terça-feira, 26 de fevereiro de 2008

Missionários

Notícia velha que não sou um sujeito religioso.

Mas é necessário humor para aturar o contemporâneo modismo cético - na verdade, representado por uns gatos pingados que cabem numa van -, que farejo como seqüela de pelo menos dois fenômenos. O best-seller O Código Da Vinci (e suas imitações) e a ratificação de conduta intolerante por parte de islâmicos irritadiços em relação ao Ocidente cristão. Podemos identificar a nova onda em figuras tipo Richard Dawkins, Christopher Hitchens, Sam Harris, Michel Onfray. Essa escolinha, com pretensões esclarecedoras, cientificistas e iluministas, assume, com sua bibliografia (Deus: Um Delírio, Deus Não É GrandeCarta A Uma Nação Cristã), a seguinte imodesta e crédula tarefa: qualquer beócio mascador de alfafa que leia algum desses livros, devido ao rigor e ao método incontestáveis contidos nestes para atacar idéias místicas e transcendentes, tornar-se-á, infalivelmente, um descrente. Vá à palestra, ouça o CD, vista a camisa, cole o adesivo.

Isso de dizer a um bando de adultos no que eles devem ou não acreditar em metafísica é muito cansativo. Esse ímpeto de converter os outros (conversão em massa ao ateísmo, WTF?) eu só havia visto, mutatis mutandis, nos evangélicos mais chatos e sem-noção. Se o Onofre ou a Aline pertence à seita suicida dos adoradores do unicórnio bege de 5 patas da Dimensão Z ou é entusiasta convicto de salame com Fanta uva, não há maratona de argumentação que dê jeito. Como diria a canção boba: let it be.

Esse povo tem cada uma. E eu achando que a não-filiação a uma crença fosse uma questão extremamente pessoal e ligada à individualidade. Difícil imaginar, sem que soe ridículo, galerinhas e movimentos envolvidos numa militância e em divulgação de posturas contra a religião.

A César o que é de César. Vejamos a Igreja Católica Apostólica Romana. Tempos atrás, para quem punha em xeque a validade de suas narrativas, a santa instituição, auxiliada por tentáculos do departamento secular, tratava o problema com ameaças, prisões, fogueiras e pesadas sevícias. Não deixa de ser um tremendo avanço que, atualmente, até onde sei, ela resolva apenas na discussão suas diferenças com quem lhe atira pedra, seja rebatendo as acusações ou emitindo seus mea culpa. E haja paciência. Os caras lá ocupadíssimos com a catequese ou fazendo a contabilidade dos dízimos e têm que interromper o serviço para elaborar réplicas e tréplicas para as críticas - várias delas ocas - da cambada que leva a sério demais o George Carlin.

A ânsia por espiritualidade, por algo além da matéria e por enxergar um sentido na existência é bastante forte na esmagadora maioria dos humanos. E isso não vai ser substancialmente abalado por meia dúzia de sucessos editoriais que usam desgastadas armas como apelo à razão e desnudamento de wishful thinking. É preciso saber conviver com o céu e o inferno dessa condição. Dela vieram sacrifícios incas, bebês queimados para Moloch, noite de São Bartolomeu e falcatruas do Edir Macedo. Mas também arquitetura gótica, obras de Bach e histórias de superação e de regeneração. E, obviamente, a massificação de conceitos éticos e morais elementares para os alicerces das civilizações (as que merecem tal nome).

Quis a hagia ironia que,  passado o período clássico dos propagandistas de sistemas de fé (Zoroastro, Lao Tzu, Sidarta, Jesus, Maomé), surgissem gerações esporádicas de missionários explicitamente antifé. Como a que está em evidência agora. Missionary position.