"Ambos [jogador e salteador], pois, como de bom grado auferem ganhos de fontes indébitas, são sórdidos amantes do ganho." (Aristóteles, Ética A Nicômaco, Livro IV - Parte 1)
Se o lance do roubino, epa, rabino Henry Sobel era afanar gravatas em elegantes lojas de Palm Beach, o larápio semita Bernard Lawrence Madoff preferiu voos bem mais ambiciosos. Ele foi o cérebro por trás daquilo que muitos tacham de "a fraude do século" e "maior trapaça de todos os tempos". Os seguintes trechos são daqui.
Se o lance do roubino, epa, rabino Henry Sobel era afanar gravatas em elegantes lojas de Palm Beach, o larápio semita Bernard Lawrence Madoff preferiu voos bem mais ambiciosos. Ele foi o cérebro por trás daquilo que muitos tacham de "a fraude do século" e "maior trapaça de todos os tempos". Os seguintes trechos são daqui.
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A estratégia de investimentos de Madoff era sigilosa, vendida como "complicada demais para ser compreendida por pessoas de fora". Os únicos detalhes que ele fornecia era que ele utilizava operações com opções, mas pelos poucos detalhes que eram fornecidos não poderiam gerar uma estratégia de investimentos tão lucrativa. E todos os que questionavam Madoff de suas estratégias eram respondidos de maneira bastante seca. O que se descobriu posteriormente era que a fraude era completa, que o fundo de Madoff não tinha realizado operações por diversos anos. O dinheiro recebido dos clientes simplesmente ia para as contas pessoais de Madoff.
Ao contrário de outros casos de fraudes, a marca de Madoff era a discrição e até certa modéstia, apesar do gigantismo do esquema. Apesar de precisar de novos recursos para pagar as solicitações de resgate, Madoff não se mostrava ansioso por receber novos cotistas, chegando a recusar alguns investidores, e mantinha uma aura de sigilo e de exclusividade. Mesmo no mundo dos investidores ricos, não era qualquer um que podia investir no fundo de Madoff, mas muitos desejavam pelo excelente retrospecto do fundo. Havia ainda uma cláusula de confidencialidade impedindo que os investidores contassem que aplicaram seu dinheiro no fundo de Madoff. O padrão de rentabilidade era outro diferencial em relação a outros esquemas, não sendo muito espetacular, mas gerando retornos entre 10% e 15% ao ano de maneira bastante regular, sem muito risco, ao contrário de outros hedge funds, e sem retrospecto de um ano negativo. Madoff sequer cobrava elevadas taxas de administração ou de performance, apenas comissões de vendas. Melhor ainda, a liquidez do fundo era imediata, não sendo exigida a carência comum nos fundos de hedge.
A fraude pôde continuar por diversos anos porque Madoff conseguiu se manter um pouco fora do radar e também por ingenuidade dos investidores e leniência e incompetência de quem deveria pegá-lo. Como ocorreu com outras fraudes, alertas foram emitidos antes do golpe ser finalmente revelado. Um foi a reportagem da revista Barron's "Don't ask, don't tell". Embora não declare que Madoff seja uma fraude, planta diversas interrogações que deixariam um investidor mais cético receoso de investir com Madoff. Mas a maior "bandeira vermelha" foi o documento "The World's Largest Hedge Fund's a Fraud", entregue à SEC [Securities and Exchange Commission] e que denunciava o fundo de Madoff sob duas hipóteses: ou se tratava de um esquema de front running, onde Madoff lucraria com o acesso privilegiado às ordens dos clientes da área de corretagem, o que constitui insider trading, ou seria um esquema Ponzi, hipótese mais provável segundo Harry Markopolos, o autor anônimo do documento. No documento, Markopolos levantou vinte e cinco evidências de que as operações do fundo eram fraudulentas. A SEC investigou Madoff diversas vezes, sem ter encontrado nada de irregular. Segundo Madoff, ele poderia ter sido pego, mas apenas se os investigadores tivessem feito as perguntas certas. Na verdade, poucos dentro ou fora da SEC imaginavam que Madoff poderia ser um fraudador.
Além desses alertas, outros fatores poderiam e deveriam ter sido checados pelos investidores para levantar dúvidas sobre a idoneidade de Madoff. A auditoria independente era realizada por uma firma insignificante, com apenas um auditor que sequer tinha permissão para realizar auditorias públicas e cujo único sócio vivia nas Bermudas. Também não havia um depositário independente, como um banco. Os distribuidores das cotas, cegados pelas altas comissões, não questionavam as práticas de Madoff, assim como os investidores deslumbrados.
Diferente de outros esquemas, o alvo preferencial de Madoff eram investidores ricos, o tíquete mínimo sendo de US$ 5 milhões. E dentro dessa categoria, valia tudo: empresários, celebridades, amigos, sócios do clube de golfe, instituições beneficentes, dentre outros. Note-se que não se tratava de investidores pouco educados ou que não sabiam ganhar dinheiro ou dele cuidar. Madoff só não aceitava dinheiro de gestores profissionais, que poderiam facilmente detectar a fraude se tivessem conhecimento de seu fundo. Até instituições financeiras se envolveram no golpe e foram desfalcadas, perdendo ainda mais com processos de seus clientes, que entenderam ter havido negligência por parte dos bancos.
A crise financeira [de 2008] arruinou o esquema de Madoff, ao gerar um volume imenso de solicitações de resgate que o golpista simplesmente não conseguia atender. Quem estava dentro queria sair e quem estava na fila já não queria mais entrar. Com isso, Madoff acabou sendo desmascarado pela crise (nada melhor para revelar fraudes do que as crises). Não se sabe e talvez nunca se saberá o tamanho do esquema, já que as operações não eram devidamente registradas. Estima-se em algo entre 12 e 36 bilhões de dólares contando apenas o principal, e US$ 65 bilhões considerando os rendimentos imaginariamente auferidos.
Madoff foi pego, julgado e condenado a 150 anos de prisão.
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Alguém desprevenido talvez imagine que foi preciso um mirabolante suporte tecnológico para coordenar e ocultar um crime de semelhante magnitude durante tanto tempo. Os fatos vão na contramão dessa teoria. No antes misterioso e hoje ambiguamente famoso 17º andar do Lipstick Building, todas as operações ilícitas do Bernie Menorá tinham como base um arcaico IBM Application System/400, o AS/400. Uma dessas peças de museu que em 2008 costumávamos associar a geeks saudosistas, não a estelionatários de Wall Street.
A linha AS/400 (depois eServer iSeries (depois System i)) de computadores de médio porte foi lançada em 1988. Era uma verdadeira família de mamutes do Pleistoceno, grandes caixas futuristas com uma aparência de frigobar. Originalmente, funcionavam com um processador CISC e rodavam um sistema operacional chamado OS/400.
O servidor utilizado na falcatrua épica - apelidado de "House 5" - não trabalhava em rede, era totalmente inacessível a outras máquinas. A quadrilha era composta por pouco mais de 20 pessoas. O truque consistia em forjar e imprimir relatórios, planilhas, extratos e declarações de supostos clientes que garantiam estar tudo correto com as finanças.
O aspecto humano dessa história também é interessante. Algumas das vítimas ludibriadas eram ricaços em busca do tal diferencial. Poderia ser balonismo, hipismo, falcoaria, numismática. Terminaram caindo que nem patinhos na lábia do judeu. Quack.
Desses golpes de esquema de pirâmide, aqui no Brasil houve os casos de, hã, empreendimentos como o Avestruz Master e as fazendas Boi Gordo.
Mark Madoff, um dos filhos de Bernie Vigarista, cometeu suicídio dois anos após a prisão do pai. Enforcou-se. Karma's a bitch.
Curioso comercial japonês do AS/400 aqui.