domingo, 12 de abril de 2015

História completa

Trechos da introdução de A Primeira Guerra Mundial: História Completa (2013), de Lawrence Sondhaus.


"Graças a Deus, é a Grande Guerra!" O general Viktor Dankl, comandante designado do 1º Exército austro-húngaro, escreveu essas palavras em 31 de julho de 1914, o dia em que ficou claro que a disputa entre Áustria-Hungria e Sérvia, decorrente do assassinato do arquiduque Francisco Ferdinando, um mês antes, não seria resolvida pacificamente nem se limitaria a uma guerra nos Bálcãs. Quarenta e três anos haviam se passado desde a última guerra em que potências europeias se enfrentaram e, como muitos oficiais militares europeus da sua geração, Dankl, na época com 59 anos, temia servir toda a sua carreira sem experimentar um conflito desse tipo. Em 2 de agosto, em outra anotação em seu diário, ao se referir ao conflito que crescia rapidamente como "a Guerra Mundial", Dankl não podia imaginar o quão preciso se tornaria o rótulo: que a ação se estenderia ao Extremo Oriente, ao Pacífico Sul e à África Subsaariana; que mais de um milhão de homens dos impérios Britânico e Francês entrariam em ação em campos de batalha europeus; que os Estados Unidos teriam um exército de mais de 2 milhões de homens na França, apenas quatro anos mais tarde, ou que os países europeus seriam responsáveis por uma minoria de Estados participantes na conferência de paz pós-guerra.

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Como Dankl e outros generais, os estadistas que levaram a Europa à guerra no verão de 1914 não previram as consequências revolucionárias em todo o mundo do conflito cujo início eles saudaram (ou, pelo menos, fizeram muito pouco para desencorajar).

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Para além da Europa, a redistribuição das ex-colônias alemãs afetou o mapa da África, do leste da Ásia e do Pacífico, enquanto o fim do Império Otomano gerou o redesenho generalizado das fronteiras no Oriente Médio e, na Palestina, as raízes do moderno conflito árabe-israelense, decorrente das promessas contraditórias feitas pela Grã-Bretanha durante a guerra ao movimento sionista e a nacionalistas árabes.

Mais do que questões de fronteiras e território, a guerra também viria a revolucionar as relações de poder dentro das sociedades europeias.

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A guerra teve um impacto igualmente dramático sobre a posição da Europa no mundo. [...] como exemplo da falibilidade europeia, a Primeira Guerra Mundial lançou as sementes do movimento anticolonialista que irrompeu após a Segunda Guerra, época em que a explosão populacional no mundo não ocidental reduziu ainda mais o peso relativo de uma Europa que nunca se recuperara do choque demográfico da Primeira Guerra - uma guerra na qual a esmagadora maioria dos milhões de mortos tinha sido de europeus ou de pessoas de origem europeia.

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Nos primeiros dias de agosto de 1914, muitos observadores e participantes se juntaram a Viktor Dankl no reconhecimento do início de uma "grande guerra" ou "guerra mundial", do tipo que a Europa não via desde o final da época de Napoleão, um século antes. As Guerras Napoleônicas, e as guerras por império da Europa moderna, tinham apresentado uma ação em nível mundial em alto-mar e nas colônias, bem como nos campos de batalha europeus. Contudo, no final de agosto, o alcance e a intensidade do conflito em curso, no qual a maioria dos beligerantes já tinha perdido mais homens em uma única batalha, ou mesmo em um único dia, do que em guerras inteiras travadas durante o século XIX ou antes, levaram a maioria a reconhecer que estava testemunhando algo sem precedentes. Em setembro de 1914, em declarações citadas pela imprensa norte-americana, o biólogo alemão e filósofo Ernst Haeckel fez a primeira referência registrada ao conflito como "Primeira Guerra Mundial", em sua previsão de que a luta que começava "se tornar[ia] a primeira guerra mundial no sentido pleno da palavra". O rótulo de "Primeira Guerra Mundial" só se tornaria corrente depois de setembro de 1939, quando a revista Time e uma série de outras publicações popularizaram seu uso como corolário da expressão "Segunda Guerra Mundial", mas já em 1920 o oficial britânico - e jornalista em tempos de paz - Charles à Court Repington publicou suas memórias da guerra sob o título A Primeira Guerra Mundial, 1914-1918. Nos anos do entreguerras, uns poucos descrentes e pessimistas usavam "Primeira Guerra Mundial" em vez da mais comum "Grande Guerra" ou "Guerra Mundial", de modo a refletir a sua consternação por ela não ter sido, como Woodrow Wilson esperava, "a guerra para acabar com todas as guerras".

O uso da expressão, desde 1939, reflete a nossa conceituação da Primeira Guerra Mundial como precursora da Segunda - uma crença universal suficiente para acomodar não só visões opostas sobre a natureza da causa (por exemplo, de que a Segunda Guerra Mundial ocorreu porque Alemanha não tinha sido completamente esmagada durante a Primeira ou porque ela tinha sido desnecessariamente antagonizada na mesa de paz, depois do conflito), mas, ainda mais, a notável diversidade de lições aprendidas e aplicadas pelos países, líderes e povos envolvidos. Enquanto, na Alemanha e na Rússia, os regimes nazista e soviético se mostraram muito mais eficientes e cruéis do que seus antecessores de 1914 na mobilização de seus países para a guerra e sua condução até o amargo final - independentemente do custo em vidas humanas -, as democracias da Europa Ocidental, os domínios britânicos e a Itália demonstraram pouco desejo de repetir o sacrifício de sangue da Primeira Guerra Mundial e, em vários aspectos, adaptaram suas estratégias a isso, desastrosamente para França e Itália. Os Estados Unidos, cuja população ainda não estava pronta para abraçar o manto da liderança mundial no final da Primeira Guerra, mobilizaram-se para a causa uma geração mais tarde e com grande fervor após o choque de Pearl Harbor, enquanto seus líderes se beneficiaram da experiência de 1917 e 1918 na mobilização de recursos norte-americanos para travar a Segunda Guerra. Dos recursos consideráveis dos Estados Unidos, apenas seu contingente fez diferença na Primeira Guerra Mundial, já que a luta terminou antes que a força industrial norte-americana pudesse ser aplicada; assim, Alemanha e Japão subestimaram fatidicamente a capacidade bélica e a determinação nacional dos Estados Unidos na Segunda Guerra Mundial.

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A Segunda Guerra Mundial apresentou versões mais letais de todas as armas e táticas de campo de batalha que foram revolucionárias durante a Primeira Guerra, com a destacada exceção do uso de gás venenoso.

A magnitude da morte e da destruição causadas pela Segunda Guerra ultrapassou em muito a da Primeira, principalmente para as populações civis, mas, a partir de agosto de 1914, a Primeira Guerra Mundial testemunhou atos de brutalidade contra não combatentes que pressagiavam o que aconteceria em uma escala muito maior um quarto de século depois. Das execuções sumárias de civis belgas por soldados alemães e de sérvios por austro-húngaros, passando pela perseguição e, finalmente, chegando à matança genocida de armênios no Império Otomano, ao bombardeio aéreo de Londres e de outras cidades por zepelins alemães, as populações civis sofreram atrocidades em um nível que a Europa e sua periferia não viam desde que a Guerra dos Trinta Anos (1618-48) marcou o fim das guerras religiosas entre católicos e protestantes. Enquanto isso, no mar, o afundamento indiscriminado de milhões de toneladas de navios Aliados por submarinos alemães custou milhares de vidas e prenunciou as campanhas de guerra submarina indiscriminada de ambos os lados na Segunda Guerra Mundial, enquanto o bloqueio naval Aliado (principalmente britânico) às Potências Centrais trouxe desnutrição para as frentes internas da Alemanha e da Áustria e, no final das contas, doença e morte prematura de centenas de seus milhares de civis mais vulneráveis. É impressionante que as populações da frente interna não apenas tenham suportado essas dificuldades sem precedentes, mas, na maioria dos casos, tenham se tornado mais firmes em sua determinação à medida que a guerra se arrastava. Na verdade, enquanto a fadiga de guerra finalmente desencadeou os colapsos revolucionários na Rússia em 1917 e na Alemanha e na Áustria-Hungria em 1918, durante a maior parte da Primeira Guerra Mundial, os civis perseveraram como seus equivalentes dos países Aliados ocidentais, rejeitando a noção de uma paz negociada que tornaria sem sentido não apenas suas privações pessoais, mas, mais importante, as mortes de seus filhos, irmãos, pais e outros entes queridos. Essa perseverança serviu de aviso para líderes políticos sobre o risco, bem como a recompensa, da mobilização de um país para um esforço de guerra total na era do nacionalismo moderno: a guerra não poderia ser vencida sem esse apoio, mas, uma vez que os governos o recebiam, passava a ser uma questão de tudo ou nada, pois seu próprio povo não aceitaria a negociação de concessões como recompensa para esses sacrifícios. A infame observação atribuída a Joseph Stalin durante seus Grandes Expurgos da década de 1930, de que uma morte é uma tragédia e um milhão de mortes, uma estatística, poderia facilmente ter sido aplicada ao derramamento de sangue da Primeira Guerra, e realmente teria sido impensável se essa sangria não tivesse chegado antes. A Primeira Guerra Mundial - uma revolução global em muitos aspectos - acima de tudo redefiniu o que as pessoas poderiam aceitar, suportar ou justificar, e por isso se destaca como um marco na experiência humana pelo tanto que dessensibilizou a humanidade para a desumanidade da guerra moderna.