domingo, 27 de abril de 2014

Europa fragmentada

AGÊNCIA FRANCE-PRESSE
30 de dezembro de 2013

Europa fragmentada lembra centenário da Primeira Guerra Mundial

O ano de 2014 ainda não começou, mas uma Europa sacudida pela crise se prepara para o centenário da Primeira Guerra Mundial - uma das piores catástrofes de sua história, que deixou marcas espalhadas por todo o mundo.

Ganhou fôlego, especialmente na França, a ideia de uma grande comemoração internacional em Sarajevo. A ideia foi abandonada algum tempo depois, porém, por falta de consenso.

Foi em Sarajevo, em 28 de junho de 1914, que o príncipe herdeiro austríaco Francisco Ferdinando foi assassinado pelo nacionalista sérvio Gavrilo Princip. O episódio foi o estopim para a guerra.

Apenas alguns eventos culturais europeus devem ser organizados em junho na capital bósnia, onde as diferentes comunidades permanecem em desacordo sobre as versões do fatídico atentado.

As comemorações políticas foram transferidas para os dois países palco dos combates no Ocidente. Na França, delegações de ex-combatentes foram convidadas para uma "grande manifestação pela paz" durante a festa nacional, em 14 de julho.

O presidente alemão, Joachim Gauck, fará uma visita oficial à França em 3 de agosto, para marcar o início do conflito "com sobriedade e recolhimento" ao lado de seu homólogo francês, François Hollande. Uma cerimônia bilateral entre Alemanha e Reino Unido está prevista para o dia seguinte, 4 de agosto, na Bélgica.

Mesmo assim, nenhuma manifestação coletiva dos líderes europeus foi anunciada.

Um século depois, os europeus "continuam pensando nesse evento transnacional, com base no recorte estreito de suas memórias nacionais", constata o historiador australiano John Horne, professor da Universidade de Dublin e especialista na Grande Guerra.

Considerada a primeira "guerra total" da História, esse conflito varreu quase metade da população do mundo [?], em um ciclo de violência sem precedentes por sua amplitude e intensidade. Em 52 meses, a Guerra matou 10 milhões de pessoas e deixou 20 milhões feridas em campos de batalha. Entre as populações civis ocupadas, famintas ou deportadas, foram milhões de vítimas.

Quatro dos maiores impérios da época - russo, alemão, austro-húngaro e otomano - desapareceram do mapa, redesenhando o jogo político do mundo com o surgimento de dezenas de novos países e novas ideologias. Comunismo, fascismo, nazismo, anticolonialismo, pacifismo: todos são filhos da Primeira Guerra Mundial.

Vencedores ou vencidos, os europeus saíram do conflito arruinados financeira, política e moralmente, deixando emergir uma nova superpotência econômica - e tão logo militar e política - que dominaria o século XX: os Estados Unidos da América.

Desse naufrágio coletivo - alguns falarão em "suicídio" -, os europeus e seus aliados conservam, um século depois, uma percepção fluida de sua história. Vai-se da lembrança viva de uma vitória acirrada que custou caro para britânicos e franceses, até um esquecimento quase completo na Alemanha e na Rússia, onde o cataclismo da Segunda Guerra Mundial, 20 anos mais tarde, ofuscou as lembranças da primeira.

Tantas nuanças que complicam, ou impedem, qualquer ideia de comemoração coletiva do conflito pelos antigos combatentes, enquanto a Europa se vê sacudida e descrente face à crise, e assiste à ressurreição de nacionalismos e ao crescimento de uma extrema direita xenófoba.

França e Grã-Bretanha, mas também Austrália e Nova Zelândia - duas nações cujas identidades se forjaram no sangue da Grande Guerra -, certamente darão um espaço importante ao centenário. A Sérvia pretende aproveitar o evento para apresentar "a verdade e os fatos" sobre o deflagrador do conflito, cuja responsabilidade sobre "a política hegemônica da Áustria-Hungria" ela rejeita ainda mais do que sobre o atentado de Sarajevo.

No mesmo clima nacionalista, a Rússia de Vladimir Putin informou sua intenção de delegar um grande espaço à memória do conflito "injustamente esquecido" durante 70 anos pelo regime soviético, que teria "traído os interesses nacionais" ao se ajoelhar diante da Alemanha em 1917.

Alemanha, Itália e a maior parte dos países da Europa Central ainda não manifestaram entusiasmo para comemorar esse aniversário, sempre muito ambivalente para tais nações.

O centenário "continua sendo um momento identitário diferente para cada país" e coloca em evidência o fato de que "não há uma mentalidade ou sensibilidade europeia em comum, mas que a Europa ainda é uma construção racional", avalia o historiador alemão Gerd Krumeich, professor da Universidade de Düsseldorf.


Fonte:
http://www.em.com.br/app/noticia/internacional/2013/12/30/interna_internacional,483686/europa-fragmentada-lembra-centenario-da-primeira-guerra-mundial.shtml

domingo, 13 de abril de 2014

Archduke's bloodied shirt

THE GUARDIAN
20 June 2013

Archduke Franz Ferdinand's bloodied shirt goes on display in Vienna

Garment worn by man whose assassination triggered first world war is only rarely put on show due to its delicate condition.

(Kate Connolly)

The blood-splattered shirt of Archduke Franz Ferdinand, whose assassination in 1914 triggered the outbreak of the first world war, is to go on display in Vienna on Friday.

The once white garment, now stained a dark brown, is to be exhibited in a glass vitrine at the Austrian Military Museum (HGM), which holds more artefacts related to the assassination than any other institute.

"This is the undershirt he was wearing beneath his uniform, directly on his skin, so it's much more blood-soaked than the uniform he wore over it," said Thomas Reichl, of the museum.

The shirt was in the possession of the Jesuit religious order until 2004 when it was discovered gathering dust in their archives and passed to the HGM on permanent loan. Because of its delicate condition it is only rarely put on public display. This time it will be viewable for 12 days in a dimly lit room.

A Jesuit priest and family friend accompanied the archduke and his pregnant wife, Sophie, to Sarajevo where they had been sent by Emperor Franz Joseph to inspect Bosnian military manoeuvres. The priest gave the couple the last rites and was later handed the shirt and the assassin's Browning pistol for safekeeping.

Travelling in an open-top car on 28 June 1914, the archduke was shot at by 19-year-old Gavrilo Princip, a Serb who sought unity for the Yugoslav states and their independence from Austria-Hungary.

He was able to take close aim at the archduke's car when it stalled close to the Latin Bridge. The archduke and his wife, who flung herself on her husband to try to protect him and was shot in the abdomen, both died of their injuries shortly afterwards.

The chaise longue on which the archduke died is among the many artefacts relating to the assassination on display at the HGM. Others include the open-top Gräf & Stift imperial car, a rose the duchess wore in her belt and three of the four weapons used to assassinate them.

"We're expecting a large interest in the shirt because it goes on display so rarely, and especially in the run-up to the 100th anniversary of the assassination next June," said Reichl.

The exhibition is likely to further fuel the enduring fascination with the assassination as the centenary approaches, though certain artefacts are nowadays considered too distasteful to be put on display.

At one time an anatomical institute in Vienna exhibited the pickled brains of Princip, who died in prison in Theresienstadt in 1918, before they were given up for burial. The Latin Bridge remains one of Sarajevo's main tourist attractions, though the pavement on which Princip stood to fire his shots, which had been embossed with his footprints, was destroyed in the 1992-95 war in Bosnia.



Fonte:
http://www.theguardian.com/world/2013/jun/20/franz-ferdinand-shirt-display-vienna

Mais:
http://www.theguardian.com/world/firstworldwar
http://www.youtube.com/watch?v=gZFNG0dnzD0

domingo, 6 de abril de 2014

O dia em que a paz acabou

VEJA
16 de dezembro de 1998

O dia em que a paz acabou

Há oitenta anos terminava a I Guerra Mundial, a mãe de todas as guerras do século.

(Maurício Cardoso)

Oitenta anos depois do fim da I Guerra Mundial, a principal pergunta a respeito do conflito continua sem resposta: por que o mundo foi à luta em 1914? O estopim da explosão que incendiaria a Europa foi um fato que não guarda proporção com as dimensões do cataclismo que se seguiu: o assassinato do arquiduque Francisco Ferdinando, herdeiro do trono do Império Austro-Húngaro, por um fanático nacionalista sérvio durante sua visita à cidade de Sarajevo, na Bósnia. Não havia então uma ameaça à liberdade ou à humanidade como o nazismo, o detonador da II Guerra Mundial, vinte anos mais tarde. O equilíbrio do poder militar na Europa ou as aspirações imperialistas das grandes potências, as razões comumente aceitas para explicar a explosão, não justificariam tampouco o banho de sangue que se seguiu. A conclusão a que se chega é que se lutou muito por quase nada.

Quando os soldados alemães marcharam para a guerra, no dia 1º de agosto de 1914, mais pareciam um bando de colegiais partindo para um piquenique. "Estarão todos de volta antes que comecem a cair as folhas das árvores", despediu-os o kaiser Guilherme II, imaginando que em quatro meses tudo estaria terminado, naquele que seria um dos mais graves erros de avaliação da História. A maioria de seus soldados simplesmente não voltou, a guerra se estendeu por quatro anos deixando um rastro de destruição por toda a Europa e um saldo aterrador de 15 milhões de mortos entre militares e civis. Tudo por nada.

As grandes potências europeias se preparavam para a guerra há anos. Em seu livro The Arming of Europe and the Making of the First World War (A Militarização da Europa e a Deflagração da I Guerra Mundial) o historiador David Herrmann mostra que a Alemanha atingira o auge de seu poderio bélico em 1914 e provocou o conflito para não ser alcançada por seus rivais, Inglaterra, França e especialmente a Rússia. Vista oitenta anos depois de terminada, percebe-se que se pagou um preço altíssimo pelas ambições e vaidades daquele momento. A I Guerra é lembrada como o primeiro conflito moderno da História que destruiu com brutalidade o romantismo das batalhas e colocou o cidadão comum em contato direto com a crua realidade do front. Novas armas como a metralhadora, os gases venenosos, o tanque, o torpedo, o avião, o submarino iriam ser testados pela primeira vez antes que se pudesse avaliar seu poder de destruição. Apenas no primeiro dia da batalha de Somme a Inglaterra perdeu 60.000 soldados. Durante toda a Guerra do Vietnã, meio século depois, os Estados Unidos perderam 58.000 homens, o suficiente para levantar a opinião pública americana contra a insensatez da guerra.

Mas aqueles eram outros tempos. "Em 1914, 'glória' era uma palavra dita sem constrangimento e a honra era um conceito conhecido, em que as pessoas acreditavam", escreveu em Canhões de Agosto a historiadora americana Barbara Tuchman, uma da maiores autoridades em I Guerra Mundial. Pela glória e pela honra, a fina flor da juventude europeia engajou-se na luta e nela pereceu. "Apenas um terço dos soldados franceses saiu da guerra incólume. Um quarto dos alunos de Oxford e Cambridge que serviam o Exército britânico em 1914 foi morto", contabiliza o historiador Eric Hobsbawm no livro Era dos Extremos. Em dois anos, a Rússia perdeu 3,8 milhões de homens. Em 1921, a população da França tinha 400.000 pessoas menos do que dez anos antes. A destruição atingiu toda a Europa, inclusive a Inglaterra, no outro lado do Canal da Mancha.

Toda uma geração havia sido ceifada com uma brutalidade que não deixava dúvidas. Não havia nada de bonito na guerra, como chegou a escrever em um poema o poeta francês Guillaume Apollinaire, um dos combatentes caídos no conflito. As trincheiras, onde os soldados passaram a viver, eram imundas e enlameadas, infestadas de insetos e ratos. A morte era banal e os soldados, tratados como munição que podia ser "queimada", na chamada guerra de "desgaste". "A vitória é uma simples questão de matemática", dizia o general Eric von Falkenhayn, comandante do Estado-Maior alemão. "Como há mais alemães do que franceses, no fim sobrarão os alemães." Os aliados não agiam diferentemente e os franceses só mudaram de opinião quando seus soldados se amotinaram contra a estupidez com que eram tratados.

O conflito distribuiu novos papéis pelo mundo. A mulher, que ainda lutava para ter o direito de votar, foi chamada a ocupar o lugar do homem na linha de produção das fábricas e chegou ao front. Apenas entre americanas e inglesas alistaram-se 90.000, a maioria para cuidar dos hospitais de campanha. O mapa da Europa foi redesenhado. Tanto quanto aniquilar o império alemão, o Tratado de Versalhes esmerou-se em isolar o novo inimigo que surgia na Rússia: o comunismo. Nos dois casos o tiro saiu pela culatra. A humilhação da Alemanha, imposta pelo Tratado, fez germinar o nazismo que detonaria a II Guerra Mundial. O comunismo também teve seu caminho aberto pelas feridas russas na Grande Guerra - justamente o conflito deflagrado para terminar com todas as hostilidades.



Fonte:
http://veja.abril.com.br/161298/p_086.html

Mais:
http://veja.abril.com.br/historia/primeira-grande-guerra-mundial