domingo, 10 de janeiro de 2016

A grande ilusão

Trechos do prefácio de uma edição de A Grande Ilusão (1910), de Norman Angell.

(José Paradiso)

Devido à distância em que pareciam ter ficado as disputas napoleônicas e às características da ordem mundial que as haviam sucedido, os mais otimistas se tinham apressado a anunciar o desaparecimento definitivo do flagelo da grande guerra. Julien Benda lembraria: "Em 1898 estávamos sinceramente convencidos de que a era das guerras terminara. Durante os quinze anos transcorridos entre 1890 e 1905 os homens da minha geração acreditaram realmente na paz mundial." Sem dúvida essa ideia resultava da constatação de que durante quase um século tinham sido registrados dois grandes ciclos de paz, e que só houvera cerca de um ano e meio de luta entre os maiores países europeus. No entanto, atribuir essa crença a toda uma geração era um exagero, sobretudo porque esse otimismo contrastava com uma corrida armamentista que crescia ano após ano, e na qual as potências embarcavam com entusiasmo não dissimulado.

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A guerra franco-prussiana não só selou a unidade alemã, como queria Bismarck, mas ativou uma nova lógica de reacomodações e confrontações entre as potências, as quais começaram a elaborar uma trama de alianças e contra-alianças que promovia animosidades, prevenções e previsões.

Ao lado das circunstâncias políticas, mas não de forma independente, produzia-se uma transformação no cenário econômico mundial, de facetas variadas e com múltiplas consequências. [...] Uma nova fase do desenvolvimento capitalista materializada na aceleração do impulso integrador do mercado mundial, associado a impressionante progresso tecnológico. [...] Ninguém deixava de perceber a presença cada vez maior do poder financeiro e da grande empresa, e menos ainda a "diminuição do mundo" e a fenomenal interdependência de seus componentes, produzida pelos avanços assombrosos nos transportes e nas comunicações.

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As mudanças no mapa de poder e a crescente competição entre as potências alimentavam a corrida imperialista, dilatando assim o âmbito geográfico em que ela se desenvolvia. Uma após outra, as regiões periféricas disponíveis para a expansão europeia cairiam sob o controle de potências ávidas de mercados, de posições estratégicas ou simplesmente de glória e prestígio.

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A explosão demográfica, os novos padrões industriais e o desenvolvimento científico se uniriam para montar um cenário que vinha amadurecendo desde meados do século mas que em sua última fase adquiriu perfis singulares e impulso renovado.

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Ano após ano as grandes empresas, dedicadas à produção dos instrumentos de guerra mais sofisticados, produziam artefatos de maior potência mortífera, e se empenhavam em ampliar a carteira de sua clientela, formada por estados. [...] Do lado dos estados, a lógica de igualar forças com rivais efetivos ou presumidos predominava sobre a prudência orçamentária.

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O aumento da população permitia formar grandes exércitos, baseados na instauração do serviço militar universal, prática que se difundiu rapidamente de país a país, a partir do exemplo dado pela Alemanha.

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O nacionalismo de tom patriótico encontrou um aliado inesperado no progresso da educação e no surgimento da imprensa de massa.

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Para uma geração que vivia sob o extraordinário impacto intelectual da Origem das Espécies, era inevitável a extensão das ideias de Darwin ao campo social e político. O poder e a força seriam critérios irrecorríveis da verdade. A conversão do conceito de nação ao nacionalismo com certeza não teria sido possível, pelo menos com a virulência que ocorreu, sem a irrupção, com respaldo científico, de um novo elemento da cultura política da época: a ideia de que na vida do homem a competição não podia ser considerada qualitativamente diferente da existente na natureza.

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[...] o raciocínio dos que viam a guerra como uma fatalidade, à qual era necessário ajustar-se com realismo mais ou menos resignado, assim como dos que proclamavam a sua conveniência e estavam dispostos a dar-lhe as boas-vindas.

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Sustentava-se não só que a paz duradoura era um sonho, mas que era um sonho pernicioso. Via-se a batalha como um elemento da ordem divina no mundo, em que se manifestavam as virtudes mais nobres do homem: a coragem e a abnegação, o sentido do dever e o espírito de sacrifício; os soldados doavam suas vidas sem exigir qualquer compensação.

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O estudo realizado pelo engenheiro polonês Ivan Bloch, publicado na Rússia no fim do século, constava de seis tomos, intitulados O Futuro da Guerra. Sustentava que, no futuro, os conflitos absorveriam todos os recursos e energias dos Estados combatentes, os quais, incapazes de alcançar uma vitória decisiva, lutariam até a sua ruína total. A interdependência das nações no aspecto financeiro, no comércio e no suprimento de matérias primas significava que o vencedor não se encontraria em situação muito diferente da do vencido. A potência destrutiva das armas modernas provocaria um aumento sensível da mortalidade humana.

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[Charles Richet] Antecipou o que muitas décadas depois se consagraria como a dissuasão pelo terror. Dizia: "Quanto mais sangrenta a guerra, mais rara. E se por acaso algum químico hábil pudesse inventar um explosivo capaz de destruir uma cidade inteira, ou todo um exército, a vinte quilômetros de distância, pelo horror de sua invenção ele conseguiria tornar a guerra impossível." [...] Vale lembrar aqui que o inventor da dinamite acompanhava suas gestões em favor da paz com o esforço para desenvolver uma arma tão poderosa e destrutiva que impedisse a guerra pelo temor da destruição mútua dos eventuais antagonistas.

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O nome de Angell está identificado com A Grande Ilusão. O que se explica pela enorme repercussão do livro, que vendeu milhares de exemplares, foi traduzido rapidamente em vários idiomas e mereceu a consideração de muitos dos principais homens públicos da época. [...] Aquele livro e seu autor permaneceram envoltos em um equívoco notável, tanto no plano acadêmico como no das opiniões mais generalizadas do público. Suas ideias colocadas como paradigmas de uma perspectiva idealista das relações internacionais, e na representação popular tendeu-se a identificar o termo "ilusão" com o triunfo da paz - algo que obviamente Angell desejava com fervor - quando na verdade ele se referia à crença errônea de que a guerra podia proporcionar vantagens materiais a quem a empreendia. Nesse sentido, a ideia de "ilusão ótica", tal como havia formulado o título original, refletia com mais fidelidade o caráter singular da sua perspectiva. Seguramente esses equívocos se fortaleceram com a Grande Guerra, que tornava fácil demonstrar o engano de alguém a quem se atribuía ter vaticinado o desaparecimento do fenômeno bélico.

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No prefácio da edição francesa de A Grande Ilusão, de 1911, afirma expressamente: "Meu objetivo não é provar que a guerra é impossível, mas que é inútil... Meu livro não é antimilitarista ou pacifista no sentido ordinário em que esses conceitos são empregados. Não aconselho a nenhuma nação que se descuide da sua defesa [...]. Portanto, meu objetivo não é proclamar o desarmamento independentemente do que façam as outras nações. Enquanto a filosofia política da Europa continue sendo o que é hoje, não serei eu quem vai propor a redução de uma só libra esterlina nos nossos orçamentos militares."

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[Angell] Sustentava: "No mundo moderno a guerra é o fruto da paz armada." Para evitar esse destino só vislumbrava uma possibilidade: ganhar a batalha das ideias, abrindo uma nova opção entre a grande corrente do realismo militarista e as representações habituais do pacifismo.

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A ilusão a que se refere nascia em grande parte de uma terminologia vaga, inexata e enganosa da política internacional: interesses fictícios e imaginários de possíveis agressores.

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"[Há] uma tal relação de dependência recíproca entre as capitais do mundo que qualquer perturbação em Nova York repercute sob a forma de transtorno no comércio e nas finanças de Londres, e se essa perturbação é considerável, obriga os homens de negócios de Londres a cooperar com os de Nova York para resolver a crise, e não por razões de altruísmo. Em suma, o telégrafo e o banco tornam o uso da força militar economicamente estéril."

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Devido à instalação de fábricas que representavam grandes inversões de capital, de bancos, empresas comerciais etc., a atitude dos interessados nessas empresas se modificou, e o nacionalista exaltado, o aventureiro militar, o político fraudulento aparecem sob sua verdadeira luz, "não como patriotas úteis, mas como agentes destruidores e perniciosos".

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Há quem fale de um país - da Alemanha, por exemplo - como se os seus atos resultassem de uma opinião determinada, adotada por um ou outro partido, e não, como acontece na realidade, de um corpo de opiniões submetidas a todo tipo de forças que influenciam desigualmente o conjunto, imprimindo-lhe uma constante oscilação. A afirmativa de que as relações mútuas entre as nações só podem ser determinadas por meio da força, e que a agressividade no âmbito internacional se expressará sempre pela luta material das nações são outros corolários da falsa analogia do Estado com uma pessoa.

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Como o desaparecimento da guerra não era parte de suas ideias, Angell não se sentiu desmentido pela tragédia que se prolongou por quatro longos anos. Do seu ponto de vista, essa experiência confirmava a maioria dos argumentos esgrimidos nos seus escritos anteriores, e assim o sustentou em obras posteriores, embora admitisse que algumas das suas previsões não se tinham realizado. Entre outras, a de que o conflito se limitaria a um confronto entre Alemanha e Grã-Bretanha, e de que os outros países se negariam a financiá-lo, ou de que os estados não teriam a capacidade de salvaguardar a sua moeda e mobilizar seus recursos de modo a poder sustentar um esforço bélico prolongado, conforme demonstraram. Da mesma forma, se surpreenderia com a pouca resistência oferecida pelas entidades de classe às lealdades nacionais.

Onde não errou foi ao avaliar o significado das reparações impostas em Versalhes à Alemanha derrotada. Em A Grande Ilusão tinha dedicado todo um capítulo para demonstrar o "sofisma da indenização", ressaltando as consequências paradoxais da atitude de punição econômica dos vencidos. Especificamente, procurou contestar o argumento daqueles que se valiam do exemplo dos duzentos milhões de libras da indenização imposta pela Alemanha à França, no fim da guerra de 1870-1, como prova de que uma nação podia ganhar dinheiro com uma guerra. Devido às novas condições econômicas e financeiras, "a imposição de tributos a um povo vencido tornou-se uma impossibilidade econômica, e a fixação de indenizações tão custosas, direta ou indiretamente, tem resultado extremamente desfavorável como operação financeira". Embora a frota e o exército da Alemanha tivessem sido aniquilados, subsistiriam milhões de trabalhadores, que seriam tão mais industriosos quanto maiores fossem suas provações e sofrimentos; trabalhariam em suas fábricas e explorariam suas minas com tal afinco e diligência que não tardariam a ser os mesmos rivais de antes, com ou sem exército, com ou sem esquadra.

Imposto praticamente por uma opinião pública que proclamava de boa fé a sua confiança em que a guerra que terminara teria posto fim a todas as guerras, o Tratado de Versalhes lhe parecia um compêndio de quase todos os sofismas que havia criticado no seu livro. Os termos do Tratado demonstravam que todas as nações pretendiam anexar novos territórios e aspiravam a beneficiar-se economicamente. Em quase nenhuma parte transparecia a crença de que a prosperidade de um país dependia da prosperidade dos seus vizinhos; de que a estabilidade econômica não podia ser alcançada a não ser por meio da cooperação internacional. Todos os países queriam ter uma posição preponderante para garantir a sua segurança.

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Angell chama atenção reiteradamente para o fato paradoxal de que, terminada uma guerra que pretendia tornar o mundo seguro para a democracia, ocorreu em toda parte uma verdadeira epidemia de ditaduras, de autocracias totalitárias ao lado das quais o governo do Kaiser parecia liberal.