-((VOLTAMOS A APRESENTAR))-
Em minha época de teentelectualóide (ou será muita pretensão considerar essa condição fato do pretérito extinto?), teatralmente indignado com o que eu designava nas rodas de conversa como baixarias e detritos da TV aberta, ameaçava o prosaico eletrodoméstico com as penas do inferno de Dante, vociferava, erguia o punho cerrado de ódio, esculhambava, meu discurso atingia a veemência de um pastor ou aiatolá alucinado, conclamava colegas ao boicote, combinava de sabotar torres de transmissão e fuzilar apresentadores.
Se eu era telespectador de tanta fuleiragem, só podia estar gastando tempo demais em frente ao aparelho (a caixa, como eu a chamava, em referência a um episódio do antigo desenho animado dos X-Men; na história, havia uma prisão em que esse era o apelido de um tipo diferenciado de celas, parecidas com armários de ginásio). Descobrindo eu que isso era o problema, o pecado original, tratei de resolvê-lo com dura disciplina, educação pela pedra. Hoje, quando penso no desbotado assunto de "nível/qualidade da TV (não só brasileira)", imagino a espécie de público que consome aquilo, que fustiga uma possante demanda por aquilo e -((eureka!))-
duas peças de Lego, dois elos de uma corrente opressora, um gatilho e um dedo, um neurônio e uma molécula de lombra, um pen drive e uma entrada USB, a proibição e o desejo, a tomada e o cabo de energia, Ana Raio e Zé Trovão, os hexágonos de uma colméia, citosina e guanina, a porca e o parafuso, a chave e a fechadura, a TV e seu fiel público: tudo se encaixa
Nada há que mudar. Alterações anulariam a relação entre os participantes, talvez fizessem até algum dos lados (ou todos) - transmissor e receptor - perecer, como numa separação fracassada de gêmeos siameses.
Vejamos o que ocorre com uma mídia overrated como o livro. No mundinho da escrita, existem as Valerie Solanas e Bruna Surfistinha da vida, e nem por isso elas são vistas como prova de quão abominável é o ato de ler, como um todo. Com a televisão, o julgamento é bem diverso. Paspalhos como João Kléber e Sônia Abrão são comumente usados por espertinhos para justificar uma ampla e irrestrita condenação da prática de assistir a TV.
Esses dias, vi um oráculo da pá virada. Era um conglomerado lobbysta de fantasmas da TV do passado. Que me vaticinou o seguinte: daqui a 50 anos, ainda vamos ter bate-boca entre teléfilos e teléfobos, com pseudos e seus argumentos high tech indigentes reclamando do que é exibido nas telas de plasma. O usuário, com sua burrice natural, zapeando os canais com o cyber controle remoto de inteligência artificial.
-((INTERVALO COMERCIAL))-
Em minha época de teentelectualóide (ou será muita pretensão considerar essa condição fato do pretérito extinto?), teatralmente indignado com o que eu designava nas rodas de conversa como baixarias e detritos da TV aberta, ameaçava o prosaico eletrodoméstico com as penas do inferno de Dante, vociferava, erguia o punho cerrado de ódio, esculhambava, meu discurso atingia a veemência de um pastor ou aiatolá alucinado, conclamava colegas ao boicote, combinava de sabotar torres de transmissão e fuzilar apresentadores.
Se eu era telespectador de tanta fuleiragem, só podia estar gastando tempo demais em frente ao aparelho (a caixa, como eu a chamava, em referência a um episódio do antigo desenho animado dos X-Men; na história, havia uma prisão em que esse era o apelido de um tipo diferenciado de celas, parecidas com armários de ginásio). Descobrindo eu que isso era o problema, o pecado original, tratei de resolvê-lo com dura disciplina, educação pela pedra. Hoje, quando penso no desbotado assunto de "nível/qualidade da TV (não só brasileira)", imagino a espécie de público que consome aquilo, que fustiga uma possante demanda por aquilo e -((eureka!))-
duas peças de Lego, dois elos de uma corrente opressora, um gatilho e um dedo, um neurônio e uma molécula de lombra, um pen drive e uma entrada USB, a proibição e o desejo, a tomada e o cabo de energia, Ana Raio e Zé Trovão, os hexágonos de uma colméia, citosina e guanina, a porca e o parafuso, a chave e a fechadura, a TV e seu fiel público: tudo se encaixa
Nada há que mudar. Alterações anulariam a relação entre os participantes, talvez fizessem até algum dos lados (ou todos) - transmissor e receptor - perecer, como numa separação fracassada de gêmeos siameses.
Vejamos o que ocorre com uma mídia overrated como o livro. No mundinho da escrita, existem as Valerie Solanas e Bruna Surfistinha da vida, e nem por isso elas são vistas como prova de quão abominável é o ato de ler, como um todo. Com a televisão, o julgamento é bem diverso. Paspalhos como João Kléber e Sônia Abrão são comumente usados por espertinhos para justificar uma ampla e irrestrita condenação da prática de assistir a TV.
Esses dias, vi um oráculo da pá virada. Era um conglomerado lobbysta de fantasmas da TV do passado. Que me vaticinou o seguinte: daqui a 50 anos, ainda vamos ter bate-boca entre teléfilos e teléfobos, com pseudos e seus argumentos high tech indigentes reclamando do que é exibido nas telas de plasma. O usuário, com sua burrice natural, zapeando os canais com o cyber controle remoto de inteligência artificial.
-((INTERVALO COMERCIAL))-