alemão, a semana e meia de atraso, devido ao tempo ruim, representou para os franceses um auxílio impagável para reforçar Verdun com tropas, alimentos, munição e equipamento (insuficientes, apesar da percepção geral de que haveria, ali, um ataque). Às 7h15min da manhã, afinal, esgotou-se o seu tempo e o inferno se abriu às margens do Meuse. O primeiro tiro foi dado por um canhão Krupp de 380 mm, que atingiu a catedral de Verdun, distante 32 km. Nas horas que se seguiram, mais de dois milhões de obuses caíram sobre a cidadela, matando 20 mil franceses, literalmente engolidos pela terra em convulsão. Povoados, bosques, aldeias foram aplainados pelo fogo da artilharia.

A ideia do príncipe herdeiro Guilherme era, simplesmente, usar os canhões para abrir um rombo nas defesas e lançar, por ele, sua infantaria em carga. O plano foi aceito por Falkenhayn mas, com receio de que Verdun fosse tomada muito rapidamente - eliminando a possibilidade de uma batalha prolongada capaz de destruir as forças francesas - as reservas que deveriam estar disponíveis para o V Exército, no caso de sucesso no rompimento, foram seguras pelo Comando.

Aplicando seu planejamento à risca, com um ótimo sistema de observação - e, apesar do bombardeio sistemático - os alemães verificaram que muitas posições francesas permaneciam guarnecidas. Renovou-se, portanto, a carga de artilharia, desta vez com o auxílio de morteiros, buscando os pontos que permaneciam como ameaça. Cautelosas, patrulhas de combate varreram, então, à frente, em busca de lacunas nas defesas, e encontraram o inimigo aturdido e desorganizado. Comunicado, o Comando agiu.

A investida foi devastadora, embora não definitiva. Um impressionante bombardeio de área prenunciou o deslocamento de 140 mil alemães, contra-atacados por incursões francesas audaciosas, mas pouco efetivas.

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A fortaleza de Douaumont foi uma das primeiras a cair, tomada em total surpresa: a grande maioria dos 63 homens da guarnição, num daqueles momentos surreais da guerra, assistia a uma palestra quando chegou uma patrulha de dez alemães. A plateia foi trancada na sala por um sargento do 24º Regimento de Brandenburgo que penetrara no forte, aparentemente sem ser incomodado. Somente um dos canhões chegou a dar combate, mas logo silenciou. Foi um desastre humilhante para os franceses, já que abriu um importante espaço de penetração para o exército inimigo.

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O início da primavera trouxe muita lama, transformando a região em um colossal atoleiro, enquanto os franceses lançavam tudo que tinham contra os alemães, tentando segurá-los. A situação continuava desesperadora, mas pelo menos uma relativa equivalência numérica foi obtida em artilharia e aviação, enquanto os fortes que ainda restavam eram rearmados, às pressas, com o que havia disponível.

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Em março e abril, Falkenhayn deu ímpeto a duas outras ofensivas, dando vazão a avanços e recuos visando os flancos, entre colinas bombardeadas incessantemente por ambas as artilharias. As trincheiras foram soterradas e os buracos abertos pelos obuses passaram a servir de abrigo aos combatentes. Faziam-lhes companhia, nesses espaços, restos de corpos semienterrados na lama.

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Se o objetivo germânico, de sangrar as tropas francesas até seu limite, estava sendo um sucesso, os alemães também mergulhavam no mesmo destino. Não havia dúvidas de que, se o ritmo da carnificina continuasse, logo não haveria mais quaisquer reservas, e a operação toda se tornaria um desastre total.

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[Falkenhayn] buscou promover um assalto decisivo às defesas e tomar, de uma vez por todas, Verdun. No início de junho, avançou sobre Thiaumont, Vaux e Souville, sob o fogo de sua artilharia, equipada com obuses carregados com gás fosgênio (dicloreto de carbonila).

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Nos sanguinários embates que se seguiram, Fort Vaux destacou-se pela resistência. A fortaleza foi martelada incessantemente, até que o avanço conquistou a área superior. Nos túneis que ocupavam os subterrâneos, a luta se estendeu até o início de junho, num mortal jogo de gato e rato no qual os combates aconteciam, frequentemente, corpo-a-corpo. Enfraquecidos, os franceses foram, mais uma vez, derrotados.

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Pétain solicitou a Joffre para abandonar o setor, o que lhe foi negado. Para os franceses, Verdun se tornara o que Ypres fora para os britânicos, e a retirada estava fora de questão. Restava-lhe resistir, o que foi feito usando todos os meios disponíveis e, em desespero, a artilharia, principalmente nos arredores de Souville. A paisagem tornou-se lunar.

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Mas Falkenhayn também se via em apuros. Começou a se dar conta da armadilha em que se metera, e metera seus homens. Não havia mais como retroceder, e não possuía forças suficientes para um golpe final.

Em 1º de Julho, com a abertura da planejada Batalha do Somme, as coisas começaram a complicar para os alemães. Tropas tiveram que ser deslocadas para cobrir contra-ataques, e o ímpeto alemão arrefeceu, salvando Verdun da derrota.

Na frente oriental, o General Alexei Brusilov comandou um ataque aos austríacos, desestruturando suas defesas e obrigando os alemães a voltarem seus esforços para impedir o desmantelamento da frente. Falkenhayn viu-se obrigado a deslocar três divisões, interrompendo o processo já penoso de manter terreno e enterrando, definitivamente, os planos de conquista da área. Pela falha em concluir a tomada do objetivo, ele foi substituído pelo Marechal Paul von Hindenburg.

Fracionada em duas frentes, as forças alemãs perderam a força concentrada necessária para decidir a batalha. Em outubro, pregando a teoria de Foch, sobre o poder da artilharia, os franceses iniciaram uma série de contra-ataques no perímetro de Verdun. Com intenso uso de bombardeio, a infantaria francesa conseguiu fincar pé no terreno. Os Fortes de Douaumont e Vaux foram retomados em outubro e novembro; em dezembro, os germânicos estavam sendo empurrados às suas linhas originais. Logo, estavam na defensiva, lutando para sustentar suas posições. Sua moral nunca mais voltou a ser a mesma.

Batalha de atrito sem igual, Verdun passou a representar a vontade de defesa do solo pátrio, acima de quaisquer sacrifícios. Do ponto de vista humano, foi a mais longa e sangrenta batalha da História.

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A batalha foi cruel ao extremo, de certa forma despropositada em seus objetivos, uma mostra do que comandos inflexíveis podem provocar a um exército, e sem verdadeiros vencedores. Contudo, não foi somente uma chacina. Como parte de um todo bastante complexo, Verdun serviu para que as táticas de combate fossem exploradas e melhoradas, principalmente no que diz respeito ao uso da artilharia como apoio imprescindível ao avanço da infantaria, o que seria, posteriormente, estendido ao uso primitivo da aviação. A flexibilidade tática tornar-se-ia uma necessidade, com as percepções derivadas dos sangrentos (e muitas vezes inúteis) combates, e ficou absolutamente claro que a principal qualidade desejável ao soldado era a resistência, sob condições que seriam, sob outras circunstâncias, intoleráveis ao ser humano.


Fonte:
http://www.nucleomilitarblog.com/2014/03/batalha-de-verdun.html (PDF)

Mais:
http://www.dailymotion.com/video/x19p9kv
http://gottmituns.net/2013/03/18/german-veterans-of-verdun-video-interviews
http://www.youtube.com/watch?v=Bj3n02CQJiU